São José dos Campos inclui novos serviços e modelos para concessão do transporte na cidade, alguns aspectos inéditos no Brasil.
A cidade de São José dos Campos lançou um novo edital para licitação do transporte público da cidade, com inovações no modelo de prestação dos serviços que miram preparar a cidade para as principais tendências globais, entre elas a Mobilidade como Serviço (MaaS), serviço em que diferentes provedores de transporte da cidade se conectam numa plataforma em comum.
A cidade abre as portas a um novo tipo de licitação ao transporte que prevê modalidades sob demanda e tecnologias focadas em diminuir custos para as empresas concessionárias, como a emissão de cartões, o manuseio de dinheiro em espécie e manutenção de sistemas legados e fechados, dada a baixa concorrência tecnológica no setor.
O tema é bastante importante pois com a crise gerada pela pandemia empresas de transporte passam por dificuldades ímpares, com necessidade de reinventar seus negócios e buscar apoio público para continuar sua manutenção.
Além disso, estamos em uma das principais épocas para lançamento de editais e licitações, como mostra o Alerta Licitação, o que evidencia a importância de se falar sobre a proposta de São José dos Campos.
Confira os principais pontos do edital do transporte público da cidade que servem de inspiração para modelos pioneiros de licitação no país todo.
Serviço sob demanda chega de vez ao transporte público
O transporte sob demanda não é novidade no país, os táxis estão aí há décadas e a popularização de Uber e similares só fez crescer as possibilidades de viagem a partir da necessidade momentânea de deslocamentos.
Entretanto, embora existam iniciativas pioneiras no setor de transporte de massas, o transporte público ainda se encontra rígido, com partidas e horários fixos com a missão de cumprir contratos.
Enquanto direito garantido pela constituição, as rotas fixas são essenciais para termos regularidade e pleno acesso à mobilidade, contudo, o comportamento de deslocamentos na cidade muda rapidamente e, por consequência, a demanda, essa por ser também flexível.
Com vistas à disputar com novos meios de mobilidade a parcela de clientes que abandonou o transporte público nos últimos anos, o edital prevê 3 principais categorias de serviço. São elas:
- Serviço regular de transporte público coletivo;
- Serviço sob demanda de transporte público coletivo com tarifa fixa
- Serviço sob demanda de transporte público coletivo com tarifa dinâmica
O primeiro, é o tradicional, descrito como: “serviço com itinerários regulares fixos, tabela horária de partidas fixas definida antecipadamente e tarifa fixa integrada, observadas as gratuidades e integrações tarifárias exigidas em lei”.
O segundo e terceiro modelo são a novidade. O serviço sob demanda com tarifa fixa é descrito como “serviço regular e com tarifa fixa integrada às linhas convencionais ou a outras linhas sob demanda de tarifa fixa, observadas as gratuidades e integrações tarifárias exigidas em lei, e com possibilidade de introdução de diferentes graus de flexibilidade nos itinerários e/ou nas partidas”.
Neste tópico, o edital prevê que existam 3 diferenciações: rota flexível, mas horário de partidas fixos; partida flexível e itinerário fixo, aqui existirá um número mínimo de partidas por dia, podendo ser aumentadas conforme demanda; e por fim, rota e partida flexível, onde por meio de algoritmo são programadas as viagens de acordo com a demanda, sem itinerário prévio mas com tarifa fixa igual ao serviço regular de transportes.
Já o terceiro modelo geral tem por definição “serviço posto à disposição da população por meio de rotas geradas a partir de algoritmo em função da demanda da população, com itinerários e partidas livres e tarifa variável”, o modelo mais próximo da Uber e similares, incluindo serviços com o CityBus de Goiânia, executado pela concessionária do transporte público local.
Todos esses modelos estão sendo propostos pela primeira vez no Brasil.
Divisão da operação
Outro aspecto importante do edital é a divisão da operação. No documento é especificado que as concessionárias de transporte não devem operar os serviços tarifárias, como a bilhetagem.
Como não são parte fundamental da operação técnica do transporte e compreendem aspecto importante para integração das várias mobilidades da cidade, visando o MaaS, os serviços tarifários ficam sob responsabilidade de plataformas contratadas pela prefeitura.
Sobre isso conversamos com Sarah Marinho, advogada e pesquisadora da FGV que trabalhou no projeto e deu sua visão sobre a separação da concessão do serviço técnico (o transporte) do operacional (tecnologia de bilhetagem).
“Quando esses outros serviços entram na concessão de transportes, eles acabam sendo fornecidos pelas concessionárias de transporte por meio de prestadores terceirizados. No momento em que a prefeitura permite essa subcontratação, se ela não dispõe de uma regulamentação prévia detalhada do que deve constar nos contratos com terceirizados, fica difícil gerir a subcontratação. Assim, a prefeitura tende a perder o controle sobre a gestão da contratação dos serviços de tecnologia com a subcontratação e pode ter dificuldades inclusive de aperfeiçoar sistemas e adquirir tecnologias mais inovadoras no curso de uma concessão de transportes por esse motivo”, pontua.
Esse ponto é fundamental para a Mobilidade como Serviço, uma vez que a bilhetagem é a principal responsável pelo acesso ao transporte público e, sendo assim, sua gestão precisa ser descentralizada da operação de transporte para garantir interoperabilidade entre sistemas diferentes: “em breve a prefeitura de São José dos Campos lançará um novo Edital para que esse sistema seja desenvolvido por contratação separada, ainda que em fases, com as características necessárias para viabilização do MaaS no futuro”, comenta Sarah.
Hoje, cidades como São Paulo, Sorocaba e Região Metropolitana do Rio de Janeiro já separam a operação de transporte da gestão da bilhetagem.
Desafios para implementar o modelo
Enquanto edital, a publicação de São José dos Campos ainda não visa contratar de fato os serviços de transporte e de tecnologia. O instrumento na realidade levanta a discussão e abre espaço para que soluções se apresentem.
O edital é extremamente inovador, com possibilidade de ser um case de sucesso internacional, e encontra respaldo nas demandas da sociedade: “Eu arriscaria dizer que as inovações não foram objeto de resistência no debate público. O modelo de serviço sob demanda causa algumas dúvidas entre a população e entre as operadoras, mas não se percebeu uma reação no sentido da resistência. Em relação à separação da bilhetagem, a sociedade civil tende a receber positivamente a mensagem de que as operadoras de transporte não serão mais as responsáveis”, analisa a especialista.
Para ser colocado em prática precisa, sobretudo, de modelação jurídica, já que não encontramos semelhanças com experiências brasileiras anteriores e, se tratando de um serviço com fins públicos para toda a sociedade, deve ser amplamente discutido.
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