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Fortaleza registra casos de assédio sexual a cada 3 horas no transporte público

Tecnologia Nina, integrada ao aplicativo Meu Ônibus, registrou 930 casos em quatro meses de funcionamento

“Primeiro ele estava em pé e ficou roçando suas partes íntimas no meu braço, depois se sentou e passou a mão nas minhas pernas até que eu me levantei e chorei”.

O relato foi enviado por uma usuária de ônibus, em Fortaleza (CE), no dia 6 de março, através do botão NINA, uma tecnologia integrada ao aplicativo de transporte público da cidade. Essa foi a primeira de 930 denúncias recebidas durante quatro meses – o que dá uma média de um caso a cada três horas.

Prefeitura, empresários de ônibus, polícias e usuários, juntos podem combater o assédio sexual na mobilidade urbana. A primeira cidade a testar essa parceria foi Fortaleza, a 5º maior capital do país, que agora tem as informações iniciais para mapear zonas de risco, implantar estratégias de prevenção e punir agressores.

A capital cearense abraçou a tecnologia desenvolvida pela pernambucana Simony César. A NINA Mobile norteou a criação do Programa de Combate ao Assédio Sexual no Transporte Público de Fortaleza e se tornou referência no país.

Usuária do transporte público e filha de cobradora de ônibus, Simony cresceu ouvindo casos de violência nos ônibus. Ela queria algo que conseguisse dar segurança para as mulheres em seus deslocamentos diários, garantindo a elas o direito primordial de ir e vir. Surge, em 2016, a empresa NINA Mobile – nome em homenagem a cantora americana Nina Simone, famosa ativista pelos direitos dos negros e das mulheres, principais vítimas de violência no Brasil.

Simony César, fundadora e CEO da Nina Mobile. Foto: Daniel Hanter/WRI Brasil

Tecnologia

Mas Simony não pretendia ter mais um aplicativo de denúncias com bancos de dados isolados, sem retorno concreto para a sociedade. A NINA foi planejada para ser uma espécie de botão ou ícone inserido dentro de diversos aplicativos de transporte das cidades e vinculado aos órgãos que pudessem dar respostas efetivas.

As informações das denúncias feitas através da tecnologia NINA são reportadas para um painel de controles que pode ser acessado pela segurança pública, pela prefeitura e por empresários do transporte. A tecnologia tem potencial para unificar vários modais (ônibus, metrô, transporte por aplicativos, bicicletas) e migrar para políticas públicas.

Em Fortaleza, a NINA é conectada às câmeras de segurança dos ônibus e coleta imagens no intervalo de horário relatado pela denunciante. Com isso, de maneira imediata, são produzidas provas e também feito o acolhimento da vítima.

Depois, o caso precisa ser encaminhado à polícia para as devidas providências. Entre as ocorrências de assédio comunicadas através do projeto NINA na capital cearense (no período de março a junho), 77 foram concluídas com todos os dados necessários para virar inquérito policial. Cerca de metade dessas pessoas eram vítimas e, a outra metade, testemunhas.

Inédito

Fora a medida policial, o tipo de dado gerado pela NINA Mobile é inédito no Brasil, pois consegue acessar casos reais de crimes sexuais ocorridos no sistema de transporte público, bem como entender a hora em que ocorrem, os locais, as características, o perfil das vítimas, entre outras informações. Conforme o primeiro balanço divulgado, 58% das denúncias foram de crimes ocorridos dentro dos ônibus, as demais, nas paradas e nos terminais. Todos as vítimas eram mulheres.

A maioria das situações relatadas são de assediadores que estavam se tocando ou encostando na vítima de maneira inapropriada. Outra informação importante é o horário de pico das ocorrências que é às 20h, maior que às 18h e reduzindo bem após às 22h.

Impacto

NINA é uma forma de a vítima ter uma medida silenciosa de alcance fácil e imediato para reagir e não se culpar pelo crime. Ela clica no ícone NINA “Denunciar Assédio” e comunica o que aconteceu em detalhes. Isso evita que mulheres desistam de se deslocar até um posto policial, logo após o ocorrido, para fazer a denúncia. Ir à delegacia torna-se o segundo passo.

O dispositivo também incentiva que todos se protejam, estendendo a posssibilidade de denunciar aos que presenciam esse tipo de violência, para que ela não ocorra mais. “Estava acompanhando uma mulher que estava próxima a porta de desembarque (porta dianteira) e um homem colocou a mão sobre as suas partes íntimas, ela desceu chorando e constrangida”, descreveu a denunciante o fato ocorrido dia 14 de junho às 7h50.

Para Simony, é sempre emocionante ouvir as vítimas que utilizam a NINA. “Uma delas disse que não tinha ninguém para ajudá-la quando estava no ônibus sofrendo assédio, mas não se sentiu sozinha porque Nina estava com ela”. A meta de longo prazo é que um dia a NINA não tenha mais razão de existir.

Com informações da Assessoria de Imprensa.

Entenda a lei da importunação sexual e seu papel na proteção de mulheres no transporte público

Texto especial do Agora é Simples para o Dia da Mulher. 

Desde setembro do ano passado é crime a importunação sexual, a lei que pune tais atos já prendeu homens pelo Brasil e é cada vez mais conhecida pela população.

No transporte público, meio em que a importunação ficou extremamente explicitada em casos recentes, a lei busca garantir mais autonomia e segurança para mulheres, maiores vítimas da importunação.

Só em 2016, segundo pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, entre 5,2 milhões 7,9 milhões de mulheres foram vítimas de importunação sexual dentro do transporte coletivo.

Mas o que é a importunação?

Diferentemente do assédio, a importunação é qualquer ato libidinoso, ou seja, com o objetivo de causar prazer sexual. Pode ser um toque, masturbação, ou os “beijos roubados”, por exemplo.

A lei aprovada ano passado diz:

“Art. 215-A. Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o ato não constitui crime mais grave.”

O assédio, em contrapartida, é caracterizado por uma relação hierárquica, alguém que exerce poder sob outra pessoa para obter benefícios sexuais.

O transporte público é um local de claro transtorno para mulheres. Os casos de importunação em ônibus, trens e metrôs são altos e ficaram conhecidos nos últimos anos.

Em São Paulo um homem foi preso após ejacular em uma mulher e esse mesmo homem, após ser solto, atacou outra mulher poucos dias depois.

O caso foi um dos responsáveis por dar fôlego à lei, pois antes dela crimes assim eram punidos com no máximo uma multa.

O vídeo abaixo mostra outra história que viralizou. Neste caso, uma garota de 14 anos defende uma mulher importunada em um ônibus no Rio de Janeiro.

Para Jaqueline Gouveia, 23, trabalhadora em um shopping em Campinas-SP, a lei pode dar esperanças de um transporte público sem abusos, mas muito ainda precisa ser feito.

A gente sempre tenta ser positiva, acreditar que vai fazer diferença, que vai tornar os ambientes mais seguros para nós mulheres. Eu não tenho tanta esperança. Mas já é algo né?, diz.

Jaqueline confirma que já sofreu assédio e importunação no transporte coletivo. Foi assediada, inclusive, pelo motorista.

O horário que eu pegava era a noite, eu era quase sempre a única no ônibus. Ele sempre insinuava umas coisas, me chamando sempre de linda e coisas assim. Uma vez me chamou pra ir sentar no banco da frente com ele…, relata.

O assédio continuava até o final da viagem,[O motorista] parava o ônibus e me esperava descer, ficava me olhando. Era terrível, porque ali era o meu transporte pra casa, onde em teoria eu deveria me sentir segura, finaliza.

A lei vem para coibir esse tipo de ato, mas como Jaqueline de cara nos mostra, apenas isso não dá segurança para mulheres.

É preciso mais para garantir que a importunação sexual fique no passado, e solução passa por educação e informação – desde cedo nas escolas – e em outras espaços de formação.

A tecnologia também é um caminho, e tem sido a proposta de iniciativas na área. Um exemplo é a Nina, startup que mapeia casos de assédio e importunação no transporte coletivo e gera dados para o poder público atuar sobre os problemas.

Com a tecnologia é possível denunciar casos de assédio via app e essas denúncias podem ser mapeadas. Dessa forma, o poder público consegue otimizar seus esforços em áreas e situações de maior perigo, entre outras possibilidades.

Para a fundadora da Nina, Simony César, em entrevista ao WRI Brasil:

“A gente não quer dar o ponto sem nó. Nosso objetivo com a implantação do Nina é ajudar não só a sociedade, com um canal facilitado para a realização da denúncia, mas também ajudar a gestão municipal e estadual na criação e precisão de políticas públicas com base na inteligência dos dados capturados pela tecnologia Nina. 

Que o transporte público como um todo entenda a necessidade de tratar esse tema.

Garantir às mulheres segurança é o mínimo.