Novos meios de pagamento estão chegando ao transporte público, como QR Codes, cartões bancários e outros. Essa inovação é possível com uma bilhetagem centrada no sistema. Entenda:
Os meios de pagamento no transporte público estão se diversificando como nunca, e às vezes pode ser difícil entender todas as inovações que estão chegando ao mercado. Por isso, vamos explicar um pouco da trajetória dos meios de pagamento no transporte público e o cenário atual.
Na maior parte da história de sistemas de transporte públicos, de 1950 a 1980, bilhetes de papel ou tarja magnética foram a regra. Estes modelos permitiram grandes avanços, como a disponibilização de gratuidades e otimização da operação.
Já no início dos anos 1990 os cartões inteligentes (ou smartcards) modificaram para sempre nossa relação com o transporte público, permitindo integração e uma relação mais próxima entre operadores e passageiros.
Agora, nos anos 2020, uma nova era bate à nossa porta. Ao invés de um sistema “centrado no cartão”, como é hoje (o Bilhete Único é o maior expoente no Brasil), partimos para uma lógica de “centrado no sistema”. Essa mudança e as possibilidades de meios de pagamento a partir dela é o que procuramos desmistificar neste artigo.
O que é um sistema de bilhetagem “centrado no cartão”?
Em um esquema onde o cartão é central, todas as informações de cobrança da tarifa, o direito à viagem e todos os registros de identificação ficam na mídia física, o cartão.
Os equipamentos, no caso validadores, processam toda a transação, validam a legitimidade do cartão, autorizam o acesso, atualizam as informações no cartão e fazem cálculos tarifários, como no caso de integrações. Tudo isso em milésimos de segundos. Esse é o padrão em mais de 80% dos sistemas de transporte do país e representa uma evolução significativa ao modelo de papéis anterior.
Entre as principais características de um sistema de bilhetagem centrado no cartão estão:
- Equipamentos como validadores capazes de ler e gravar as informações no cartão para qualquer transação, o que encarece e engessa a operação.
- Altos investimentos em infraestrutura;
- Integração difícil com operadores terceiros, devido às práticas concentradoras e uso de sistemas fechados por parte dos fornecedores de tecnologia em bilhetagem;
- Os dados são atualizados, geralmente, ao final do dia quando o ônibus vai para a garagem e não de forma simultânea;
- A perda do cartão pode significar a perda do saldo, pelo menos temporariamente;
- Fraudes que acarretam em prejuízos financeiros.
Outros pontos significativos são a necessidade de fazer a recarga dos cartões em postos físicos, sejam auto-atendimento ou guichês, o que é sujeito à filas e atrasos, além de altos custos aos operadores para emissão, transporte e gestão de cartões.
O que é bilhetagem “centrada no sistema”?
Nós também podemos chamar esse sistema de Bilhetagem Baseada em Contas (ABT), que já foi alvo de outro artigo no Agora é simples. Em resumo, nesse cenário a cobrança da tarifa, o direito à viagem e os registros de uso são mantidos em um back-office, ou seja, em servidores e não na mídia física, o cartão, como no caso anterior.
A principal diferença é que as regras de negócio e o cálculo da tarifa são feitos depois do embarque, no back-office. Isso significa que a mídia usada para acesso, seja um cartão, um QR Code ou um app com NFC no celular, são apenas identificadores que dão acesso ao transporte e estão linkados à uma conta do passageiro.
Não há um “saldo” nessa mídia. Esse saldo, se existe, está numa carteira digital atrelada ao CPF e que pode ser acessada por mídias diferentes. Se o cliente perdeu o cartão, pode ser possível acessar com o app, sem demais complicações.
As principais características do ABT são:
- O validador deixa de “validar”, pois é necessário apenas identificar o passageiro.
- A mídia física, por sua vez, deixa de ser central para os dados, que passam a ser geridos no back-office.
- Custos menores com infraestrutura e aquisição de equipamentos;
- Múltiplos meios de pagamentos, como NFC, QR Code, smartcards, EMV, etc.
- Melhora a experiência do usuário pela conveniência de pagar por transporte de um jeito próximo aos outros pagamentos do dia a dia.
- Interoperabilidade com outros sistemas. Alguns ABT podem oferecer até mesmo interoperabilidade com sistemas legados.
Como migrar de um sistema centrado no cartão para ABT
Infelizmente, a maioria dos provedores de tecnologia em bilhetagem não cooperam com atualizações de sistema com o objetivo de manter suas reservas de mercado. Isso é inaceitável nos dias de hoje de diversas maneiras, a começar pelo atraso na inovação do transporte público. Dessa forma, para uma migração à bilhetagem centrada no sistema é necessário a troca dos hardwares existentes.
A depender do cenário, todos os equipamentos podem ser trocados de uma vez, de forma gradual ou coexistir com validadores antigos. O Dispositivo de Bilhetagem Digital da ONBOARD, por exemplo, pode ser tanto o equipamento principal quanto atuar em paralelo ao validador legado, a depender da estratégia da companhia operadora de transportes.
Também é recomendado que se troque os cartões em posse dos usuários, embora existam estratégias para aproveitamento dos cartões legados evitando transtornos ao usuário na substituição.
Tipos de tokens e tecnologia de validação para acesso ao transporte público
Com uma bilhetagem centrada no sistema, amplia-se as mídias possíveis para acesso ao transporte público. Vamos conhecer uma por uma, desde a era pré bilhetagem eletrônica, passando pelos smartcards até os dias de hoje, na era da Bilhetagem Digital.
Bilhetes de papel – ainda usados principalmente em cidades do interior, foram amplamente aceitos no transporte público no século passado.
Edmonson ou bilhetes de tarja magnética – usados no Metrô e CPTM atualmente, mas em fase de transição. Nesses bilhetes há o armazenamento de informações na tarja, que pode ser lida pelos equipamentos de acesso. É o pai dos cartões inteligentes. Porém, são facilmente danificados, representam altos custos para sua manutenção e têm sido gradualmente substituídos.
Cartões inteligentes (smartcards) – os mais conhecidos, como o Rio Card ou Bilhete Único. Embora fossem facilmente falsificados até bem pouco tempo, sua segurança melhorou nos últimos anos. São inteligentes, pois armazenam todas as informações de pagamento e identificação.
Os equipamentos a bordo são capazes de ler e escrever informações no smartcards, e a isso se deve à época de criação dessa tecnologia, onde não existia a possibilidade de conexão em tempo real entre um equipamento e uma central, o que necessitava de tanto validador quanto cartões conversarem entre si de forma offline.
Vários formatos ganharam o mundo, com destaque o MIFARE (proprietário) e Calypso e Cipurse, ambos open source. O fato desses sistemas não serem interoperáveis levou a um aumento de custos e monopólio em diversos locais, incluindo o Brasil.
Recarga online – disponível em diversos municípios hoje por meio de websites, aplicativos e chatbots. Facilitam e muito a vida de quem quer evitar filas em guichês e terminais. Entretanto, ainda representa um passo de atrito na experiência de compra – clientes precisam adquirir os créditos em seu cartão inteligente antes de embarcar. Além disso, representam altos custos para operadores de transporte, que precisam manter atualizadas aplicações para diferentes sistemas operacionais e navegadores.
Algumas empresas de bilhetagem cobram pelo serviço, enquanto alguns operadores de transporte optam por fazer parcerias. A SPTrans, em São Paulo, conta com uma série de apps de recarga de terceiros disponíveis.
Cartões EMV – Esse padrão foi desenvolvido por bandeiras de cartões do sistema bancário e permite o acesso ao transporte público por meio dos cartões contactless de crédito e débito.
Uma das principais vantagens está no amplo acesso que a tecnologia permite, um turista de qualquer parte do mundo pode rapidamente acessar um meio de transporte se tiver um cartão com essa tecnologia. Por outro lado, operadores de transporte perdem contato com seus clientes, uma vez que o relacionamento é exclusivo da bandeira de cartão e do banco. Sendo assim, é ideal como uma das possibilidades de token para acesso ao transporte e não em substituição a todos os outros meios existentes, até mesmo porque grande parte da população no país é “desbancarizada”
QR Codes – Cada vez mais comum, esse tipo de código 1D ou 2D são de fácil implementação no transporte público e já conhecidos pelos passageiros, diversos setores já usam QR Codes em suas aplicações, como pagamentos, informações, etc. Esse método pode ser usado por meio de bilhetes em papel impressos ou em aplicações mobile.
Um dos principais problemas desse meio é a sua fácil replicabilidade, o que abre brechas para falsificações. Um cliente pode tirar um “print” da tela e enviar a outro usuário. Para isso, camadas extras de segurança são necessárias. O código 2D disponibilizado aos clientes, por exemplo, pode ter uma curta duração, sendo atualizado constantemente impedindo fraudes.
Veja o caso do app Bilhete Digital, nele uma camada de proteção é aplicada para impedir o print da tela, além de um tempo curto de duração da validade do QR Code, sendo rapidamente substituído por um novo:
NFC (Near Field Communication) – A tecnologia de aproximação também está ganhando popularidade por meio dos cartões contactless, distribuídos por bancos atualmente. Alguns celulares mais avançados também possuem essa tecnologia, que permite pagamentos por meio de apps como Apple Pay, Samsung Pay, Google Pay e outras.
Com o NFC dos celulares, operadores de transporte transferem a propriedade do meio de acesso aos clientes, reduzindo seus custos de gerenciamento da vida útil dos smartcards. Ainda é um grande desafio no Brasil e em países em desenvolvimento, pois celulares intermediários em posse da maioria da população, no geral, não contam com essa tecnologia.
Be-in/Be-out (BiBo) – Nesse sistema, o passageiro não precisa apresentar nenhuma mídia ao validador, pois a checagem é feita de outra forma. Nos modelos apresentados anteriormente, de uma jeito ou de outro é necessário validar a viagem, ou seja, apresentar uma mídia para identificação. No modelo BiBo isso não é necessário, pois o cliente é identificado assim que embarca, por meio do Bluetooth ou reconhecimento facial, por exemplo. É uma forma “mãos livres”, onde não é necessário apresentar nada, apenas checagens de segurança aleatória.
Esse esquema é indicado para sistemas baseados em confiança, onde os passageiros não precisam provar seu direito à viagem, algo comum em trens e VLT’s, bastando uma inspeção rotineira.
Uma alternativa é uma mescla entre o sistema de identificação e o BiBo, onde o cliente precisa indicar em um app que iniciou a viagem.
Apesar da inovação, é um esquema muito novo que demanda uma curva de aprendizagem, sendo indicado como uma forma complementar de acesso e não a principal, além de requerer longos períodos de pilotos e testes. Ele é mais seguro e efetivo se for feito através do reconhecimento facial, mas independentemente da tecnologia, esse modelo só é viável a partir de um sistema ABT.
Comparativo das principais características dos meios de pagamento
Bilhetes de papel | Bilhetes de tarja magnética | Smartcards | QR Code | NFC | EMV | BiBo | |
Custos de manuseio | +++ | +++ | +++ | + | + | ++ | + |
Custos de infraestrutura | +++ | +++ | +++ | + | + | +++ | ++ |
Experiência do usuário | + | + | ++ | +++ | +++ | +++ | +++ |
Segurança | + | + | ++ | +++* | +++ | +++ | ++ |
Pós-pagamento (com carteira digital) | Não | Não | Não | Sim | Sim | Sim | Sim |
+nível de implementação (a quantidade de + significa maiores custos ou mais facilidade, a depender do tópico).
*No caso do QR Code impresso o nível máximo de segurança só é obtido quando a validação é feita online.
Conclusão
Os meios de pagamento estão cada vez mais diversos e representam inúmeras oportunidades para o transporte público, não somente custos. Sistemas ABT, baseados em contas e abertos, tornam possível a Mobilidade como Serviço, carteiras digitais e outros serviços novos que melhoram a experiência dos clientes e tornam o transporte público competitivo novamente.
Embora diversas opções tenham sido apresentadas, muitas delas já aplicadas em países pelo mundo, as especificidades de um país como o Brasil precisam ser levadas em conta na tomada de decisão, com a experiência de especialistas, gestores e pessoas comuns.
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