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Manifesto em favor da paridade de gênero no setor da mobilidade urbana

O país necessita não somente da criação de novas políticas públicas, mas também da promoção, empoderamento e representatividade da diversidade em eventos e lugares de fala.

Foto: Anton Gvozdikov.

O pensamento machista é cultural e está presente em diversos aspectos da sociedade, como  política, televisão, empresas, cargos, prestígio social, entre outros. Há algumas décadas esse comportamento é tema de discussão das pessoas que lutam pela igualdade de gênero e principalmente contra o processo de silenciamento, além do mais, políticas de combate à desigualdade de gênero fazem parte da Agenda 2030 na construção de sociedades mais justas e sustentáveis. 

No entanto, o problema do machismo se encontra tão enraizado na sociedade que muitas vezes passam despercebidos. Exemplo disso foi o evento que ocorreu recentemente sobre o retorno seguro à mobilidade, no qual havia apenas palestrantes homens. O evento denominado como “Encontro Internacional – Retorno seguro das pessoas ao Transporte Público” apresentou falta de diversidade e representatividade feminina e foi tomado de críticas, abaixo-assinados e desistências do público.

O grande problema de eventos como esse é abordar o tema de segurança no transporte público sem consultar mulheres, ouvindo apenas homens, que não são o público principal dos transportes, tampouco o alvo de assédios e inseguranças. A diferença na experiência urbana para homens e mulheres é diferente.

Aqui cabe uma visão geral da situação da mobilidade brasileira. As mulheres são as que mais utilizam o transporte público e, de acordo com levantamento realizado pela Rede Nossa São Paulo em março de 2020, 43% das entrevistadas em São Paulo relataram ter sofrido assédio dentro de ônibus, trem ou metrô, sendo este o principal local onde ocorre esse tipo de situação.

O transporte público é o principal local onde mulheres afirmam ter sofrido assédio.
Fonte: Rede Nossa São Paulo: “Viver em São Paulo Mulher” (2020).

Segundo estudos da arquiteta Ines Sanchez de Madariaga, da Universidade de Madri, as mulheres são 25% mais propensas a fazer paradas ao longo do trajeto de ônibus do que os homens e, quando têm filhos, a quantidade de viagens aumenta 23%. Outro estudo realizado em três cidades da América Latina apontou que o transporte público é o 2º principal meio de locomoção de mulheres, ficando atrás apenas do andar a pé.

Logo, a necessidade da presença feminina nesses lugares de fala se mostra extremamente importante. As situações de negligências e falta de representatividade de grupos que são considerados minorias sociais significa na prática que tais pessoas e suas vivências não estão sendo consideradas no espaço público e na construção de políticas públicas. Pensar o retorno seguro aos transportes é diferente do ponto de vista da necessidade de homens e mulheres.

Em Barcelona, a perspectiva de gênero passou a ser considerada em todas as suas políticas públicas. Em Madri, grupos foram organizados para garantir que as necessidades das mulheres sejam levadas em consideração pela prefeitura. 

No entanto, infelizmente o Brasil vai na contramão desse processo. Dos vinte e seis secretários responsáveis pelo transporte, infraestrutura e mobilidade urbana dos seus respectivos estados, apenas três são mulheres. São elas Juliana Passarin, do Tocantins, Janainna Pinto Marques, do Piauí, e Elisabete França, que assumiu recentemente em São Paulo. Roraima nem mesmo tem uma secretaria específica na área.

Figura representativa de encontro mediado apenas por homens sobre assunto referente à mulheres em específico.

Recentemente, o caso da Larissa Almeida, de 21 anos, repercutiu na internet o que motivou a Universa a reunir depoimentos de mulheres que também sofreram assédio no transporte coletivo nos últimos anos. O problema estrutural presente na hora de falar sobre o futuro da mobilidade corrobora com a necessidade de mulheres falando sobre a volta segura ao transporte público. 

Outro exemplo importante a ser considerado é a quantidade de motoristas mulheres nas empresas de ônibus. De acordo com levantamento da SPTrans em 2019, a empresa apresentava apenas 2% de motoristas de ônibus mulheres no município de São Paulo e esse percentual é o mesmo nos três anos anteriores.

Todas essas violências, negligências e silenciamento de fala reforça a necessidade não somente de políticas públicas, mas também de promoção e empoderamento de mulheres. É fundamental que as mulheres possam conduzir essas conversas, pois elas são as únicas que podem dizer o que faz sentido, não tem como ignorar essas vozes em qualquer discussão sobre segurança ou o futuro dos transportes coletivos.

Para tanto, uma iniciativa da sociedade civil formularam uma Carta-Compromisso pela Garantia do Direito de Equidade e Paridade de Gênero na Construção de uma Mobilidade Urbana para Todas as Pessoas. A carta objetiva unir esforços e tornar as cidades 50/50, ou seja, com equidade de gênero na tomada de decisão e no debate sobre os temas relacionados à mobilidade urbana.

Pensando em como apoiar e articular o movimento, a ONBOARD decidiu contribuir com a demanda da Carta-Compromisso sobre se comprometer à “paridade de gênero e equidade racial em todos os eventos, painéis ou seminários sobre mobilidade urbana e urbanismo organizados pelos setores públicos e/ou privados, bem como audiências públicas organizadas pelo poder público”. 

Com isso, a ONBOARD tem trabalhado para construir uma rede de mulheres que podem dar um “aulão” sobre diversos assuntos na mobilidade, não só sobre ser mulher e usar transportes, mas qualquer tema sob a ótica feminina. Para fazer parte e contribuir com a rede, acesse o formulário de inscrição no Direção Feminina.

A página online de curadoria ficará disponível aqui no Agora é Simples.

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