Interesse por carro aumenta e futuros prefeitos não fazem nada a respeito

O que a falta do combate ao transporte individual nos discursos de candidatos à prefeitura pode significar nos próximos anos de mandato

Diante dos desafios de gestão pública no transporte coletivo, relacionados à crise de financiamento dos serviços e atrelado à falta de políticas públicas inovadoras que resolvem o problema sem demagogia, a acelerada urbanização fez com que o gargalo do transporte público fosse potencializado. O crescimento da área urbana resultou no aumento de tempo e distância dos deslocamentos, enquanto que as políticas públicas não acompanharam essa evolução (COCCO et al., 2016). 

Sem transporte público efetivo, algumas camadas da população – principalmente as de maior poder aquisitivo – recorreram ao uso do transporte individual, cujo número aumenta exponencialmente desde 1980. Além disso, a preferência por veículos particulares também foi motivada por impostos reduzidos sobre produtos industrializados (que incluem carros e motocicletas), além de créditos para facilitar a compra dos mesmos (UOL, 2020).

Somado a isso, diante da pandemia do novo coronavírus, inúmeros problemas que já existiam tomaram proporção maior. Hoje, os sistemas de transporte público no Brasil são percebidos pela maioria da população como serviços de má qualidade, envolvendo superlotação, falta de infraestrutura e investimentos, bem como aumentos nos preços das tarifas, redução de conforto e confiabilidade, o que torna esse meio desvalorizado em comparação à outros (COCCO et al., 2016).

Diante também de manifestações e protestos históricos, governantes no Brasil todo vêm sendo cobrados pela população no sentido de adotar políticas públicas efetivas que promovam a melhoria da mobilidade e a redução dos custos de deslocamentos urbanos, principalmente dos meios de transporte público.

Políticas públicas para o transporte coletivo

O processo de incorporação de políticas públicas voltadas ao transporte coletivo nos planejamentos municipais se iniciou após a exigência constitucional do Plano Diretor em 1988, com a exceção de algumas cidades, como Curitiba/PR e São Paulo/SP, que já contavam com planos de transporte. Antes disso, existiam apenas os planos viários que favoreciam principalmente o transporte particular (FARIA, 2018). 

Em 2012 foi aprovada a Lei n. 12.587 sobre a Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU). A PNMU reforça o planejamento e a execução das políticas de mobilidade urbana como obrigação dos municípios, assim como a regulamentação dos serviços de transporte urbano (art. 18), além de delegar aos municípios a obrigação de elaborar o Plano de Mobilidade e incorporar ao Plano Diretor (art. 24). 

No entanto, de acordo com o último levantamento do “Perfil dos municípios brasileiros” (IBGE, 2018), 48,5% dos municípios não possuem Plano Diretor, dos quais 9,8% informaram que o instrumento estava em elaboração. Esse percentual foi mais elevado no grupo de municípios com população até 20 mil habitantes, o qual representou 66,9%.

Percentual
Fonte: IBGE (2018).

Segundo Cocco et al. (2016), em todo o mundo, avanços nas políticas de transporte e mobilidade só foram conseguidos, historicamente, a partir de uma grande massa de investimentos públicos e privados (para as infraestruturas de transporte), seguidos de subsídios públicos progressivos e contínuos (para os serviços de transporte). 

Com isso, é obrigação dos dirigentes públicos buscar um sistema de mobilidade mais igualitário do ponto de vista social, com sustentação financeira e ao mesmo tempo sem excluir a população pertencente às classes mais baixas. Para seguir esse caminho, existem vários desafios a serem superados (DE CARVALHO, 2016).

Desafios da mobilidade urbana para as prefeituras 

Recentemente as eleições reviveram algumas propostas e deram entrada à outras no sentido de melhorar a vida urbana das pessoas. De acordo com a ANTP (2020), as propostas relacionadas a mobilidade urbana são as que mais apresentam condições de ajudar futuros e futuras prefeitas a cumprirem esse desafio.

Joaquim Aragão, professor da Universidade de Brasília (UnB) e doutor em política de desenvolvimento territorial, sugere aos prefeitos e prefeitas que, antes de definir as prioridades de sua gestão, é necessário observar algumas características do município, principalmente com relação ao tamanho e ao número de habitantes.

Essas observações se enquadram a proposta de políticas publicado pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) que propõem a intermediação entre fatores sociais e a mobilidade para que possam favorecer o transporte público em detrimento do privado. Como exemplo, o estabelecimento de políticas de aproximação da população mais pobre às áreas de maior dinamismo econômico-social, ou no sentido inverso, a fim de promover maior desenvolvimento às áreas mais carentes dos aglomerados urbanos. 

A proposta divulgada permitiria reduzir a necessidade de grandes deslocamentos por parte dessa população, como exemplo os estados de MG e DF que promoveram o deslocamento para regiões periféricas das capitais (DE CARVALHO, 2016). Dentre outras, em geral, sugere-se o detalhamento e construção de políticas e processos coordenados, articulados e integrados que levem à solução de diversos problemas relacionados ao desenvolvimento urbano.

Em 2018, dentre a existência de 20 instrumentos de planejamento urbano, menos da metade dos municípios brasileiros compreenderam sua utilização. De acordo com o levantamento do IBGE, apenas 3 instrumentos se encontraram em mais de 60% dos municípios brasileiros, são eles: Lei de perímetro urbano, Código de obras e a Legislação sobre parcelamento do solo.

Essa baixa adesão a políticas públicas de infraestrutura urbana se demonstra negativa no que diz respeito à mobilidade urbana nas cidades. Como justificativa, uma outra proposta sugerida pelo Ipea para melhorar o transporte público no Brasil é a programação de políticas adequadas de adensamento urbano (DE CARVALHO, 2016).

No entanto, a ausência total e/ou parcial do discurso de candidatos à prefeituras em prol ao combate do uso de automóveis particulares que se relacionem aos levantamentos indicados aqui podem impactar negativamente o desenvolvimento das cidades nos próximos quatro anos de mandato. Inclusive, há estudos que já comprovam uma preferência maior pelo automóvel no pós-pandemia, o que dificultaria ainda mais esse desenvolvimento. 

A pesquisa aplicada pelo YouGov-Cambridge Globalism Project, em conjunto com o jornal inglês The Guardian, entrevistou aproximadamente 26 mil pessoas em 25 países durante os meses de julho e agosto. Considerando apenas os brasileiros, cerca de 62% disseram que usariam o carro mais do que antes da pandemia, contra 12% que usariam menos. 

Logo, o desafio para o Brasil está em descobrir o que poderão fazer os novos e novas prefeitas para equilibrar as receitas e despesas no transporte, garantindo uma tarifa acessível e um transporte com o mínimo de qualidade e atratividade. 

“Muita gente acha que melhorar a mobilidade é só asfaltar ruas e construir viadutos. Mas não é bem assim: construir calçadas, ciclovias e pontos de ônibus confortáveis é bem mais importante, porque a maior parte das pessoas se desloca a pé, de bicicleta ou de transporte público. Por isso, os prefeitos devem prezar menos obras faraônicas e mais projetos simples e eficientes”

– Ana Carolina, integrante da Associação pela Mobilidade a Pé (Cidadeapé), à Agência Brasil.

Porém, caso as medidas não sejam implantadas, as consequências à população envolverá o aumento das emissões de poluentes, a existência de um transporte mais obsoleto por meio do surgimento de meios clandestinos para deslocamento, além da possibilidade de aumento do número de acidentes e congestionamentos que podem afetar negativamente a produtividade das cidades.

Contudo, o país precisa programar políticas de investimento perenes em sistemas de transporte de massa. O que tivemos até o momento foram investimentos pontuais baseados em grandes eventos, como Copa do Mundo e Olimpíadas. No entanto, o resultado foi, em sua maioria, obras viárias e de mobilidade urbana inacabadas, interrompidas ou sem utilização propícia, além de acesso limitado à uma pequena parcela da população.

Em Belo Horizonte, por exemplo, o Move, projeto de BRT instaurado para a Copa do Mundo de 2014, entrou em processo judicial sobre superfaturamento nas obras e sua infraestrutura e manutenção é mal avaliada pela sociedade mineira. Já em Brasília, a construção do VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) custaria R$ 1,5 bilhão (valores de 2010), no entanto, a obra ficou parada e, só em março deste ano que o Governo do Distrito Federal (GDF) decidiu elaborar um projeto para tirá-lo do papel

No Rio de Janeiro, o BRT se encontra com 42% das estações fechadas, segundo o consórcio que administra o sistema, onde 60% é por vandalismo e/ou furtos de equipamentos, além de 16% desativadas devido à violência e à destruição do patrimônio público. Além disso, más condições das pistas e evasão no pagamento de passagens também causam prejuízos, o que causa piora no serviço.

Fonte: O GLOBO (2020).

Logo, mesmo havendo uma retomada forte dos investimentos na área de mobilidade urbana com foco no transporte público de massa, questiona-se se essas iniciativas irão se perpetuar nos próximos anos, atendendo a parcela mais pobre da população, ou se serão abandonadas e/ou realizadas em áreas já valorizadas, conforme o histórico prévio.

Referências

ANTP. Mobilidade urbana: o ir e vir que leva além. Disponível em: <http://www.antp.org.br/noticias/clippings/mobilidade-urbana-o-ir-e-vir-que-leva-alem.html>. Acesso em 16 de nov. 2020.

COCCO, R.G. et al. Transporte público e mobilidade urbana: contradições entre políticas públicas e demandas por mobilidade na Região Metropolitana de Florianópolis-SC. 2016.

DE CARVALHO, C.H.R. Desafios da mobilidade urbana no Brasil. Texto para Discussão, 2016. Disponível em: <http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6664/1/td_2198.pdf>. Acesso em: 17 de nov. 2020.

FARIA, R.F.R. Políticas federais de transporte público: A difusão e implantação do Sistema BRT (Bus Rapid Transit) em cidades brasileiras. Caminhos de Geografia, v. 19, n. 67, p. 361-373, 2018.

IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Acessibilidade no transporte urbano de passageiros: um panorama da política pública federal. In: Brasil em Desenvolvimento: Estado, Planejamento e Políticas Públicas, v. 2. Brasília: Ipea. 2010. p. 407-428. 

UOL. Mobilidade urbana. Brasil escola. Disponível em: <https://brasilescola.uol.com.br/geografia/mobilidade-urbana-no-brasil.htm>. Acesso em 16 de nov. 2020.

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Larissa Belinazi

Estagiária na ONBOARD. Estudante de engenharia apaixonada por marketing de conteúdo.

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