Arquivo da tag: política nacional de mobilidade urbana

Interesse por carro aumenta e futuros prefeitos não fazem nada a respeito

O que a falta do combate ao transporte individual nos discursos de candidatos à prefeitura pode significar nos próximos anos de mandato

Diante dos desafios de gestão pública no transporte coletivo, relacionados à crise de financiamento dos serviços e atrelado à falta de políticas públicas inovadoras que resolvem o problema sem demagogia, a acelerada urbanização fez com que o gargalo do transporte público fosse potencializado. O crescimento da área urbana resultou no aumento de tempo e distância dos deslocamentos, enquanto que as políticas públicas não acompanharam essa evolução (COCCO et al., 2016). 

Sem transporte público efetivo, algumas camadas da população – principalmente as de maior poder aquisitivo – recorreram ao uso do transporte individual, cujo número aumenta exponencialmente desde 1980. Além disso, a preferência por veículos particulares também foi motivada por impostos reduzidos sobre produtos industrializados (que incluem carros e motocicletas), além de créditos para facilitar a compra dos mesmos (UOL, 2020).

Somado a isso, diante da pandemia do novo coronavírus, inúmeros problemas que já existiam tomaram proporção maior. Hoje, os sistemas de transporte público no Brasil são percebidos pela maioria da população como serviços de má qualidade, envolvendo superlotação, falta de infraestrutura e investimentos, bem como aumentos nos preços das tarifas, redução de conforto e confiabilidade, o que torna esse meio desvalorizado em comparação à outros (COCCO et al., 2016).

Diante também de manifestações e protestos históricos, governantes no Brasil todo vêm sendo cobrados pela população no sentido de adotar políticas públicas efetivas que promovam a melhoria da mobilidade e a redução dos custos de deslocamentos urbanos, principalmente dos meios de transporte público.

Políticas públicas para o transporte coletivo

O processo de incorporação de políticas públicas voltadas ao transporte coletivo nos planejamentos municipais se iniciou após a exigência constitucional do Plano Diretor em 1988, com a exceção de algumas cidades, como Curitiba/PR e São Paulo/SP, que já contavam com planos de transporte. Antes disso, existiam apenas os planos viários que favoreciam principalmente o transporte particular (FARIA, 2018). 

Em 2012 foi aprovada a Lei n. 12.587 sobre a Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU). A PNMU reforça o planejamento e a execução das políticas de mobilidade urbana como obrigação dos municípios, assim como a regulamentação dos serviços de transporte urbano (art. 18), além de delegar aos municípios a obrigação de elaborar o Plano de Mobilidade e incorporar ao Plano Diretor (art. 24). 

No entanto, de acordo com o último levantamento do “Perfil dos municípios brasileiros” (IBGE, 2018), 48,5% dos municípios não possuem Plano Diretor, dos quais 9,8% informaram que o instrumento estava em elaboração. Esse percentual foi mais elevado no grupo de municípios com população até 20 mil habitantes, o qual representou 66,9%.

Fonte: IBGE (2018).

Segundo Cocco et al. (2016), em todo o mundo, avanços nas políticas de transporte e mobilidade só foram conseguidos, historicamente, a partir de uma grande massa de investimentos públicos e privados (para as infraestruturas de transporte), seguidos de subsídios públicos progressivos e contínuos (para os serviços de transporte). 

Com isso, é obrigação dos dirigentes públicos buscar um sistema de mobilidade mais igualitário do ponto de vista social, com sustentação financeira e ao mesmo tempo sem excluir a população pertencente às classes mais baixas. Para seguir esse caminho, existem vários desafios a serem superados (DE CARVALHO, 2016).

Desafios da mobilidade urbana para as prefeituras 

Recentemente as eleições reviveram algumas propostas e deram entrada à outras no sentido de melhorar a vida urbana das pessoas. De acordo com a ANTP (2020), as propostas relacionadas a mobilidade urbana são as que mais apresentam condições de ajudar futuros e futuras prefeitas a cumprirem esse desafio.

Joaquim Aragão, professor da Universidade de Brasília (UnB) e doutor em política de desenvolvimento territorial, sugere aos prefeitos e prefeitas que, antes de definir as prioridades de sua gestão, é necessário observar algumas características do município, principalmente com relação ao tamanho e ao número de habitantes.

Essas observações se enquadram a proposta de políticas publicado pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) que propõem a intermediação entre fatores sociais e a mobilidade para que possam favorecer o transporte público em detrimento do privado. Como exemplo, o estabelecimento de políticas de aproximação da população mais pobre às áreas de maior dinamismo econômico-social, ou no sentido inverso, a fim de promover maior desenvolvimento às áreas mais carentes dos aglomerados urbanos. 

A proposta divulgada permitiria reduzir a necessidade de grandes deslocamentos por parte dessa população, como exemplo os estados de MG e DF que promoveram o deslocamento para regiões periféricas das capitais (DE CARVALHO, 2016). Dentre outras, em geral, sugere-se o detalhamento e construção de políticas e processos coordenados, articulados e integrados que levem à solução de diversos problemas relacionados ao desenvolvimento urbano.

Em 2018, dentre a existência de 20 instrumentos de planejamento urbano, menos da metade dos municípios brasileiros compreenderam sua utilização. De acordo com o levantamento do IBGE, apenas 3 instrumentos se encontraram em mais de 60% dos municípios brasileiros, são eles: Lei de perímetro urbano, Código de obras e a Legislação sobre parcelamento do solo.

Essa baixa adesão a políticas públicas de infraestrutura urbana se demonstra negativa no que diz respeito à mobilidade urbana nas cidades. Como justificativa, uma outra proposta sugerida pelo Ipea para melhorar o transporte público no Brasil é a programação de políticas adequadas de adensamento urbano (DE CARVALHO, 2016).

No entanto, a ausência total e/ou parcial do discurso de candidatos à prefeituras em prol ao combate do uso de automóveis particulares que se relacionem aos levantamentos indicados aqui podem impactar negativamente o desenvolvimento das cidades nos próximos quatro anos de mandato. Inclusive, há estudos que já comprovam uma preferência maior pelo automóvel no pós-pandemia, o que dificultaria ainda mais esse desenvolvimento. 

A pesquisa aplicada pelo YouGov-Cambridge Globalism Project, em conjunto com o jornal inglês The Guardian, entrevistou aproximadamente 26 mil pessoas em 25 países durante os meses de julho e agosto. Considerando apenas os brasileiros, cerca de 62% disseram que usariam o carro mais do que antes da pandemia, contra 12% que usariam menos. 

Logo, o desafio para o Brasil está em descobrir o que poderão fazer os novos e novas prefeitas para equilibrar as receitas e despesas no transporte, garantindo uma tarifa acessível e um transporte com o mínimo de qualidade e atratividade. 

“Muita gente acha que melhorar a mobilidade é só asfaltar ruas e construir viadutos. Mas não é bem assim: construir calçadas, ciclovias e pontos de ônibus confortáveis é bem mais importante, porque a maior parte das pessoas se desloca a pé, de bicicleta ou de transporte público. Por isso, os prefeitos devem prezar menos obras faraônicas e mais projetos simples e eficientes”

– Ana Carolina, integrante da Associação pela Mobilidade a Pé (Cidadeapé), à Agência Brasil.

Porém, caso as medidas não sejam implantadas, as consequências à população envolverá o aumento das emissões de poluentes, a existência de um transporte mais obsoleto por meio do surgimento de meios clandestinos para deslocamento, além da possibilidade de aumento do número de acidentes e congestionamentos que podem afetar negativamente a produtividade das cidades.

Contudo, o país precisa programar políticas de investimento perenes em sistemas de transporte de massa. O que tivemos até o momento foram investimentos pontuais baseados em grandes eventos, como Copa do Mundo e Olimpíadas. No entanto, o resultado foi, em sua maioria, obras viárias e de mobilidade urbana inacabadas, interrompidas ou sem utilização propícia, além de acesso limitado à uma pequena parcela da população.

Em Belo Horizonte, por exemplo, o Move, projeto de BRT instaurado para a Copa do Mundo de 2014, entrou em processo judicial sobre superfaturamento nas obras e sua infraestrutura e manutenção é mal avaliada pela sociedade mineira. Já em Brasília, a construção do VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) custaria R$ 1,5 bilhão (valores de 2010), no entanto, a obra ficou parada e, só em março deste ano que o Governo do Distrito Federal (GDF) decidiu elaborar um projeto para tirá-lo do papel

No Rio de Janeiro, o BRT se encontra com 42% das estações fechadas, segundo o consórcio que administra o sistema, onde 60% é por vandalismo e/ou furtos de equipamentos, além de 16% desativadas devido à violência e à destruição do patrimônio público. Além disso, más condições das pistas e evasão no pagamento de passagens também causam prejuízos, o que causa piora no serviço.

Fonte: O GLOBO (2020).

Logo, mesmo havendo uma retomada forte dos investimentos na área de mobilidade urbana com foco no transporte público de massa, questiona-se se essas iniciativas irão se perpetuar nos próximos anos, atendendo a parcela mais pobre da população, ou se serão abandonadas e/ou realizadas em áreas já valorizadas, conforme o histórico prévio.

Referências

ANTP. Mobilidade urbana: o ir e vir que leva além. Disponível em: <http://www.antp.org.br/noticias/clippings/mobilidade-urbana-o-ir-e-vir-que-leva-alem.html>. Acesso em 16 de nov. 2020.

COCCO, R.G. et al. Transporte público e mobilidade urbana: contradições entre políticas públicas e demandas por mobilidade na Região Metropolitana de Florianópolis-SC. 2016.

DE CARVALHO, C.H.R. Desafios da mobilidade urbana no Brasil. Texto para Discussão, 2016. Disponível em: <http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6664/1/td_2198.pdf>. Acesso em: 17 de nov. 2020.

FARIA, R.F.R. Políticas federais de transporte público: A difusão e implantação do Sistema BRT (Bus Rapid Transit) em cidades brasileiras. Caminhos de Geografia, v. 19, n. 67, p. 361-373, 2018.

IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Acessibilidade no transporte urbano de passageiros: um panorama da política pública federal. In: Brasil em Desenvolvimento: Estado, Planejamento e Políticas Públicas, v. 2. Brasília: Ipea. 2010. p. 407-428. 

UOL. Mobilidade urbana. Brasil escola. Disponível em: <https://brasilescola.uol.com.br/geografia/mobilidade-urbana-no-brasil.htm>. Acesso em 16 de nov. 2020.

[crowdsignal rating=8915070]

Desafios para salvar a mobilidade urbana: um plano de governo para 2021-2024

Todos os candidatos à prefeitura deveriam estar discutindo esses desafios, que precisarão ser enfrentados na próxima gestão, mas poucos estão colocando em pauta. 

Photo by Lucas Versolato on Unsplash

A campanha eleitoral para o executivo e legislativo municipal ainda está morna, mesmo faltando menos de um mês para o primeiro turno. Como já analisado aqui no Agora é Simples, nos planos de governo dos candidatos, transporte público e mobilidade são assuntos obrigatórios, sendo temas essenciais da agenda nacional desde 2012, com a aprovação da Política Nacional da Mobilidade Urbana. Entretanto, são poucos os planos das cidades analisadas, e suspeitamos que no país todo, que realmente discutem os principais problemas estruturais da mobilidade urbana e transportes.

Se o seu postulante à prefeitura está falando somente de cobrar ar-condicionado e Wi-Fi nos ônibus das empresas de transporte, provavelmente ele ou ela não sabe aonde está se metendo – nem o que lhe espera. Veja a seguir 5 questões que toda prefeitura terá que enfrentar no mandato 2021-2024. 

Financiamento do transporte público

Melhorar o transporte público é o básico, é o que toda candidatura deve defender. Mas não dá simplesmente para acusar todas as empresas de transporte de corruptas, acreditando que uma “limpa” em contratos vai resolver o problema estrutural do setor. 

É possível sim otimizar muita coisa em contratos. Especialistas no tema defendem que operadores de transporte público sejam remunerados por km rodado, e não por passageiro transportado, como é hoje. O modelo atual incentiva lotações, um desrespeito aos clientes. 

Contudo, o transporte público vem perdendo passageiros há anos, e a pandemia retirou cerca de 70% dos clientes dos ônibus, metrô e trens de São Paulo, por exemplo. Com o avanço do teletrabalho, até servidores públicos farão regimes remotos na cidade, a expectativa é que a demanda por transporte público diminua permanentemente

O transporte público em nosso país é financiado principalmente pela tarifa. No caso de São Paulo, há subsídios que chegam a R$3 bilhões. Com diminuição de passageiros e sem novas fontes de receitas a conta não fecha. Além disso, o subsídio cruzado fica ameaçado. O mecanismo garante que as viagens curtas, geralmente feitas nas regiões mais centrais, por pessoas de maior poder aquisitivo, financiem as viagens mais longas, até a periferia. Como o trabalho remoto é privilégio principalmente das atividades intelectuais e mais bem remuneradas, corremos o risco de afundar mais um pilar de financiamento do transporte público a partir de 2021. 

Ainda sobre subsídios, a Câmara dos Deputados aprovou em agosto um apoio de R$4 bilhões ao transporte público. Estima-se que o rombo nas contas das empresas de transporte neste ano cheguem a R$8,7 bilhões, entretanto não é consenso entre especialistas a continuação de subsídios como esse. Embora defendido por Associações, como a NTU, subsídios não resolvem problemas estruturais e de longo prazo. 

Como já citado, em novas licitações prefeituras podem exigir a remuneração das empresas atreladas ao km rodado e não ao número de passageiros transportados. Outra sugestão é a separação, na licitação, de quem opera o sistema e de quem oferece os ônibus e garagens. Estudo do Banco Mundial afirma que essa divisão traz mais dinamismo à concorrência. Quando a licitação inclui operação do sistema e veículos, as empresas que já estão na cidade têm vantagem, o que perpetua os mesmos competidores de sempre.

Mas as propostas para financiar o transporte público vão além. Taxas de congestionamento, reformulação do vale-transporte e taxas para aplicativos estão no arcabouço teórico de urbanistas, pesquisadores e organizações. 

A primeira consiste em cobrar taxas de veículos em regiões muito movimentadas, como o centro da cidade. A aplicação dessa taxa deu muito certo em cidades como Londres, Estocolmo e Singapura, mas não são consenso nem entre especialistas. Cada caso deve ser analisado para não onerar os mais pobres. Porto Alegre foi a primeira cidade no Brasil a propor algo parecido, mas o projeto não têm avançado na Câmara dos Vereadores

A reformulação do Vale-Transporte tem a ver com a cobrança de uma taxa fixa para toda a folha de pagamento de empresas a partir de um determinado número de funcionários. Não somente quem usa transporte público por meio do Vale-Transporte pagaria essa taxa, como é o modelo atual do Vale, mas todos os funcionários. Na França, um dos pilares de financiamento do transporte público é essa taxa.

Em Porto Alegre, no pacote de medidas da Secretaria de Transportes está algo parecido, com a cobrança de R$63 por mês. Essa proposta faz parte dos planos do governo do prefeito Nelson Marchezan, com o secretário Rodrigo Tortoriello, para deixar a passagem em R$2 reais ao público geral.

Por fim, as taxas para aplicativo de carros compartilhados, como Uber e 99, já são aplicadas por algumas capitais, como São Paulo. Há espaço para ser padrão em todas as cidades com esses serviços. 

Propostas como essas, que jogam para o motorista individual os custos do transporte público ainda são impopulares e pouco compreendidas. Por causa disso, não são abordadas em planos de governo, mas são imperativos para o próximo mandato. 

Regulamentação do transporte alternativo 

No Brasil, as prefeituras decidem sobre a regulação dos transportes coletivos, por vezes por meio de uma empresa pública, como a SPTrans (São Paulo), Emdec (Campinas), EPTC (Porto Alegre). Com o objetivo de economia em escala, nas últimas décadas o planejamento público priorizou pela “troncalização”da rede, com mais baldeações e redes de alta demanda. Em cidades como Campinas é quase impossível ir a qualquer parte da cidade sem passar pelo centro, mesmo que seu destino seja sul-sul, norte-norte, etc. 

Para o financeiro, esse sistema é ótimo e econômico. Soma-se a isso restrições a novos entrantes privados e as reservas de mercado de empresas de transporte estão salvas. Entretanto, os passageiros do transporte público são pessoas e elas sabem muito bem que suas viagens poderiam ser mais curtas, sem necessidade de tantas trocas de veículos, terminais e idas ao centro. 

Há décadas cidades do país todo combatem insistentemente serviços de transporte informais, como minivans e microônibus, os famosos “perueiros”. Acontece que sistemas paralelos são muito importantes para a capilaridade de sistemas de transporte, para que chegue até onde o transporte de massa não vai. Ou, quando vai, está totalmente incoerente: um ônibus grande em vias estreitas que poderiam ser atendidas por um veículo menor ou até mesmo por uma bicicleta ou a pé quando há infraestrutura adequada.

Estudo do World Resources Institute (WRI) em regiões subdesenvolvidas da América Latina, Ásia e África subsaariana mostra como operadores de pequena escala, legal ou ilegalmente, entram no mercado para preencher lacunas do transporte tradicional e regulado. Só em Recife (PE) até 2006, 26% do mercado de transporte de pessoas da cidade era composto de operadores informais. 

Danny Howard / Flickr

Engana-se, contudo, quem pensa que o transporte paralelo foi eliminado com sucesso. No Valor Econômico, ainda em outubro de 2020, Marina Cristina Fernandes alerta para o avanço das milícias cariocas no controle do transporte informal na cidade. Segundo a reportagem, o Ministério Público do Rio inclusive identificou a atuação das milícias na vandalização de estações do BRT. Uma verdadeira estratégia de mercado da destruição. 

Ou seja, existe demanda por transporte alternativo, personalizável e confortável e caberá a muitos dos próximos prefeitos e prefeitas do Brasil inserir, de forma regularizada, esse tipo de transporte de volta em nossas cidades

Gestão do meio fio 

Essa é uma discussão que ganhará cada vez mais força, pois cidades no mundo todo estão revendo vagas de estacionamento públicas, buscando outras alternativas para esse espaço. A pandemia só fez acelerar, com a criação de ciclovias temporárias – mas que podem vir a ser permanentes – onde antes era espaço de estacionamento. 

Nós não somos incentivados a questionar, mas uma coisa que precisamos pensar é sobre bens públicos, algo que é disponível a todos (não excludente) e o fato de uma pessoa usar não impede outra (não rival). O ar e parques são bens públicos. Estacionamentos, não. 

Segundo o estudo Cidade Estacionada, só a cidade de São Paulo destina 5 milhões de metros quadrados para vagas para carros, são três Parques Ibirapueras. Tanto espaço disponível só incentiva o uso do carro. Ainda de acordo com a pesquisa, o transporte público sofreu 15 revisões de preço em 23 anos, enquanto a Zona Azul, marca dos estacionamentos pagos na cidade, aumentou só 3 vezes. 

O que se questiona hoje é que tanta oferta de vagas a preços tão baixos, uma vaga pública custa 2,4 vezes menos do que a média de estacionamentos privados, prejudica o trânsito, a poluição e até contribui para mais acidentes. Estamos socializando prejuízos e privatizando lucros. Quem mais usa carros na cidade de São Paulo é a parcela mais rica da população, que pode estacionar por R$5 a hora enquanto a maior parte das pessoas precisa de pelo menos R$8,80 pra ir e voltar de qualquer lugar. 

Mais uma vez, por mexer com motoristas de transporte motorizado individual, parcela privilegiada da população, a gestão do meio é deixada de lado em propostas de governantes. A Prefeitura de São Paulo até chegou a assinar um contrato de concessão por 15 anos da Zona Azul, o que pode fazê-la perder R$1 bilhão durante a duração do contrato, em comparação ao que poderia ganhar se continuasse a gerir o sistema e implementar soluções tecnológicas para melhorar a fiscalização e reduzir custos com agentes em campo.  

Não somente aumentar a receita com a Zona Azul, esse espaço do meio fio poderia ser tornar um local de sociabilidade ou mesmo melhor aproveitado para as demandas atuais da sociedade, como: 

  • Faixas para bicicletas;
  • Áreas de entrega, carga e descarga;
  • Zonas de embarque e desembarque de táxis e apps;
  • Estações de micromobilidade, como bicicletas;
  • Barraquinhas de alimentação;
  • Parklets e academias ao ar livre.
Divulgação / CMFI

Na agenda dos próximos prefeitos e prefeitas precisa estar a gestão do meio-fio, mas sem soluções simplistas como entregar à iniciativa privada e lesar os cofres públicos. A gestão do meio fio deve ser usada como ferramenta de política pública

No próprio estudo Cidade Estacionada, sugere-se antes de qualquer coisa um aprofundamento em pesquisas sobre as vagas disponíveis hoje, se teriam melhor aproveitamento sendo outras coisas ou continuar como estão. Se pode ser cobrado mais caro em áreas com maior demanda, ou até em horários de pico, flutuações que Madri e Nova York já prevêem e, claro, automatizar processos para diminuir a evasão, hoje superior a 40% na cidade de São Paulo, segundo o próprio prefeito Bruno Covas. 

Incentivo e integração do transporte ativo

Melhorar calçadas não é questão apenas para pessoas com mobilidade reduzida. A caminhabilidade é um recurso das nossas cidades para garantir acesso à serviços, segurança na mobilidade e convivência social e faz parte do escopo de objetos da mobilidade ativa. 

Desde o lançamento da Política Nacional de Mobilidade Urbana, formas ativas de transporte, que incluem o andar a pé, bicicletas e outros modais não motorizados, ganharam destaque, com o seu incentivo em detrimento ao veículo motorizado individual. 

Mas poucos municípios estão avançando na agenda de criação de ciclovias, padronização de calçadas, sinalização voltada a pedestres, entre outras. São Paulo mesmo, com o maior orçamento do país, executou apenas R$131 milhões dos R$400 milhões previstos em orçamento para recuperação de calçadas. 

Em agosto, o município regulamentou o Estatuto do Pedestre, que estipula priorização do transporte a pé. Com o Sistema de Informações sobre Mobilidade a Pé, políticas públicas deverão ser tomadas com base em evidência. Com a conscientização da população, somada a construção de infraestrutura adequada, deve favorecer a adoção do caminhar como meio de transporte para distâncias de até 2km no cotidiano dos paulistanos. 

Entre outras ações, estão a atualização de parâmetros e criação de critérios para o tempo aberto dos sinais, levando em conta idosos, crianças e pessoas com mobilidade reduzida; readequar velocidades máximas em vias com muitos pedestres e desenvolver soluções para instalação de abrigos em pontos de ônibus em calçadas estreitas. 

A Global Designing Cities Initiative lançou um documento com ações globais para enfrentamento da pandemia que utilizam as calçadas e ruas como ponto de apoio social.

Ruas para resposta e enfrentamento da pandemia / Global Designing Cities Initiative

Como já dissemos em outro tópico, a pandemia está mudando a forma como nos relacionamos com o espaço urbano, e essa é uma oportunidade única para que ruas e calçadas ganhem mais convivência social, com serviços que podem evitar aglomerações em espaços fechados. É um começo para cidades mais sustentáveis, acolhedoras e seguras. 

Verticalização da cidade

No Brasil é comum que regiões centrais das cidades sejam voltadas ao trabalho e estudo, somente enquanto as pessoas moram em outras regiões distantes. Esse espraiamento urbano foi incentivado por planos diretores na maioria das capitais e fez com que cidades brasileiras, como São Paulo, estejam entre as maiores extensões geográficas do mundo. 

A verticalização das cidades é uma pauta cada vez mais discutida por urbanistas, pois permite que as pessoas morem mais perto umas das outras, o adensamento urbano, e tenham acesso mais fácil aos transportes, cultura, lazer, trabalho e educação. Por décadas vigorou no país um desejo de diminuir esse adensamento, como se ele fosse ruim e provocasse desordem na cidade. O centro de São Paulo era o exemplo a não seguir. 

Entretanto, o mundo mudou, e hoje tudo o que as pessoas mais querem é viver num bairro movimentado, em que possam acessar serviços a pé com tranquilidade. A verticalização, ou seja, a construção de empreendimentos mais altos num território surge como opção para melhorar o uso do solo nas cidades. 

Mercado Popular / Divulgação

Mas há um ponto de atenção aos candidatos: ela não pode ser feita de qualquer jeito, como aponta o urbanista Anthony Ling do Caos Planejado. Segundo o pesquisador, legislações vigentes hoje obrigam construtoras a seguir certos padrões, como garagens, recuos e até mesmo incentivo para não construir no térreo. 

“O conceito de verticalização faz sentido como uma forma de aumentar o aproveitamento do solo urbano, aumento a densidade demográfica, aproximando humanos e tendo ganhos de escala no uso do espaço e da infraestrutura construída. No entanto, com recuos obrigatórios, não é incomum encontrarmos casos de bairros verticalizados que não apresentam altas densidades. Em São Paulo, por exemplo, é incomum o cidadão perceber que a Vila Mariana é muito mais densa que Moema, que a Vila Madalena não ficou mais densa depois que verticalizou, ou que Paris e Barcelona são muito mais densas que São Paulo com edifícios muito mais baixos.”

Anthony Ling no artigo Cidades brasileiras: a pior verticalização do mundo

Para que a verticalização funcione é preciso que os prédios sejam construídos junto às calçadas, numa mistura de comércio e moradia, com vitrines atrativas ao mercado e que possibilitem ruas movimentadas e dinâmicas. Os imensos bolsões de estacionamento e áreas de lazer, verdadeiros desertos urbanos, só favorecem o espraiamento das pessoas, tornando as cidades menos vivas. 

Todas as ações listadas acima entrarão em discussão nas próximas gestões e, muito provavelmente, veremos experimentos de novas políticas públicas para resolver problemas estruturais. É hora de avançarmos numa agenda realmente ousada para melhorar o transporte público e a mobilidade, de coresponsabilidade entre o setor público e provedores privados.

Com o pós-pandemia o desafio fica ainda maior, pois as linhas atuais já eram impactadas pela redução de passageiros que acontece há anos, o que se intensificou com a pandemia e terá consequências no pós. O replanejamento das linhas entrará na agenda, mas precisa ser feito com evidência em dados, com o dimensionamento da frota em tempo real, evitando aglomerações e as lentas modificações dos métodos de pesquisa em origem e destino hoje, que precisarão ser mais dinâmicos.

A pessoa que você escolheu ou está analisando como candidata à prefeitura tem propostas para as questões acima? Deixe nos comentários!

[crowdsignal rating=8915070]

Isso é obrigatório.
Isso é obrigatório.

“As empresas continuam operando no vermelho e com risco de novas paralisações”, diz diretor do setor de transporte público

A necessidade de políticas públicas eficazes para qualidade e sustentabilidade do sistema de transporte brasileiro

O setor de transporte público brasileiro já enfrenta crise de financiamento há alguns anos e, com a pandemia, a situação tem levado o setor cada vez mais próximo à falência devido a redução drástica e constante de passageiros. Essa crise envolve o fato de toda a receita do setor ser proveniente dos passageiros pagantes.

O modelo de sustentação financeira atual apresenta poucos casos de subsídio governamental ou outras fontes de receita que sejam razoáveis para suprir os custos operacionais, assim, com o aumento do estímulo ao uso do transporte individual e a insegurança da sociedade com o uso de ônibus neste momento, o sistema pode entrar facilmente em colapso.

Miguel Pricinote, diretor executivo da Viação Reunidas, empresa que paralisou suas operações por alguns dias em junho, faz um apelo ao poder público por meio do Agora é Simples “uma vez que as empresas fazem a operação do que os governos definem enquanto prestação de serviço. As empresas sozinhas e sendo remuneradas por passageiro, não serão capazes de reverter esse quadro.”

Por meio da perda de demanda do transporte público, a redução de receita gera queda de produtividade, resultando em desequilíbrio financeiro que provoca aumento da tarifa. Esse desequilíbrio reflete na perda de qualidade e competitividade do transporte público que, por isto, perde demanda, retroalimentando um ciclo vicioso.

Para conter os prejuízos relacionados à pandemia prefeituras do país todo diminuíram a frota em circulação ou, ainda, paralisaram totalmente a operação. Entretanto, como noticiado pelo Agora é Simples, para evitar contágios por meio de aglomerações é necessário que toda a frota esteja na rua, talvez até mais do que no período pré-pandemia.

Mesmo com diminuição da frota na rua, as empresas têm apresentando cerca de 30% a 95% de perda de receita ocasionada pela crise devido ao avanço da Covid-19 no Brasil. Algumas empresas de transportes de passageiros já suspenderam atividades, como nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Bahia e Goiás, por exemplo.

Nacionalmente, o prejuízo em dois meses de pandemia se encontra em R$ 2,5 bilhões segundo dados da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU). O Consórcio de Transportes Metropolitano (CTM) revela que a pandemia já provocou um prejuízo de R$ 155 milhões e que a queda de demanda está em torno de 70%.

Entendendo as demandas do setor de transporte público brasileiro

A Viação Reunidas, uma das empresas que opera no transporte coletivo de Goiânia e região metropolitana, paralisou as atividades recentemente, entre os dias 13 a 17 de junho de 2020. Em nota, o Sindicato das Empresas de Transporte Coletivo e Passageiros de Goiânia e Região Metropolitana (SET) informou que os trabalhadores estavam com salários atrasados desde maio e o auxílio alimentação não estava sendo pago.

“A operação já vinha sendo deficitária. Com a pandemia e uma redução de 80% do fluxo de passageiros e a manutenção total da operação e, como consequência, das despesas, a situação ficou insustentável. […] mesmo com todos os cortes e ajustes na gestão e na operação da empresa, não foi possível obter o equilíbrio, muito menos os pagamentos de fornecedores de insumos e dos colaboradores.”

Miguel Pricinote para a redação.
Na garagem da empresa, de mão dadas, motoristas rezaram para uma solução diante da crise. Foto: Reprodução.

Na última quarta (17), o SET, em nota, informou que a “empresa conseguiu recursos através de operação de crédito e já efetuou o pagamento do ticket alimentação dos colaboradores e estruturou um cronograma para o pagamento parcelado da folha de maio.” A companhia pretende retomar as operações de forma integral, mas ainda não há previsão, permanecendo assim com um funcionamento parcial da modalidade.

Referente à situação dos colaboradores, Miguel diz “Desde abril temos tido dificuldades de pagar os salários integralmente, eles vêm sendo parcelados, mas foram quitados dentro do mês. Agora, em junho, não pudemos fazer o pagamento do ticket alimentação e nem do salário. Buscamos linhas de crédito que só tivemos a aprovação de um valor pequeno no dia 17 de junho, quarta-feira. Conseguimos voltar a operar parcialmente, quitamos o ticket e vamos pagar a primeira parcela do salário na segunda, 22 e quitaremos o restante na semana seguinte.”

Em abril, três entidades ligadas ao transporte coletivo urbano assinaram um documento no qual alertaram a possibilidade de colapso no sistema por causa da pandemia do novo coronavírus. As entidades NTU (Associação Nacional de Transportes Urbanos), ANTP (Associação Nacional de Transportes Públicos) e Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes de Mobilidade Urbana pediam no documento a criação de um programa do governo federal para auxiliar a manter o funcionamento.

Um projeto de lei (PL 3364/2020) apresentado em maio de 2020 pelo deputado federal Fábio Luiz Schiochet Filho, do PSL de Santa Catarina, promove a instituição do Remetup – Regime Especial de Emergência para o Transporte Coletivo Urbano e Metropolitano de Passageiros. De acordo com o Regime, “os benefícios fiscais do Remetup destinam-se às pessoas jurídicas prestadoras de serviços de transporte público coletivo de passageiros urbano e de caráter urbano”.

O projeto ainda vai tramitar no Congresso antes de chegar à presidência da República. Dos benefícios propostos, serão excluídas empresas de transportes com dívidas em fazendas públicas federal, estadual ou municipal, inclusive as dívidas relativas à contribuições previdenciárias.

Sobre o apoio do poder público Miguel Pricinote complementa: “ O Governo do Estado elaborou um Plano Emergencial onde foi feita uma grande auditoria nas contas das empresas pela Controladoria Geral do Estado e comprovado um prejuízo, apenas nos primeiros 45 dias (período de 15/03 à 30/04/2020), de 23,5 milhões. No entanto, uma ação de recurso no STF impetrado pela prefeitura de Goiânia suspendeu o andamento do processo. Hoje, o nosso sindicato mantém conversa com o poder público para reverter essa situação e, juntos, encontrarem uma solução para o reequilíbrio dos contratos atuais.”

Em relação ao governo federal, entretanto, há a necessidade de medidas mais enérgicas e direcionadas, uma vez que até o momento“nenhuma empresa do sistema teve acesso a qualquer benefício fiscal, apenas as medidas provisórias trabalhistas foram usadas nas negociações com funcionários. “ aponta.

O papel do poder público na sustentabilidade do meio de transporte

Com a inclusão do transporte público como direito essencial em 2015 no artigo 30 da  Constituição da República, o ir e vir dos cidadãos passou a ser um problema do Estado. Operar o transporte coletivo de passageiros é, portanto, garantir um direito fundamental do ser humano dentro da sociedade.

Em cidades como Londres, Paris, Roma e muitas outras, o serviço de transporte conta com aporte parcial por parte do setor governamental, a fim de garantir a qualidade aos meios de transporte coletivo ao mesmo tempo em que o torna acessível aos cidadãos de situação econômica mais baixa da população.

Logo, diante da retomada econômica no pós-pandemia e da insegurança dos passageiros com o transporte público, a probabilidade de que o meio continue enfrentando uma queda na demanda é alta. 

Dessa forma, o Estado brasileiro deve criar condições para oferecer um serviço de qualidade, sendo hoje um momento oportuno para uma discussão ampla sobre a mudança na forma de financiamento do transporte por ônibus.

“Para termos um transporte de primeiro mundo, o que é possível, é preciso que os governantes assumam para si o transporte e criem uma política que entregue para o usuário um transporte digno, confortável, eficiente. Porque essa é a responsabilidade do poder público, uma vez que as empresas fazem a operação do que os governos definem enquanto prestação de serviço. As empresas sozinhas e sendo remuneradas por passageiro, não serão capazes de reverter esse quadro. O que vemos na quase totalidade do Brasil, é um serviço público essencial “órfão”, ou seja, um filho “enjeitado” por quem deveria zelar e cuidar, pois é uma obrigação Constitucional.”

finaliza Miguel Pricinote.

[crowdsignal rating=8915070]

Isso é obrigatório.
Isso é obrigatório.

Senado discutirá políticas de mobilidade em subcomissão

Grupo acompanhará projetos de mobilidade dos municípios brasileiros no âmbito da Política Nacional de Mobilidade Urbana.

Agência Senado

O Senado instala na quarta-feira (27) a subcomissão temporária sobre mobilidade urbana, com a eleição do presidente e do vice-presidente do colegiado, que funcionará no âmbito da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH). A reunião começa às 9h na sala 2 da ala Nilo Coelho.

Com cinco membros titulares e igual número de suplentes, a subcomissão terá como objetivo debater a mobilidade urbana e acessibilidade nos municípios brasileiros. O colegiado foi criado por meio de requerimento do senador Acir Gurgacz (PDT-RO).

Em abril de 2015 entrou em vigor a Lei 12.587/2012, que definiu a Política Nacional de Mobilidade Urbana. Em 2016, o governo federal sancionou a Lei 13.406/2016 que ampliou de três para sete anos o prazo para que os municípios com mais de 20 mil habitantes elaborem seus planos de mobilidade. Dados do Ministério das Cidades, de dezembro de 2016, indicam que do total de 3.341 municípios que deveriam elaborar seus planos, apenas 175 conseguiram completá-los, o equivalente a 5% das localidades brasileiras.

“A presente subcomissão terá como objeto acompanhar a implantação da Política Nacional de Mobilidade Urbana, discutir os entraves e propostas para elaboração dos planos municipais de mobilidade e acessibilidade, bem como tratar das questões referente ao transporte coletivo, de forma a reduzir os espaços para carros particulares, melhorar o transporte nas vias públicas e estimular os modos ativos de mobilidade, com a implantação de ciclovias e de calçadas transitáveis’, explica Acir Gurgacz no requerimento de criação do colegiado.