Arquivo da tag: recuperar o transporte público

Uma janela de oportunidade para recuperação do transporte público

Uma estratégia de recuperação econômica do transporte público desenvolvida pelo Banco de Desenvolvimento Asiático prevê fases que já estão sendo realizadas no Brasil

Foto: Mariana Gil/WRI Brasil Cidades Sustentáveis.

O sistema de transporte público, que já se encontrava em crise, observou perdas notórias de passageiros e consequente queda na receita. A quantidade de passageiros reduziu para 25% em muitas operações, algo nunca vivenciado antes pelo setor. Com desafios financeiros, o sistema depende de subsídios governamentais para continuar operando. 

Com isso, o Banco de Desenvolvimento Asiático (ADB), desenvolveu um relatório com análise da situação de alguns países em momento de crise e apontou uma expectativa para recuperação econômica do sistema de transporte. A curto e médio prazo, há necessidade de garantir a atratividade de um transporte público de modo sustentável, limpo e não poluente e, a longo prazo, as soluções devem abranger necessidades de mudança maiores, mas que podem auxiliar na construção de cidades inteligentes como avanços tecnológicos, big data, inteligência artificial, digitalização, entre outras soluções.

Frente ainda à incerteza na demanda por transporte público, o relatório aponta a  necessidade de revisão e planejamento de concessões que considere variáveis como infraestrutura das cidades, editais de inovação, propostas de financiamento e serviços de transporte adicionais. Esses pontos são essenciais para manutenção e viabilidade do serviço oferecido nas cidades.

Um estudo sobre os processos de políticas públicas relacionadas ao setor de mobilidade urbana conclui que somente são incluídas nas agendas de governos  os problemas que capturam sua atenção através de uma proposta de solução efetiva e, para ser transformado num item de política pública, ele deve ter o apoio de autoridades-chave no governo que auxiliarão na definição e decisão dos projetos.

Ou seja, levaria anos até para que os projetos atuais – que se encontram em desenvolvimento – estejam operando completamente, o que atrasa o desenvolvimento do setor de mobilidade urbana e aponta riscos maiores de colapso no sistema.

O ADB analisou o que as partes interessadas estão usando para compreender o comportamento de mobilidade urbana e possíveis tendências econômicas. As tendências são traçadas com base em dados de Big Data gerados através do uso de mapa, aplicativos e histórico de localização de pessoas. As principais fontes de dados são:

  • Google Mobility: através de dados de localização compartilhados por usuários de smartphones Android, o Google compara o tempo e a duração das visitas aos locais com os valores medianos no mesmo dia da semana às 5 semanas a partir de 3 de janeiro de 2020. 
  • Apple: a partir da contagem do número de solicitações feitas ao Apple Maps para rotas em países, regiões, sub-regiões e cidades selecionadas, a Apple faz uma comparação com o volume de linha de base do dia 13 de janeiro de 2020. 
  • TomTom: com o fornecimento de uma classificação global de congestionamento urbano, a empresa compara os níveis atuais com o congestionamento médio de 2019.

É importante ressaltar que estes não são conjuntos de dados exatos e as fontes usam métodos diferentes para calcular a atividade, assim, a precisão pode variar significativamente de país para país devido às características do usuário e densidade de smartphones. Portanto, pode não representar as características de deslocamento da população como um todo.

Contudo, a partir da análise destes dados, uma possível tendência futura se direciona à uma janela de oportunidades para a consolidação de serviços e a infraestrutura de rotas para melhor atender aos padrões e práticas de deslocamento no pós-COVID-19. 

Fases para recuperação do sistema de transporte público coletivo

O relatório desenvolvido pela ADB aponta análises para recuperação econômica do sistema de transporte público. A estratégia envolve três fases: a fase de resposta a curto prazo (até 3 meses), a fase de recuperação no médio prazo (até 1 ano), e a fase de rejuvenescimento a longo prazo (após 1 ano).

No prazo imediato, as empresas devem se concentrar principalmente na proteção e segurança da equipe de transporte e nos passageiros. A frequência de limpeza e sanitização de instalações compartilhadas devem ser intensificadas. Deve haver fortalecimento de medidas preventivas de distanciamento seguro. Fornecimento de atualizações aos funcionários e passageiros sobre novas infecções e mudanças nas frequências e rotas do transporte público. Implementação de sistemas de rastreamento e monitoramento de pessoas, possibilitando respostas ágeis para restringir ou relaxar o movimento conforme necessário. 

Quando as condições de saúde melhorarem e o risco de transmissão apresentar queda, a segunda fase de medidas pode ser considerada. Assim, na fase de recuperação, medidas de gerenciamento de demanda podem facilitar o controle de pessoas no transporte. Propostas de infraestrutura para caminhar e andar de bicicleta podem ser ampliados para absorver a demanda indireta do transporte público. E a avaliação de subsídios para concessões ou serviços já existentes é necessária para garantir a viabilidade financeira do sistema.

Com o avanço na melhora das condições de saúde, a terceira fase envolve a integração de procedimentos operacionais para garantir sistemas de transporte mais resilientes. Assim, a introdução de tecnologias avançadas voltadas à digitalização e inserção de sistemas sem contato, havendo também feitos esforços para ampliar a inclusão digital e obter sistemas integrados e ágeis. Todavia, o sucesso das medidas também depende da atuação dos cidadãos, o que pode exigir mudanças comportamentais e previsões instáveis.

O que empresas brasileiras já estão fazendo para evitar o colapso do transporte?

As cidades brasileiras ainda estão se adaptando à fase um, com medidas para higienização dos transportes. Alguns eventos promovidos por organizações da área visam compartilhar conhecimento entre operadores.

Paralelamente, algumas empresas já pensam no que podemos considerar durante as fases 2 e 3. A cidade de Uberaba tem testado pilotos de bilhetagem digital e estratégias de fidelização a fim de melhorar o sistema de transporte com a transformação digital dos processos. Em Porto Alegre, prefeitura propõe alternativas para financiar e gerar atratividade do sistema na cidade.

Ainda, chatbots têm sido experimentados para diminuição de atendimentos presenciais. A SPTrans, responsável pelo maior sistema sob pneus do mundo, em São Paulo, apostou nesse meio. Através de um sistema que fornece atendimento online, recarga e outras soluções online, os deslocamentos são evitados, principalmente de pessoas de risco como idosos e PCD.

O futuro do setor de transporte será fortemente influenciado por muito tempo

As experiências da crise financeira de 2008 demonstraram que os impactos de uma recessão econômica para um setor movido pela demanda como o transporte pode ser sentida por muitos anos. 

Ainda assim, mesmo com o transporte gerando dúvidas sobre a disseminação de COVID-19, ele deve ser projetado para desempenhar um papel importante na promoção de um transporte mais sustentável por meio de promoção ativa de veículos limpos, fornecimento de alternativas de viagem de qualidade e incentivo de meios de locomoção ativos, como caminhada e bicicleta, para melhorar em geral a saúde e o bem-estar da população.

Os governos precisam trabalhar em parceria com o setor privado para garantir que haja um ambiente regulatório e legislativo para facilitar a inovação. As crescentes demandas pedem uma abordagem mais centrada no usuário na concepção e entrega de serviços de transporte.

Logo, mais pesquisas são necessárias para entender o que precisa ser implementado para melhorar a preparação e agilidade do sistema de transporte para enfrentar outros desafios. É necessário explorar medidas alternativas para mitigar impactos operacionais e financeiros, coletar dados de comportamento e padrões de locomoção, prever cenários futuros e elaborar estratégias para orientar o planejamento e desenvolvimento de projetos de transporte. Também é preciso fortalecer a política, o diálogo e a assistência técnica para apoiar o desenvolvimento do setor.

A médio prazo, recomenda-se intensificar os esforços para promover o transporte público em projetos para contrariar a tendência negativa de preferência à veículos privados, fornecer alternativas de deslocamento seguro com infraestrutura de qualidade para  caminhada e ciclismo, e desenvolvimento de projetos para infraestruturas sustentáveis. Nossas ações hoje impactarão o ambiente e a qualidade de vida nas próximas décadas.

[crowdsignal rating=8915070]

Isso é obrigatório.
Isso é obrigatório.

O transporte público por um fio: o Projeto de Lei que visa subsidiar o sistema

Caso não haja incentivos financeiros da União, o transporte público pode entrar em colapso até o final do ano

Foto: WRI Brasil

O serviço de transporte público brasileiro pode ser totalmente paralisado. Os prejuízos no setor giram em torno de R$ 3,72 bilhões este ano, com queda de 60% no número de passageiros durante pandemia, de acordo com o presidente-executivo da NTU, Otávio Cunha.

O setor de transporte rodoviário também apresentou redução de R$ 3,6 bilhões na arrecadação de bilhetes no segundo trimestre de 2020 e o número de passageiros caiu 73% entre os meses de abril e junho do mesmo ano, de acordo com a Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos (ANPTrilhos).

A fim de mitigar os efeitos da pandemia no setor, o auxílio destinado aos sistemas de transporte coletivo por meio de apoio financeiro da União, que estava disposto na Medida Provisória 938, foi retirado. Agora ele será apresentado como Projeto de Lei para ser votado no dia 29 de julho de 2020 e envolve um auxílio de até R$ 4 bilhões.

O Projeto de Lei (n. 2025/20) institui o Programa Emergencial Transporte Social, o qual consiste na compra de créditos eletrônicos de passagens através de recurso destinado pelo Governo Federal. 

O Programa tinha sido proposto em parceria com Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes de Mobilidade Urbana, Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP) e Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), no início de junho de 2020.

De acordo com o Projeto, cada crédito corresponderá a uma tarifa pública vigente no sistema de transporte público coletivo por ônibus de cada município, ou região, e serão destinados preferencialmente aos beneficiários dos programas sociais federais e/ou municipais existentes.

Os recursos serão disponibilizados a todas as capitais de Estado, ao Distrito Federal e aos Municípios com população superior a 300 mil habitantes, ou integrantes de Região Metropolitana com mesmo contingente habitacional.

Segundo o Projeto, os recursos poderão ser usados para aquisição de bens essenciais; reforçar frota para atender demanda durante pandemia; pagamento de salários atrasados; pagamento direto de valores para reequilíbrio de contratos; contratação de prestação de serviços de transporte de pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida em veículos adaptados; e outros meios admitidos em ato do Poder Executivo.

Enquanto o apoio ainda precisa ser aprovado, empresas de transporte lutam contra um novo golpe em suas finanças…

A desoneração da folha de pagamento, benefício concedido em 2011 para 17 setores da economia, corre o risco de chegar ao fim em 2020. A cobrança previdenciária de empregados, na qual o transporte público se inclui na isenção, tinha previsão de término ao final deste ano, mas a crise econômica torna necessária uma extensão do prazo, segundo especialistas.

De acordo com estudo realizado pela Associação das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), o fim do benefício coloca em risco 405 mil empregos diretos e aumenta em até 5% os custos de operação do setor a partir de janeiro de 2021, o que envolve o aumento do valor de transporte.

Para minimizar esse impacto, o Congresso Nacional aprovou, por meio da MP 936, a extensão do prazo até 2021 sob o argumento de preservar empregos e dar fôlego aos ramos que mais empregam no Brasil.

No entanto, em junho de 2020, o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, sancionou com vetos a MP. Entre os pontos vetados está a prorrogação até 2021 da desoneração da folha de pagamento de empresas de 17 setores da economia.

Assim, quando um presidente veta trechos de um projeto aprovado pelo Legislativo, os vetos são analisados por deputados e senadores. Para isso, a medida segue em deliberação.

“Se os governos não socorrerem as empresas, não socorrerem o transporte público nesse momento de crise, o serviço vai virar o caos. Se o fim da desoneração vier, é mais problema. As empresas vão paralisar rápido. Não é somente o problema do desemprego, o serviço vai parar”

– Otávio Cunha, presidente-executivo da NTU.

O futuro do transporte público se encontra nas mãos de poucos, e as próximas semanas serão decisivas em suas perspectivas pós-crise. 

[crowdsignal rating=8915070]

Isso é obrigatório.
Isso é obrigatório.