“As empresas continuam operando no vermelho e com risco de novas paralisações”, diz diretor do setor de transporte público
A necessidade de políticas públicas eficazes para qualidade e sustentabilidade do sistema de transporte brasileiro
O setor de transporte público brasileiro já enfrenta crise de financiamento há alguns anos e, com a pandemia, a situação tem levado o setor cada vez mais próximo à falência devido a redução drástica e constante de passageiros. Essa crise envolve o fato de toda a receita do setor ser proveniente dos passageiros pagantes.
O modelo de sustentação financeira atual apresenta poucos casos de subsídio governamental ou outras fontes de receita que sejam razoáveis para suprir os custos operacionais, assim, com o aumento do estímulo ao uso do transporte individual e a insegurança da sociedade com o uso de ônibus neste momento, o sistema pode entrar facilmente em colapso.
Miguel Pricinote, diretor executivo da Viação Reunidas, empresa que paralisou suas operações por alguns dias em junho, faz um apelo ao poder público por meio do Agora é Simples “uma vez que as empresas fazem a operação do que os governos definem enquanto prestação de serviço. As empresas sozinhas e sendo remuneradas por passageiro, não serão capazes de reverter esse quadro.”
Por meio da perda de demanda do transporte público, a redução de receita gera queda de produtividade, resultando em desequilíbrio financeiro que provoca aumento da tarifa. Esse desequilíbrio reflete na perda de qualidade e competitividade do transporte público que, por isto, perde demanda, retroalimentando um ciclo vicioso.
Para conter os prejuízos relacionados à pandemia prefeituras do país todo diminuíram a frota em circulação ou, ainda, paralisaram totalmente a operação. Entretanto, como noticiado pelo Agora é Simples, para evitar contágios por meio de aglomerações é necessário que toda a frota esteja na rua, talvez até mais do que no período pré-pandemia.
Mesmo com diminuição da frota na rua, as empresas têm apresentando cerca de 30% a 95% de perda de receita ocasionada pela crise devido ao avanço da Covid-19 no Brasil. Algumas empresas de transportes de passageiros já suspenderam atividades, como nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Bahia e Goiás, por exemplo.
Nacionalmente, o prejuízo em dois meses de pandemia se encontra em R$ 2,5 bilhões segundo dados da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU). O Consórcio de Transportes Metropolitano (CTM) revela que a pandemia já provocou um prejuízo de R$ 155 milhões e que a queda de demanda está em torno de 70%.
Entendendo as demandas do setor de transporte público brasileiro
A Viação Reunidas, uma das empresas que opera no transporte coletivo de Goiânia e região metropolitana, paralisou as atividades recentemente, entre os dias 13 a 17 de junho de 2020. Em nota, o Sindicato das Empresas de Transporte Coletivo e Passageiros de Goiânia e Região Metropolitana (SET) informou que os trabalhadores estavam com salários atrasados desde maio e o auxílio alimentação não estava sendo pago.
“A operação já vinha sendo deficitária. Com a pandemia e uma redução de 80% do fluxo de passageiros e a manutenção total da operação e, como consequência, das despesas, a situação ficou insustentável. […] mesmo com todos os cortes e ajustes na gestão e na operação da empresa, não foi possível obter o equilíbrio, muito menos os pagamentos de fornecedores de insumos e dos colaboradores.”
Miguel Pricinote para a redação.
Na última quarta (17), o SET, em nota, informou que a “empresa conseguiu recursos através de operação de crédito e já efetuou o pagamento do ticket alimentação dos colaboradores e estruturou um cronograma para o pagamento parcelado da folha de maio.” A companhia pretende retomar as operações de forma integral, mas ainda não há previsão, permanecendo assim com um funcionamento parcial da modalidade.
Referente à situação dos colaboradores, Miguel diz “Desde abril temos tido dificuldades de pagar os salários integralmente, eles vêm sendo parcelados, mas foram quitados dentro do mês. Agora, em junho, não pudemos fazer o pagamento do ticket alimentação e nem do salário. Buscamos linhas de crédito que só tivemos a aprovação de um valor pequeno no dia 17 de junho, quarta-feira. Conseguimos voltar a operar parcialmente, quitamos o ticket e vamos pagar a primeira parcela do salário na segunda, 22 e quitaremos o restante na semana seguinte.”
Em abril, três entidades ligadas ao transporte coletivo urbano assinaram um documento no qual alertaram a possibilidade de colapso no sistema por causa da pandemia do novo coronavírus. As entidades NTU (Associação Nacional de Transportes Urbanos), ANTP (Associação Nacional de Transportes Públicos) e Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes de Mobilidade Urbana pediam no documento a criação de um programa do governo federal para auxiliar a manter o funcionamento.
Um projeto de lei (PL 3364/2020) apresentado em maio de 2020 pelo deputado federal Fábio Luiz Schiochet Filho, do PSL de Santa Catarina, promove a instituição do Remetup – Regime Especial de Emergência para o Transporte Coletivo Urbano e Metropolitano de Passageiros. De acordo com o Regime, “os benefícios fiscais do Remetup destinam-se às pessoas jurídicas prestadoras de serviços de transporte público coletivo de passageiros urbano e de caráter urbano”.
O projeto ainda vai tramitar no Congresso antes de chegar à presidência da República. Dos benefícios propostos, serão excluídas empresas de transportes com dívidas em fazendas públicas federal, estadual ou municipal, inclusive as dívidas relativas à contribuições previdenciárias.
Sobre o apoio do poder público Miguel Pricinote complementa: “ O Governo do Estado elaborou um Plano Emergencial onde foi feita uma grande auditoria nas contas das empresas pela Controladoria Geral do Estado e comprovado um prejuízo, apenas nos primeiros 45 dias (período de 15/03 à 30/04/2020), de 23,5 milhões. No entanto, uma ação de recurso no STF impetrado pela prefeitura de Goiânia suspendeu o andamento do processo. Hoje, o nosso sindicato mantém conversa com o poder público para reverter essa situação e, juntos, encontrarem uma solução para o reequilíbrio dos contratos atuais.”
Em relação ao governo federal, entretanto, há a necessidade de medidas mais enérgicas e direcionadas, uma vez que até o momento“nenhuma empresa do sistema teve acesso a qualquer benefício fiscal, apenas as medidas provisórias trabalhistas foram usadas nas negociações com funcionários. “ aponta.
O papel do poder público na sustentabilidade do meio de transporte
Com a inclusão do transporte público como direito essencial em 2015 no artigo 30 da Constituição da República, o ir e vir dos cidadãos passou a ser um problema do Estado. Operar o transporte coletivo de passageiros é, portanto, garantir um direito fundamental do ser humano dentro da sociedade.
Em cidades como Londres, Paris, Roma e muitas outras, o serviço de transporte conta com aporte parcial por parte do setor governamental, a fim de garantir a qualidade aos meios de transporte coletivo ao mesmo tempo em que o torna acessível aos cidadãos de situação econômica mais baixa da população.
Logo, diante da retomada econômica no pós-pandemia e da insegurança dos passageiros com o transporte público, a probabilidade de que o meio continue enfrentando uma queda na demanda é alta.
Dessa forma, o Estado brasileiro deve criar condições para oferecer um serviço de qualidade, sendo hoje um momento oportuno para uma discussão ampla sobre a mudança na forma de financiamento do transporte por ônibus.
“Para termos um transporte de primeiro mundo, o que é possível, é preciso que os governantes assumam para si o transporte e criem uma política que entregue para o usuário um transporte digno, confortável, eficiente. Porque essa é a responsabilidade do poder público, uma vez que as empresas fazem a operação do que os governos definem enquanto prestação de serviço. As empresas sozinhas e sendo remuneradas por passageiro, não serão capazes de reverter esse quadro. O que vemos na quase totalidade do Brasil, é um serviço público essencial “órfão”, ou seja, um filho “enjeitado” por quem deveria zelar e cuidar, pois é uma obrigação Constitucional.”
finaliza Miguel Pricinote.
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