Carteiras digitais: as lições do varejo para o transporte público
O que a evolução do cartão de loja pode ensinar ao transporte público
Desde a promulgação da lei 12.865/2013 que o mercado das fintechs (empresas de finanças + tecnologia) esquentou. A lei define as instituições de pagamento, diferenciando-as das instituições financeiras como bancos, com regras próprias.
A regulamentação deu segurança jurídica para empreendimentos na área e hoje o Brasil é um dos mais efervescentes mercados para tecnologias financeiras. Como prova temos o banco digital mais valioso do mundo, o Nubank.
As instituições podem oferecer formas de pagamento, transferência, gestão financeira, investimentos e moedas próprias. A liberdade tem chamado a atenção de grandes empresas do mercado interessadas em maximizar ganhos, fidelizar e até mesmo bancarizar seus clientes.
Essa transformação nos pagamentos ganhou mais força no ano passado, com a instauração pelo Banco Central do Grupo de Trabalho em pagamentos instantâneos.
A partir de discussões com mais de 90 instituições interessadas, entre bancos e fintechs, os pagamentos instantâneos começam seu processo de padronização e ida ao mercado.
Mas o que são pagamentos instantâneos e porque eles são importantes?
Como vimos, ao regular as instituições de pagamento em 2013 o Banco Central estimulou a competição no mercado e ajudou na criação de serviços digitais hoje extremamente bem avaliados pelo consumidor, descentralizando dos 5 grandes bancos do país.
Entre os serviços digitais mais bem avaliados – por consumidores e pelo mercado – estão o já citado Nubank, e também Banco Neon, Creditas, GuiaBolso, entre outros.
Em 2018 um passo além foi dado em direção aos pagamentos instantâneos com a instauração do grupo de trabalhos, realidade já vista na Europa e na Ásia. Na China, em particular, estão os maiores cases de carteiras digitais com o WeChat e o Alipay.
Mais uma vez caminhamos para a desburocratização do mercado. Os pagamentos instantâneos permitem trocas de valores 24 horas por dia, 7 dias por semana e disponibilidade imediata de fundos para o beneficiário. Muito diferente dos limites de dias e horários para transações que temos hoje.
Essa flexibilidade abre um leque de opções de pagamento, hoje muito atreladas ao crédito ou débito por cartões bancários. Operações estas consideravelmente caras tendo em vista todos os atores envolvidos na cadeia de pagamento.
Em seu site, o Banco Central justifica a regulamentação dos pagamentos instantâneos na cobertura de lacunas, como:
i.a utilização elevada do dinheiro em espécie para pagamentos de serviços e para transferências de recursos entre pessoas físicas, o que justifica a política do BC de incentivo à eletronização dos instrumentos de pagamento de varejo, tendo em conta que podem gerar redução significativa do gasto com a realização de pagamentos;
ii.as transferências eletrônicas interbancárias de crédito, como a TED e o DOC, estão longe do seu potencial de utilização, principalmente por causa das tarifas elevadas para essas operações, das dificuldades no endereçamento das transferências e da ausência de confirmação das transações; e
iii.os custos de aceitação de cartões de crédito e de débito são muito elevados e a disponibilização dos recursos para o beneficiário final do pagamento demora muito tempo.
Os tópicos acima te lembram alguma coisa? A situação do transporte público é muito similar a essas descrições: utilização elevada de dinheiro em espécie, demora para disponibilização de créditos comprados pela internet e custos elevados para aceitação de cartões bancários.
Resumindo, os pagamentos instantâneos são bons para toda a cadeia, ao diminuir custos nas transações, aumentar o leque de opções de pagamento e a possibilidade de criação de novas receitas para quem vende a um número grande de pessoas, como o varejo e, em especial, o transporte público.
Varejo entra no mercado para explorar base de clientes
Entre os novos serviços de pagamento instantâneo o varejo brasileiro tem saído à frente. Lojas Americanas, Magazine Luiza e Casas Bahia anunciaram recentemente suas próprias carteiras de pagamento.
Essas empresas estão cientes da alta taxa de desbancarização de seus clientes há muitos anos e sempre buscaram retê-los e ser responsáveis pelos pagamentos de suas próprias compras. Foi assim que se popularizou o “cartão da loja”, mas mesmo que obtenham receitas de transações em seus cartões de marca própria, ainda existem intermediários que diminuem suas margens.
Um pagamento simples com o cartão próprio contempla os custos da transação, com a empresa da maquininha e a divisão das receitas com o banco e a bandeira do cartão.
Com a possibilidade de uma carteira digital própria, amparada pela regulação dos pagamentos instantâneos, há a diminuição desses atores que são remunerados. Pelo celular não tem maquininha, sem cartão não tem bandeira e os bancos tem sua importância diminuída.
Ensinamentos ao transporte público
Todas as novas carteiras digitais querem uma fatia da transação das compras feitas por esses meios, criando um novo concorrente às adquirentes, como Cielo, Rede, Stone e PagSeguro, além das bandeiras de cartão, entre elas Visa e MasterCard.
Em busca da popularização de seus serviços e da competitividade que irá se acirrar num futuro bem próximo, há um movimento de integração com o transporte público, mercado com clientes recorrentes e grande fluxo de pagamentos.
Vendo essa demanda que a OnBoard Mobility desenvolve o Bilhete Digital, uma carteira digital para o transporte público ser sua própria fintech e protagonista dessa revolução nos pagamentos.
“Queremos que o arranjo de pagamento seja aberto. O crédito que hoje é exclusivo para transporte poderia ser usado para outros produtos e serviços, como uma compra na farmácia. Ou seja, viraria uma carteira digital pré-paga”, Luiz Renato M. Mattos, CEO da startup, em entrevista ao Mobile Time.
Para o Agora é Simples, Mattos, também editor desta publicação, disse que as operações de crédito feitas pela carteira geram receitas acessórias para o transporte público, por meio de comissionamento a cada transição.
De acordo com a startup, o serviço é composto da tecnologia Account Based Ticketing (ABT) acessível por smartphones com uso de QR Codes. Ou seja, os créditos não ficam mais numa mídia física, o cartão, e sim online e disponibilizados no equipamento quando necessário.
Com essa tecnologia os cartões não serão substituídos de imediato, sendo o bilhete digital um complemento às formas de acesso ao transporte público, propiciando eficiência e fácil acesso à integrações tarifárias.
Comparando com a estratégia das varejistas, Luiz Renato nos lembra que “Os cartões private label (famosos cartões da loja) não são novidade. E algo que talvez não saibamos é que os varejistas são os principais emissores de cartões do país. O motivo, além da vasta base de clientes essas empresas possuem o relacionamento corpo a corpo com o seu cliente.
Para o executivo, está aí uma estratégia de negócios para o transporte público “porque não maximizar os ganhos assumindo operações que antes eram exclusivas de instituições financeiras?”.
Mattos finaliza enfatizando a queda de arrecadação do transporte público, que ano após ano perde clientes e torna-se cada vez mais insustentável do ponto de vista operacional. Para ele “o transporte público precisa surfar essa onda e aproveitar todo o potencial de sua base de clientes e recorrência antes que alguém faça isso por ele como temos visto em São Paulo capital com Mercado Pago, Recarga Pay, PicPay, entre outros”.
Por uma ‘fintechzação’ dos negócios
Começar um novo empreendimento no ramo das fintechs ficará cada vez mais concorrido para entrantes. Temos notado um movimento de empresas com base grande de clientes para o ramo, aproveitando a escalabilidade que esse alto número de clientes pode dar às iniciativas, como as carteiras digitais.
Com milhões de pessoas sendo transportadas todos os dias, utilizando principalmente cartões, como o Bilhete Único de São Paulo, o transporte público tem em mãos a possibilidade de reter clientes e obter novas receitas, não deixando esse potencial a nenhum outro setor que não ele mesmo.
Além do tradicional vale-transporte, agora empresas do setor podem ser responsáveis pela distribuição de vales alimentação e refeição, compras em lojas físicas e pagamento de modais alternativos, entre carros compartilhados, bicicletas e patinetes. E o melhor: tudo com seu bilhete digital gerando receitas acessórias.
Por fim, pode ser uma estratégia fundamental para colaborar na reversão do ciclo vicioso que afeta os investimentos no transporte público ao criar uma nova experiência do cliente e gerar uma fonte extra de recursos que não sejam a tarifa paga pelos passageiros.
Por que a OnBoard Mobility?
A startup paulistana, fundada em 2016, foi reconhecida como uma das melhores soluções para cidades inteligentes no Connected Smart Cities e no SmartCity Bussiness em 2017 com sua proposta de digitalização dos cartões de transporte.
Diante da dificuldade de se integrar com as atuais fornecedoras da bilhetagem eletrônica a startup focou seus esforços na criação do próprio hardware com o objetivo de dar independência às empresas de transporte com os mesmos benefícios de integração e regras tarifárias das bilhetagens atuais.
Há alguns meses a OnBoard Mobility desenvolve a bilhetagem digital, sistema ABT que renova a bilhetagem eletrônica tradicional. O sistema abre um novo canal de acesso ao transporte e, como falado durante o texto, novas possibilidades de negócios.
Abaixo imagens do hardware, que diferentemente da maioria dos validadores, tem software livre, ou seja, aberto ao desenvolvimento por parte das empresas.
Com isso busca-se a liberdade de contratos abusivos e exclusivos com uma ou outra fornecedora de equipamentos o que, de acordo com a startup, baseada em dados da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), atrasam a inovação no transporte urbano.