Em meio à pandemia, aglomerações no transporte público não são aceitáveis e afastam usuários. Planejamento da oferta, entretanto, ainda é ineficaz.
Conforme endurecem as medidas de isolamento social no país, principalmente em regiões bastante afetadas pela pandemia, como São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza e Manaus, aumenta a exposição dada à pauta transporte público durante a crise.
Como meio fundamental de mobilidade, muitas cidades já descartaram a ideia de interrompê-lo, seja total ou parcialmente. Com razão, pois essa medida impossibilita o deslocamento de profissionais essenciais no momento, como enfermeiros, médicos e trabalhadores da cadeia de suprimentos, o que agrava o problema. Nenhum país fortemente atingido pela pandemia tomou tal medida por mais de dois dias.
Entretanto, com o rodízio ostensivo promovido pela prefeitura de São Paulo, que até a sexta-feira, 15 de maio, estipulou que a cada dia apenas placas ímpares ou pares podem circular pela cidade, houve aumento no fluxo de passageiros nos transportes coletivos maior do que a capacidade segura de lotação para evitar o contágio, colocando em risco passageiros e profissionais do transporte público.
Para termos uma ideia, no segundo dia de rodízio, dia 12 de maio, os trens da CPTM andaram com 12% a mais de pessoas do que no resto da quarentena, enquanto ônibus e metrô aumentaram 10%, chegando a 5.3 milhões de viagens, em comparação aos 4.8 milhões de viagens em média durante a quarentena e antes do rodízio.
A medida foi suspensa no domingo, 17 de maio, entretanto, a demanda irregular por transporte público permanece, não só em São Paulo como outras cidades, o que exige um planejamento prévio da oferta de transporte.
No artigo, você vai entender:
- Como funciona o planejamento da oferta de transporte público hoje;
- Quais alternativas existem para otimizar esse processo;
- Dados enviados pelos próprios usuários como meio para planejamento.
Como planejar de forma inteligente a oferta e demanda do transporte público
Da forma como o planejamento da frota é feito hoje, onde não é preditivo, é difícil se preparar com antecedência para mudanças tão bruscas, como essas vindas por meio de decretos da gestão municipal. Mas esse é possivelmente o novo normal.
Com mais informações sobre a quarentena no Brasil alguns especialistas têm tomado um tom crítico em relação ao isolamento social abrangente e brando, ou seja, esse adotado pelo estado inteiro, mas ainda com bastante circulação de pessoas, como temos visto na maior parte do Brasil.
Como mostra artigo da revista Piauí, cientistas têm defendido medidas mais duras para lugares epicentro da doença, como a capital de São Paulo, e medidas mais leves e intercaladas em outras regiões, ainda em São Paulo como a região do ABC, Campinas ou demais centros densamente urbanizados.
Dessa forma, teríamos uma quarentena na maior parte das cidades que ora decreta a paralisação das escolas, ora de bares e restaurantes, comércio, etc. Com toda essa instabilidade por meses, o gerenciamento inteligente da oferta e demanda da frota de transporte público é essencial para garantir a segurança de todos e a viabilidade econômica do serviço.
Em entrevista ao Agora é simples, Roberto Speicys, cofundador da Scipopulis, empresa focada em cidades inteligentes e mobilidade urbana, afirma que a principal fonte de informações para o planejamento do transporte público em São Paulo é a pesquisa Origem e Destino, realizada pelo Metrô a cada 10 anos “qualquer mudança que aconteça na cidade no intervalo de 10 anos é ignorada pela rede de transporte até a próxima pesquisa OD, então a mais recente foi feita em 2017 a próxima vai ser 2027. É óbvio que são feitos ajustes na rede ao longo do tempo, da operação, mas refletindo mudanças de perfil de uso da linha. Por exemplo, quando a linha 5 do metrô foi inaugurada em paralelo com a avenida Ibirapuera não foi preciso fazer uma outra pesquisa OD para identificar uma queda na demanda das linhas de ônibus da avenida Ibirapuera. Os próprios empresários acabaram detectando no caixa deles, na quantidade de passageiros utilizando a linha, porque você tem uma linha que normalmente tem 5 mil pessoas por dia e de repente ela passa para 800 pessoas. Dessa forma se faz um ajuste na oferta para se adequar essa baixa de demanda. Então, ao longo dos 10 anos pequenos ajustes são feitos, mas grandes mudanças estruturais nas origens-destinos de viagens só são levados em conta na pesquisa OD seguinte em dez anos.”
Roberto ainda nos diz que São Paulo é um caso à parte, pois muitas cidades sequer têm uma pesquisa desse porte.
Para o executivo, com os deslocamentos na cidade instáveis devido à pandemia, sistemas de transporte precisam lidar mais rapidamente com a flutuação da demanda “Você tem a quarentena, diversos níveis de isolamento social, diversos tipos de serviços funcionando e sendo fechados, e isso muda de semana para outra, então a rede de transporte tem que dar conta de vários perfis de demanda ao longo da epidemia que são desconhecidos”.
Além da demanda flutuante, outro fator de influência é o trânsito nas vias. Se os ônibus podem ir mais rápido, porque mais pessoas estão em casa e existem menos carros na rua, a quantidade de ônibus por linha também é passível de diminuição “Quando começou a quarentena, linhas que trafegam em média 10 km por hora começam a trafegar a 21km. Dessa forma, na prática precisa de menos ônibus para operar a linha. Essas mudanças acontecem muito rápido e a programação da linha, a frota, tudo mais tem que também ser alterada rapidamente para se adaptar a essa mudança de velocidade”.
Além disso, a diminuição de 70% no número de passageiros que a SPTrans, administradora do Bilhete Único e ônibus em São Paulo, e que outras cidades também sentiram em maior ou menor grau não significa que todas as linhas perderam passageiros igualmente “Muitas linhas perderam mais do que isso, e algumas perderam muito menos que isso. Você não pode fazer um corte de frota uniforme em todas as linhas ou senão você tem o risco de gerar situações de lotação e de acúmulo de pessoas, que estão justamente o que a gente quer evitar ainda mais durante a pandemia.“
Como aumentar o alcance da geração de dados por meio das redes sociais
Um planejamento preditivo, ou seja, antever as necessidades de deslocamentos da população não é impossível. Com o conhecimento sobre como e o porquê as pessoas se movimentam nas cidades, como é feito por meio da pesquisa Origem e Destino, somada a velocidade média dos ônibus podemos identificar melhor a necessidade de oferta da frota de transporte público.
Ainda de acordo com Roberto da Scipopulis “Uma maneira de deixar mais eficiente é você ter formas mais rápidas e dinâmicas de identificar demandas que surgem e que somem da cidade a medida que a cidade se transforma. Outra maneira é a gente também adaptar a programação das linhas a variação de velocidade média.”
Uma iniciativa que busca tornar mais rápida a identificação da demanda é o aplicativo ÔnibusGV, do sistema Transcol de Vitória (ES), por lá clientes do transporte público poderão denunciar aglomerações e condutas indevidas, como pessoas sem máscara. Os dados de denúncia servirão para auxiliar o planejamento da operação.
Luiz Renato M. Mattos, CEO da ONBOARD, empresa que auxilia operadores de transporte em sua transformação digital, alerta ao Agora é simples que aplicativos concorrem não só com outros apps, como também com vídeos e fotos, pois grande parte dos brasileiros possuem pouco armazenamento disponível no celular, o que para ele “fazem os aplicativos de transporte perderem espaço principalmente para aplicativos de redes sociais”.
Segundo o executivo uma alternativa são os chatbots em redes como Facebook e WhatsApp, já usados no transporte público de cidades como Belo Horizonte “Agora este canal de relacionamento foi potencializado com a intensificação dos aplicativos de mensageria e a evolução dos chatbots – robôs de respostas automáticas permitindo também que as marcas possam atender e vender seus produtos e serviços através de uma infraestrutura e um canal já consolidado.”
Para Luiz, usar chatbots como canal para contato de clientes do transporte público, denúncias de aglomeração e dados para predição de demanda e otimização de oferta é uma iniciativa eficaz que facilita a comunicação “Incorporar chatbots em campanhas já nos provaram que os resultados são atingidos de forma mais rápida e o engajamento é muito maior que nos aplicativos. Os chatbots permitem não só uma comunicação direta com os clientes que já estão na nossa base como também os que não estão e se relacionam esporadicamente, assim como potenciais clientes que podem ser impactados por uma campanha de divulgação ou até mesmo uma indicação podendo interagir de forma direta e imediata sem precisar fazer nada além de trocar simples mensagens como eles já estão habituados a fazer”.
A ONBOARD, de Luiz Renato, lançou durante a pandemia a contagem automática de passageiros por câmeras de segurança, que permite a análise de demanda do transporte público sem a necessidade de uma pesquisa longa de Origem e Destino. Com a solução, operadores de transporte têm em mãos informações valiosas sobre o número de passageiros transportados por linha, principais trechos, fluxos por regiões, etc.
De qualquer forma, a necessidade de atender às demandas da população é urgente, em meio à pandemia o transporte público já perdeu milhões de clientes e sua recuperação no longo prazo depende, dentre outras coisas, de uma percepção positiva e de segurança durante as viagens. Lotações e espera só contribuem para uma migração massiva a outros modais, o que pode se tornar permanente e prejudicial a nossas cidades.
Citada, a Assessoria de Imprensa da SPTrans ao ser procurada pela redação respondeu:
A SPTrans informa que a programação da oferta do transporte público considera a demanda de passageiros transportados por linha, faixa horária e sentido de operação, o sobe e desce de passageiros, o intervalo médio entre partidas e as condições de capacidade dos veículos e frequência das partidas para atender a demanda.
Nos tempos de pandemia, a oferta do transporte tem tido como premissa a não aglomeração de passageiros nos ônibus e nos terminais. Prova disso, é que a demanda de passageiros atual está em de 33% e a quantidade de veículos em operação está na ordem de 65,51% comparado a um dia útil antes da quarentena.
A SPTrans realiza a associação dos dados de bilhetagem com os de GPS, que possibilita identificar as origens e destinos dos passageiros, avaliar o índice de ocupação das linhas, mapear os embarques e desembarques dos usuários, entre outros aspectos. Em alguns casos, são realizadas pesquisas operacionais para validar a precisão das informações geradas.
Além disso, a SPTrans monitora constantemente a operação através dos técnicos em campo, agentes de monitoramento e pelas manifestações dos usuários nas redes sociais e central 156, o que possibilita ao planejamento melhor adequar a oferta de transporte às necessidades dos passageiros.
Durante esta quarentena, o monitoramento da movimentação de passageiros possibilita a SPTrans fazer ajustes nas linhas quanto aos horários e à frota, quando constatada a necessidade. As equipes de fiscalização são enviadas para determinar as medidas que podem ser adotadas para cada uma.
Esse acompanhamento serviu de base para a adequação da oferta de ônibus à demanda de passageiros em diversos momentos da pandemia, que foram definidas após uma análise realizada pelos técnicos da SPTrans.
A Secretaria de Mobilidade e Transportes, por meio da SPTrans, está empenhada na modernização da gestão do sistema de transporte coletivo na cidade de São Paulo e decidiu renovar a plataforma para viabilização dos novos sistemas embarcados, de monitoramento e gestão da frota de ônibus. A nova ferramenta irá possibilitar a SPTrans aprimorar a capacidade de planejar, controlar, fiscalizar, medir e realizar intervenções sobre a operação, dar informações aos usuários do transporte, gerir crises de todo o Sistema de Transporte, concentrando todos os dados em uma única plataforma.
As funcionalidades desenvolvidas nos sistemas computacionais deverão permitir flexibilidade para o trabalho ser realizado em diferentes configurações, oferecendo a SMT e a SPTrans uma poderosa ferramenta para a gestão do Serviço de Transporte Coletivo Urbano da capital paulista.
Vale ressaltar que os projetos previstos na parceria com o Governo Britânico estão em fase de elaboração.
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