Transporte público: quais são as propostas dos candidatos em BH?
As principais propostas para o transporte público em Belo Horizonte comparadas com sua viabilidade prática para os mandatos 2021-2024
Com o transporte público na linha de frente do desenvolvimento de cidades, os planos de governo são ótimos documentos para analisar o que futuros governantes planejam para buscar a melhoria do sistema, visto que a mobilidade é influenciada em grande parte pelas políticas públicas locais e pelo direcionamento dos recursos para infraestruturas e serviços.
Dentre artigos e estudos de especialistas do setor, a Redação Agora é Simples analisou a viabilidade das propostas relacionadas a mobilidade urbana para a cidade de Belo Horizonte. O objetivo é conferir a realidade prática para os mandatos de candidatos à prefeitura do município.
- Veja também: Quais são as propostas dos candidatos em São Paulo
Belo Horizonte foi a primeira cidade planejada no Brasil e já possui um Plano de Mobilidade (PlanMob) direcionado para a construção de uma mobilidade urbana sustentável. No entanto, é a 9ª capital do mundo com maior tempo perdido em congestionamento, e a 3ª dentre as capitais brasileiras (INRIX, 2019).
Com isso em mente, apontamos neste artigo propostas de governo que vão ao encontro ou contra o que propõe os principais especialistas do setor e estudos na área.
Áurea Carolina (PSOL)
A candidata do PSOL direciona suas propostas de mobilidade principalmente ao cumprimento e consonância com os planos de mobilidade já existentes e acaba não especificando os detalhes de seu projeto.
As propostas listadas englobam a mobilidade ativa e intermodalidade entre os sistemas, garantindo gratuidade aos estudantes e redução do valor da passagem rumo à Tarifa Zero. Para financiamento dessas iniciativas, Áurea pretende estruturar e redirecionar os gastos orçamentários que hoje priorizam obras voltadas para o transporte motorizado individual.
Uma das propostas que chamam atenção é o retorno de trocadores (cobradores) em ônibus municipais. Hoje, a maior parte do transporte em BH possui bilhetagem eletrônica e voltar com profissionais exclusivos para cobrança vai contra tendência mundial de digitalização de pagamentos. É um aceno a esse grupo de profissionais que não leva em conta a possibilidade de reestruturação de carreiras para postos mais qualificados.
Cabo Xavier (PMB)
Com uma gestão orientada a resultados de acordo com o candidato, as propostas para mobilidade urbana se encontram entre os 8 eixos estratégicos da candidatura. Abordando a circulação, Cabo Xavier visa a realização de obras e ações no Sistema Viário e no trânsito a fim de facilitar a acessibilidade e mobilidade da população.
No entanto, embora cite a pesquisa origem e destino para guiar as implementações, o candidato não especifica se as obras serão voltadas para melhoria do sistema de transporte público ou privado.
No que diz respeito ao transporte público, o candidato apenas detalha o objetivo da instalação de um novo sistema de transporte, com ar condicionado, acessibilidade e design moderno. Também prevê a implementação de novos corredores exclusivos ao transporte, estações e pontos de embarque, porém não indica como e quando as propostas serão implementadas e nem como serão financiadas.
Fabiano Cazeca (PROS)
A partir do slogan “Transporte Coletivo: Não tem outra solução. É nova licitação já!”, Fabiano demonstra sua preocupação em decorrência da última licitação, a qual foi concedida no ano de 2008 na cidade.
Mais de 10 anos se passaram e o candidato aponta melhorias que devem ser revisadas nos contratos. Entre as melhorias, se encontram maior oferta de ônibus, transparência no valor da passagem, volta dos cobradores, renovação total da frota, entre outros.
Porém, os fatores indicados para melhoria já são de conhecimento da sociedade e de dever das prefeituras. Além de tudo, a implementação não é detalhada e não há propostas de financiamento das iniciativas durante o mandato.
João Vítor Xavier (Cidadania)
João é um dos únicos candidatos que aponta como proposta de financiamento parceria com o setor privado, além de propor o planejamento de recursos para mobilidade priorizando os modais de acordo com sua eficiência e sustentabilidade. No entanto, suas propostas são apresentadas de forma geral, sem nenhum detalhamento de iniciativas.
É interessante destacar aqui o texto do candidato para a construção de uma cidade mais compacta, a qual, segundo ele, estimulará a construção de empreendimentos em áreas com melhor infraestrutura.
Especialistas defendem o adensamento de áreas urbanas, aumentando por exemplo o potencial construtivo das edificações para haver um melhor aproveitamento. Quando se tem o espraiamento das cidades, há maiores congestionamentos por conta dos movimentos pendulares e um maior gasto público para levar infraestrutura para essas regiões.
Assim, a proposta aponta para o melhor desenvolvimento e aproveitamento de espaços. Contudo, é necessário analisar se haverá inclusão das regiões que não se encontram nas áreas centrais de boa infraestrutura, visto que a suburbanização é uma questão onde os pontos negativos se sobressaem principalmente no quesito de desenvolvimento e mobilidade urbana, ou seja, áreas com pouca infraestrutura tendem a “oferecer” experiências desagradáveis.
Lafayette de Andrada (Republicanos)
Para o candidato problemas estruturais da mobilidade urbana podem ser resolvidos a partir da administração correta da BHTrans (Empresa de Transporte e Trânsito de Belo Horizonte) e implementação de tecnologia e inteligência artificial nos sistemas.
A tecnologia no transporte possibilita diversas soluções como redução de custos, redução de fraudes, entre outros. Porém, vale lembrar que sem um plano detalhado sobre como, onde, por que e para quem a inteligência artificial será aplicada, não há indicativos palpáveis que possamos predizer se haverá melhoria no sistema.
Além de inúmeras intervenções que cita, Lafayette também demonstra viés para a construção de monotrilhos a fim de ampliar o transporte coletivo na cidade, e a construção de estacionamentos subterrâneos e passarelas para liberar as vias de trânsito e substituir os semáforos nas principais avenidas. O que, no final, acaba dando base para o incentivo ao uso de carros.
Uma das últimas propostas que chama atenção é a implementação da interoperabilidade dos sistemas de Bilhetagem Eletrônica já implantados. Ou seja, o candidato pretende possibilitar aos clientes de transporte público a utilização de um único cartão de passagens em diversos modais.
Embora a proposta seja o sonho de qualquer cidade, do ponto de vista técnico, não é viável devido aos inúmeros desafios para implementação no momento. Além ainda de não haver soluções concretas propostas pelo candidato.
Luisa Barreto (PSDB)
Dentro do eixo de Infraestrutura, Mobilidade e Desenvolvimento Urbano, a medida referente a melhoria do transporte público vem em 8º lugar no plano de governo de Luisa Barreto. A proposta é a integração da Região Metropolitana de BH (RMBH), no entanto, a candidata não fornece detalhes da implementação da mesma.
Um ponto que foi recomendado por instituições internacionais e é apontado como sugestão de melhoria da candidata, é a revisão de contratos de concessão de ônibus. A ideia é que estes sejam monitorados a partir da qualidade do serviço prestado ao cidadão.
Luisa ainda pretende estabelecer mecanismos de incentivo para uso do transporte coletivo diretamente por meio de redução da tarifa através de melhorias de gestão. Ou seja, alterações em itinerário e frequência do transporte e por meio de identificação de novas fontes de financiamento.
Já o incentivo indireto é proposto através da implementação de programas de micro-mobilidade. Além disso, há a previsão da criação de serviços on-demand, ou seja, transporte compartilhado sobre demanda por meio de aplicativos.
É cada vez mais consenso entre especialistas que transporte público sob demanda pode atender a necessidades específicas e suprimir gargalos existentes hoje. Já existem editais modernos no Brasil que visam integrar o transporte coletivo comum ao sob demanda no sistema.
Marcelo Souza e Silva (Patriota)
Com tema de plano de governo sobre “Retomada da Economia, do Protagonismo e da Prosperidade em BH”, Marcelo pretende revisar o PlanMob-BH (Plano de Mobilidade de Belo Horizonte). O plano hoje consta com 8 eixos de atuação e é utilizado como caderno de referência para elaboração de Plano de Mobilidade Urbana na cidade.
Dentre propostas como reduzir tempo de viagem, implantar ônibus executivos e novas linhas de transporte suplementar, apoiar expansão do metrô, iniciar troca da frota por ônibus elétricos e outras, o postulante não aborda como sustentará suas iniciativas durante o mandato.
Além do mais, a proposta de aumentar o Metrô já existe há um bom tempo em BH e ainda não há medidas palpáveis sobre sua implementação, principalmente no momento delicado de crise em que o país e o mundo se encontram. Empresas e prefeituras não possuem recurso para tal e, ao compararmos BH e SP, percebe-se que o investimento poderá ser bem maior devido principalmente à topografia da cidade.
Contudo, não há justificativas referente ao orçamento para troca total da frota de coletivos por ônibus elétricos. Considerando os extensos gastos orçamentários para tal, também não há propostas para manutenção posterior desses novos coletivos.
Nilmário Miranda (PT)
Candidato pelo PT, Nilmário direciona suas diretrizes à revisão de contrato de concessão do transporte público na cidade. A ideia é retomar a gestão da oferta para o poder público municipal, impondo somente às empresas a fiscalização do mesmo, totalmente contrário a realidade de hoje, onde o Poder Público fiscaliza o sistema, enquanto empresas privadas operam, não havendo muita aplicabilidade prática.
Nilmário também deseja implementar a Tarifa Zero, no entanto, o plano aponta a necessidade de buscar alternativas de financiamento para tal, indicando que não há proposta no momento. Além disso, promete continuidade da construção do metrô a partir de recursos e compromissos junto aos governos estadual e federal.
Professor Wendel Mesquita (Solidariedade)
Eleito duas vezes como vereador, Prof. Wendel se candidata à prefeitura e tem como uma das primeiras propostas a criação da Tarifa Estudantil, passagem a R$2,00 para estudantes, e criação do Programa BH AVANÇA a fim de impulsionar obras de infraestrutura para melhorar os acessos à capital, sem definir se priorizará carros ou transporte público e mobilidade ativa. Assim, se as obras forem destinadas aos carros, haverá impactos negativos no congestionamento e poluição de BH, que já são graves na cidade.
O candidato também prevê a implementação de novas linhas para transporte público e metrô. No entanto, nenhuma das iniciativas apresentam previsão de financiamento. O que, sem base empírica, só acarreta mais custos às prefeituras.
Assim como Áurea, Wendel prevê o retorno dos trocadores em todas as linhas do transporte público em horário integral. Essa proposta vai contra tudo o que especialistas apontam, pois além de criar despesas obrigatórias que não traz benefício ao público final que é usuário do transporte público, pode trazer riscos de assaltos aos coletivos e mais.
Além disso, Wendel tem como objetivo criar novas rotas de táxi nos principais corredores de trânsito da cidade. Aqui, é interessante destacar que a cidade possui faixas exclusivas ao transporte público quase inexistentes, assim, ao priorizar as rotas para táxis, a mobilidade acaba por caminhar do lado oposto da realidade que se prevê.
Rodrigo Paiva (Novo)
Uma das bandeiras levantadas pelo candidato do Partido Novo é de um transporte inteligente para garantir a mobilidade e o desenvolvimento da cidade. Dessa forma, Rodrigo Paiva aponta a importância da priorização do transporte coletivo em detrimento do individual usando inteligência de tráfego.
As propostas buscam o financiamento de iniciativas privadas e a revisão dos contratos de concessão para viabilizar o uso de tecnologias. Junto a outras empresas como SUDECAP (Superintendência de Desenvolvimento da Capital) e BHTrans (Empresa de Transporte e Trânsito de Belo Horizonte), o candidato pretende ter apoio técnico, gerenciamento e consultoria dos serviços de transporte presentes na cidade.
Rodrigo também prevê investimentos para o desenvolvimento e aprimoração de aplicativos para mapeamento de rotas para o cliente. O objetivo é otimizar e adequar os meios de transporte no deslocamento e trabalhar para a redução do valor da passagem para clientes que avisarem os trechos e horários a serem utilizados com antecedência.
Wadson Ribeiro (PCdoB)
Wadson é o único candidato que prevê como subsídio para redução da tarifa a implementação de taxas no transporte por aplicativo, em estacionamentos pagos e no estacionamento rotativo. Além ainda de comentar sobre a possibilidade de gratuidade aos domingos e feriados a partir desse financiamento.
A proposta de taxação por transporte de aplicativo visa a cobrança de uma média de R$ 0,15 a depender do horário, por km rodado em BH. Considerando que a cidade possui cerca de 40 mil motoristas de aplicativos, cada um percorrendo diariamente cerca de 200 km/dia, a arrecadação total seria próximo a R$ 30 milhões por mês.
A taxação por transporte de aplicativo é parecida com a medida adotada em São Paulo, com um imposto municipal de R$0,10/km. Essa iniciativa pode servir como modelo internacional de regulação do serviço prestado na cidade.
Outro modelo de financiamento previsto vem através do trabalhador de carteira assinada. Ao invés das empresas pagarem o vale-transporte para cada profissional, o valor será recolhido pela prefeitura e a pessoa receberá um cartão de gratuidade no transporte público e não terá o valor descontado de seu salário.
Essa medida se espelha ao Taux Du Versement Transport (TVT) da França, no entanto não é claro os parâmetros a serem adotados para o recolhimento. Além disso, não há medidas descritas para pessoas sem carteira assinada, número este que cresce a cada dia diante da crise que enfrentamos.
Wadson também pretende descentralizar a gestão do sistema de arrecadação tarifária. Hoje, quem cuida dessa questão é a Transfácil, consórcio de empresas privadas do setor. Com a retomada da gestão do sistema de bilhetagem eletrônica para a prefeitura, o candidato pretende garantir o controle e fiscalização efetiva da operação, podendo ainda gerar receita para contribuir na redução da tarifa.
Essa descentralização da gestão é citada por muitos estudos da área, os quais indicam que não é bom as empresas que operam o transporte coletivo também operarem a bilhetagem.
O candidato ainda propõe a formação de um convênio de cooperação entre municípios da RMBH e Governo do Estado a fim de promover a integração operacional e tarifária do sistema de transporte na região. Além de outras propostas relacionadas à melhoria do sistema e da infraestrutura para o setor.
Wanderson Rocha (PSTU)
O PSTU tem forte luta contra o processo de privatização do metrô e, como uma das propostas para redução na tarifa do mesmo, prevê o financiamento impulsionado através do valor pago pelas empresas mineradoras devido ao uso da malha viária pública.
O candidato também propõe a interrupção de todos os contratos descumpridos pelas empresas privadas que hoje detêm concessão sobre o transporte coletivo de Belo Horizonte. Wanderson justifica a proposta por meio das não conformidades ocorridas durante disputa sobre a concessão do transporte em 2008 e multas acumuladas durante esses anos.
A revisão de contratos também está listada entre as propostas, principalmente sobre o detalhamento do custo real de cada viagem e o lucro das empresas e concessionárias que fazem a gestão atual do sistema.
Wanderson demonstra atenção ao que diz respeito à participação da sociedade nas decisões do transporte público, prevendo construir um Fórum de Debate sobre o papel deste como serviço público, coletivo e gratuito. O objetivo é debater sobre a limitação dos transportes na procura por emprego, estudos, acesso à saúde, espaços esportivos e de lazer.
Outro ponto de atenção ao plano são as iniciativas voltadas à inserção e inclusão de trabalhadores do transporte através da criação de Conselhos Regionais, revisão de plano de cargos e salários e abertura de novos concursos públicos para o setor.
Wanderson ainda reforça a possibilidade de redução de tarifa ou Tarifa Zero embasando sua proposta com modelos aplicados em outras cidades de Minas Gerais. Em Maricá, exemplo citado pelo candidato, com cerca de 150 mil habitantes, a prefeitura da cidade arca com, no máximo, 2% do orçamento para garantir o transporte público à população.
Outros candidatos analisados pela Redação Agora é Simples, como Alexandre Kalil (PSD) e Marília Domingues (PCO) possuem poucas ou nenhuma proposta clara sobre transporte público. Já o candidato Bruno Engler (PRTB) não havia proposta de governo divulgada no site do TSE até o dia desta publicação.
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Referências
Notícia sobre retirada de cobradores dos ônibus em BH. Disponível em: <https://www.hojeemdia.com.br/horizontes/retirada-de-cobradores-dos-coletivos-de-bh-economiza-r-210-milh%C3%B5es-em-um-ano-1.775802>. Acesso em: 08 de outubro de 2020.
INRIX. Ranking de tráfego global 2019. Disponível em: <https://inrix.com/scorecard/>. Acesso em: 08 de outubro de 2020.
Planos de governo de candidatos à prefeitura em Belo Horizonte. Disponível em: <http://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/municipios/2020/2030402020/41238/candidatos>. Acesso em: 08 de outubro de 2020.
PlanMob-BH. Plano de Mobilidade de Belo Horizonte. Disponível em: <https://www.mobilidadebh.org/plano>. Acesso em 09 de outubro de 2020.