A nossa mobilidade LGBT+ é uma luta diária e um desafio para a gestão pública
O conceito do brasileiro cordial é cada vez mais desnudado em nosso país com a polarização que tomou corações de todo o espectro social e político e deu abertura para discursos e atitudes de ódio.
Com a queda de certas máscaras conseguimos olhar com clareza para os dados sobre a violência no Brasil e podemos perceber os números alarmantes e semelhantes a Estados em guerra que temos.
Junho, mês do orgulho lésbico, gay, bissexual e transgênero, desde a revolta de Stonewall, é uma oportunidade de levantar o debate sobre o espaço do transporte público e da mobilidade urbana para esse grupo extremamente marginalizado neste canal dedicado à inovação na mobilidade que é o Agora é Simples.
Dados do Grupo Gay da Bahia apontam que a cada 19 horas um LGBT+ é morto ou tira a própria vida em decorrência da opressão. Mulheres trans e travestis têm apenas 35 anos de expectativa de vida e esse grupo, em especial, está 90% na prostituição, dada as poucas oportunidades que possuem no mercado formal.
Com essas informações fica difícil negar que temos um problema de sexualidade e gênero no Brasil*, sociedade esta que deveria ter como pilar o respeito à dignidade humana e à diferença. Porém, o que vemos são violências corriqueiras em olhares, xingamentos e agressões.
*Se usa as expressões homofobia para ódio direcionado a sexualidades diversas, como gays e lésbicas, e transfobia para o ódio, a aversão e a rejeição de pessoas não cisgênero, ou seja, transexuais.
O transporte público, tema fundamental desta publicação, é um espaço primordial da vida em cidade e precisa urgentemente acolher as necessidades desse público, entendendo as questões da mobilidade LGBT+.
Entre as ações que estão sendo tomadas e podem vir a ser, estão:
Campanhas educativas e de promoção do respeito
Recentemente uma lei tornou crime a importunação sexual e o transporte público de todo o país adotou campanhas de conscientização. A lei foi inspirada nos casos que repercutiram nos últimos anos de mulheres sendo abusadas e assediadas no transporte público, mesmo sob a luz do dia.
É claro que mulheres já são alvo de violência há muito tempo e precisou de uma mobilização nacional e de uma lei para que houvesse um olhar e um direcionamento comunicacional para esse problema.
Em Belo Horizonte, a Prefeitura Municial, a Guarda Municipal e a BHTrans distribuíram apitos em ações em pontos diversos para estimular a conscientização e a denúncia em casos de assédio. Cartilhas educativas também foram entregues na campanha.
Com a violência homofóbica e transfóbica poder-se aprender que os cidadãos que usam e precisam do transporte público precisam ser ouvidos sobre suas carências, antes que casos absurdos de violência precisem ser o estopim de um projeto de lei formal.
Equipe de segurança preparada
Não é incomum pessoas LGBT+ serem constrangidas em ambientes públicos. Mulheres trans e travestis, por exemplo, são constantemente impedidas de usar banheiros femininos. Igualmente, um ataque homofóbico não pode ser entendido como uma mera briga dentro de um vagão.
Uma pessoa LGBT+ ameaçada pode ser perseguida do lado de fora, sendo que tudo começou lá dentro. A equipe de segurança de metrô, trem e terminais devem estar preparadas para atender casos assim.
Iniciativas pioneiras para a mobilidade LGBT+
Cidadania
Como espaço onde frequenta uma multiplicidade de pessoas, dos mais diferentes lugares e classes sociais, o transporte público é o ambiente ideal para ações pedagógicas e sociais.
A Unidade Móvel da Cidadania LGBT+ da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo faz uma tour desde 2015 por terminais de ônibus da capital. Presta assessoria jurídica, psicológica, pedagógica e de assistência social.
🌈 Com assessoria jurídica, psicológica, pedagógica e de assistência social, nesta terça-feira, 18 de junho, a Unidade Móvel de Cidadania LGBTI prestará atendimento no Terminal A.E. Carvalho. Veja mais detalhes: https://t.co/ft2nBWPsRZ
#Pride pic.twitter.com/E0rDjgzAM8— São Paulo Transporte (@sptrans) June 18, 2019
Dados e análise
A 2ª Pesquisa da Diversidade realizada pela Rede Nossa São Paulo em parceria com o Ibope mostrou que 37% dos entrevistados já presenciaram ou foram vítimas diretas de preconceito de gênero ou orientação sexual em espaços públicos e no transporte público. São os lugares mais hostis a pessoas LGBT+ registrados na pesquisa. Escolas o são para 32% das pessoas e 31% em shoppings e comércios.
A pesquisa da Rede Nossa São Paulo jogou luz ao problema e foi importante, inclusive, para a motivação deste texto. Isso porque estudos e dados consolidados ajudam a orientação de políticas públicas.
Outros exemplos são o já citado Grupo Gay da Bahia e o grupo Gênero e Número. Este último, em parceria com a Fundação Ford, publicou um estudo comprovando a escalada de violência contra LGBT+ nos últimos tempos.
Inovação e desenvolvimento
Um aplicativo de carros compartilhados só para LGBTs? Em Belo Horizonte isso é possível. O Homodriver foi pensado justamente para a segurança de passageiros e motoristas. Ele parte da popularização de Uber e similares que tornou a categoria um meio de transporte essencial na vida de muita gente.
Para a segurança e a geração de dados sobre assédio foi criada a tecnologia Nina. O projeto também vai ao encontro do que LGBTs precisam no transporte público. Afinal, assédio também é um tipo de violência e essas causas não deixam de estar juntas.
A Nina rastreia casos de assédio, a partir de denúncia do usuário e auxilia na ativação de alertas que garantem o salvamento do conteúdo das câmaras para a investigação policial posterior.
Esse é o primeiro texto de uma série especial do Agora é Simples para o mês do orgulho. Acompanhe o blog para mais artigos sobre a mobilidade LGBT+ e os desafios da inclusão.