Cidades sob comando de mulheres são exemplos em governança urbana
Ainda em minoria no Brasil, países no exterior são destaque na representação feminina no poder público e em inovações ousadas para o futuro das cidades
Nas ruas, as mulheres não são minoria, porém, no âmbito institucional e nas esferas de poder, a presença de mulheres é baixa. Nas eleições de 2016, entre as 10 capitais mais populosas do Brasil, haviam no máximo 28% de candidatas mulheres às prefeituras. De acordo com decisão do STF, a presença de 30% de candidaturas femininas é lei.
A importância da presença feminina nos lugares de poder impacta diretamente na construção, desenvolvimento e mobilidade dos municípios. Isso está relacionado a participação direta da parcela feminina na população, afinal são as que mais se movimentam nas cidades.
No entanto, as decisões que afetam um país inteiro seguem sendo tomadas sem a participação de sequer uma mulher. De acordo com levantamento da ONU, entre 191 países, o Brasil ocupa o 140º lugar no ranking de países com maior representação feminina no Legislativo.
Ainda de acordo com a ONU, o Congresso brasileiro possui atualmente 15% das cadeiras ocupadas por mulheres na Câmara e 14% no Senado.
“O que se percebe com isso é que os espaços em que são decididas as políticas públicas de mobilidade, onde se dá a gestão da mobilidade na nossa cidade, são ocupados predominantemente por homens. Eles ainda decidem por nós. Isso precisa mudar”
– Meli Malatesta, Consultora e Professora em Mobilidade Ativa, para o WRI Cidades.
O Instituto Alziras mapeou o Perfil das Prefeitas no Brasil (2017-2020) e aponta que, dos 309 municípios brasileiros que têm acima de 100 mil habitantes, somente 21 são governados por mulheres, ou seja, apenas 7% do Brasil.
Além disso, a pesquisa demonstrou que 55% das prefeitas eleitas têm seu secretariado composto por mais de 40% de mulheres. Isso impacta positivamente no bem-estar da comunidade e enfatiza a igualdade de gênero nas políticas e práticas, de acordo com a Unesco.
Ao contrário do que acontece no Brasil, a Bolívia se encontra na 2ª posição do ranking da ONU. Como dois países da América Latina com situações socioeconômicas próximas possuem tanta diferença no tema de igualdade de gênero na esfera política?
Isso se explica pois o desenho institucional da política boliviana é bem mais complexo e detalhado do que o do Brasil. As regras para garantir a igualdade e paridade são precisas e a existência de alternância impede que as elites partidárias manejem a ordem de candidatos na lista, o que antes favorecia candidaturas masculinas, deixando as candidatas nas últimas posições, sem chances de eleição.
Outros exemplos mundo afora são as cidades como Paris, Bogotá e Barcelona. A presença de mulheres na gestão dessas cidades apresentou e tem apresentado impactos positivos na mobilidade urbana desses municípios, vejamos.
Mobilidade ativa impulsionada por prefeita em Paris
Anne Hidalgo é prefeita de Paris desde 2014, sendo a primeira mulher a administrar a capital francesa na história do país. Com plano de mobilidade incisivo, seu projeto visa reduzir a poluição, priorizar espaços para pedestres e a mobilidade sustentável e moldar uma cidade mais verde, segura e saudável.
A prefeita propõe a criação de uma “cidade de 15 minutos“, referência ao tempo para ir ao destino desejado, a pé ou de bicicleta. A ideia caminha para a transformação em cidades inteligentes, ampliando a conexão, segurança e sustentabilidade dos bairros. Hidalgo defende que os “15 minutos” também servem para evitar a lotação do transporte público, muito importante em momento de pandemia.
No 1º mandato, a prefeita instalou 1.000 km de ciclovias e a meta agora é ter mais 400 km na cidade. Em 2007, também assinou a criação do sistema de empréstimo de bicicletas reproduzido pelo mundo, inclusive em São Paulo. Reeleita em março deste ano, já anunciou uma bolsa de 55 euros (R$ 336) para quem vai de bicicleta ao trabalho.
Outros projetos também envolvem a pedestrianização na margem do rio Sena (mais espaço aos pedestres e bicicletas), limite de velocidade padrão na área central da cidade (no máximo 30 km/h), proibição de veículos poluentes, entre outros.
Aumento de ciclovia e ônibus elétricos em Bogotá
Claudia López é a primeira mulher lésbica eleita como prefeita de Bogotá, sendo destaque da luta contra a corrupção e preconceito na Colômbia. Seus projetos visam tornar a cidade mais gentil, inclusiva e sustentável.
“Ser mulher não é um defeito, ser uma mulher de caráter, firme (…) não é um defeito. Ser gay não é um defeito, ser filha de uma família humilde não é um defeito”
– Claudia López em entrevista à AFP (Agence France-Presse).
No início da pandemia, López apontou três grandes problemas na cidade e já propôs melhorias para mobilidade e segurança. A “ameaça tripla” que diz envolve a má qualidade do ar, doenças respiratórias sazonais e o novo coronavírus.
Com isso, a prefeita anunciou uma medida emergencial para acrescentar mais 76 km de ciclovias aos 550 km já existentes na capital. A prefeita pretende, a partir desta ação, diminuir as aglomerações no transporte público, contribuir com o uso da bicicleta como meios de transporte e redução de carros nas vias.
Junto com essa ação, López prevê a adoção de 483 ônibus elétricos até o final de 2020 contribuindo para redução dos níveis de poluição na capital. E, no “Dia Mundial Sem Carro e Sem Moto”, mais de 1,8 milhões de veículos particulares e 469 mil motocicletas deixaram de circular na cidade.
Desincentivo ao uso de carros e a construção de Super Ilhas em Barcelona
Ada Colau foi a primeira prefeita eleita em Barcelona. Atuando desde 2015, apresenta discursos feministas e busca o caminho do diálogo com outros regedores. A prefeita reivindicou que “as mulheres chegaram para mandar e ocupar todos os espaços de poder”.
O programa de governo possui ampla participação popular, sobretudo das associações de bairro e de representantes de movimentos sociais (imigrantes, LGBTs, feministas, entre outros). Na pauta se encontram políticas de mobilidade urbana, habitação e ecologia da cidade.
“O que estamos tentando implementar é o urbanismo da vida cotidiana, o urbanismo de gênero, nas políticas de transformação do futuro da cidade.”
– Janet Sanz, vice-prefeita de Ecologia, Urbanismo e Mobilidade, para El País.
A prefeita já instalou um protótipo de Super Ilhas, ou seja, ruas peatonais, projetadas para pedestres e não para carros. As ilhas serão construídas em grandes blocos de nove quadras e reforça a importância de desincentivar o uso de automóveis particulares.
Colau também anunciou, em janeiro de 2020, um plano local de emergência climática com 103 ações. O plano inclui mais restrições aos carros particulares, aumento da frota de transporte público elétrico, ampliação da rede cicloviária e da área exclusiva para pedestres, novos parques e “eixos verdes”.
O projeto ainda contém a desativação da ponte aérea Madri-Barcelona e sua substituição por um trem elétrico de alta velocidade. Para desenvolver as propostas, a prefeitura vai investir 563 milhões de euros (cerca de R$ 2,6 bilhões), além de contar com o apoio do governo espanhol para a implantação do trem rápido.
Outro projeto divulgado recente é o Plano de Mobilidade Urbana (PMU). O objetivo geral é a redução de 25% das viagens em automóvel particular. Com o PMU, o resultado esperado é que 82% das viagens estejam incluídas na mobilidade sustentável (o que hoje representa 74%) e apenas 18% de carro (hoje com 26%).
A proposta do PMU se soma às medidas da Zona de Baixas Emissões e da Declaração de Emergência Climática, proposta no início de 2020. Outras ações mais drásticas estão sendo estudadas, como implementação de pedágio de acesso à cidade, assim como a proposta de Porto Alegre/RS.
Todos os exemplos acima reforçam ainda mais a necessidade de mulheres em posições de liderança. Políticas públicas sob a ótica feminina tendem a favorecer investimentos em saúde, educação e bem-estar social. No entanto, em grande parte dos países, o domínio contínuo dos homens em cargos de tomada de decisão limita a voz das mulheres e impacta diretamente na capacidade de influenciar a formulação de ações de desenvolvimento sustentável e igualitário de cidades, estados e países.
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