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O rodízio agora é de pessoas: o futuro do trabalho é um modelo híbrido de casa e escritório

A tendência de home office se demonstra cada vez mais difundida e especialistas apontam que o modelo veio para ficar, no entanto, alguns cuidados devem ser considerados para que empregados e empregadores não sejam prejudicados

Foto: Deliris/Shutterstock.

O home office ganhou forças durante a quarentena, e na mesma velocidade o trabalho remoto alavancou. Mesmo sendo modelos bem parecidos, há uma pequena característica que os distingue e, segundo especialistas, existem grandes chances de permanecerem no pós pandemia.

O trabalho remoto em si se caracteriza como toda prestação de serviços feita à distância. Ou seja, embora exista o escritório físico, as atividades se concentram fora, seja na mesma cidade, em outro estado ou país, um coworking e até trabalhar de casa. Enquanto o home office, podendo também se caracterizar como trabalho remoto, é um modelo no qual profissionais trabalham exclusivamente em casa. 

De acordo com Tiago Santos, CEO da Husky, fintech para pagamentos internacionais no Brasil, “Todo home office é trabalho remoto, mas definitivamente nem todo trabalho remoto é home office”.

O trabalho remoto no Brasil e no mundo

Em agosto de 2020, o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) divulgou uma nota técnica apontando que a adesão ao trabalho remoto foi maior no setor público do que no privado. De acordo com os dados analisados no mês de junho de 2020, cerca de 24% dos trabalhadores do setor público aderiram ao novo modelo, para apenas 8% no setor privado, observando aumento das metas de produtividade e aceleração do ritmo de trabalho. 

A tendência de trabalhar em casa se demonstra cada vez mais difundida e especialistas apontam que o modelo veio para ficar. No entanto, vale ressaltar que a aplicabilidade varia dependendo da área de atuação. A análise do McKinsey Global Institute conclui que o potencial para trabalho remoto se concentra entre trabalhadores altamente qualificados em diversos setores, ocupações e locais.

De acordo com o levantamento, mais de 20% das pessoas empregadas nos Estados Unidos poderiam se manter remotamente de três a cinco dias por semana com a mesma eficiência do trabalho em um escritório. Caso o cenário se mantivesse, o resultado seria um aumento de três a quatro vezes mais pessoas trabalhando em casa do que antes da pandemia, o que poderia impactar a economia e a mobilidade urbana principalmente.

No entanto, o estudo aponta que o trabalho remoto pode acentuar as desigualdades sociais, pois mais da metade dos empregos apresentam pouca ou nenhuma oportunidade de atuar neste modelo. Ou seja, empregos que requerem interação com outras pessoas, uso de máquinas ou equipamentos fixos, realização de entregas e entre outros empregos que possuem baixa remuneração e são mais vulneráveis ​​a tendências de automação e digitalização.

Além disso, o Instituto assumiu que algumas atividades são muito mais efetivas se realizadas presencialmente. Dessa forma, para analisar essas diferenças, criaram uma métrica que considera o tempo gasto em diferentes atividades dentro das ocupações revelando que, setores com maior potencial de trabalho remoto são caracterizados por uma elevada proporção de trabalhadores com ensino superior completo.

Por fim, o estudo ressalta que o potencial varia entre os países, tanto no setor de ocupação, quanto na combinação de atividades remotas e presenciais, em decorrência de sua economia. Essa diferença é explícita quando comparamos dois países como Alemanha, onde 27% das pessoas empregadas podem trabalhar remotamente entre três a cinco dias por semana sem afetar a produtividade, enquanto na Índia esse percentual cai para 5%.

Gráfico referente a produtividade relacionada por número de dias de trabalho remoto sem perda de produtividade (a análise incluiu apenas atividades que puderem ser realizadas remotamente sem perder a eficácia). Fonte: McKinsey Global Institute.

No Brasil, a diferença no potencial do trabalho remoto apresentou diferença entre o setor público e o setor privado. De acordo com nota do Ipea,  todos os setores ficaram abaixo do potencial. No entanto, ao considerar a escolaridade, o instituto observou um crescimento além do esperado para pessoas com Ensino Superior completo ou pós-graduação.

Mudanças necessárias

A mudança na modalidade de trabalho pode indicar para as empresas a necessidade de menos espaço para escritórios, e várias já planejam reduzir despesas imobiliárias. No entanto, será necessário ajustar as práticas de trabalho para que haja ganhos potenciais de produtividade no novo modelo.

Um grupo de pesquisadores do Grupo de Estudo Trabalho e Sociedade (GETS), da Universidade Federal do Paraná (UFPR), e pesquisadores da Rede de Estudos e Monitoramento Interdisciplinar da Reforma Trabalhista (REMIR), apontou gastos excedentes e não disponibilização de equipamentos necessários para o trabalho remoto principalmente aos servidores do setor público. Além disso, a maior parte relatou dificuldades em realizar o trabalho fora do escritório e consideraram que a qualidade do mesmo é melhor quando a atividade é presencial.

De acordo com o Ministério da Economia, o Governo Federal economizou com o trabalho remoto, entre abril e agosto de 2020, cerca de R$ 1 bilhão, incluindo o pagamento de auxílios adicionais e despesas com diárias, passagens e locomoção, serviços de água, esgoto, energia elétrica, cópias e reprodução de documentos. Esses custos foram repassados diretamente ao trabalhador, afetando, no setor público, cerca de 56% e, no setor privado, 43%, além de que a preocupação em disponibilizar equipamentos à pessoa empregada foi maior no setor privado do que no público, segundo o levantamento realizado entre GETS e REMIR.

No entanto, mesmo que sobre aspectos legais, o empregador não é obrigado a custear essas despesas relacionadas à água, internet, telefone e energia, estes devem ser previamente acordados e formalizados em contrato. Além do mais, de acordo a base de dados das Varas de Trabalho, os casos de trabalhadores reclamando das condições do home office subiram de 46 entre março e agosto de 2019 para 170 no mesmo período de 2020. Apenas no mês de junho de 2020 foram abertos 46 processos dessa natureza. 

Atualmente, o Brasil ocupa o 5º lugar no ranking de países que apresentam mais dificuldades de adaptação à nova modalidade, de acordo com pesquisa divulgada por pesquisadores do Massachusetts Institute of Technology (MIT). Dentre as principais razões encontram-se: internet de baixa qualidade, cuidado com moradores menores de idade e a falta de dados sobre os profissionais que possuem experiência no trabalho remoto.

O estudo do MIT apontou que 67% da população possui acesso a uma internet com velocidade média de 24 Mbps, enquanto a média mundial é de 45,48 Mbps. Além disso, 47% das famílias brasileiras têm um morador com menos de 15 anos de idade, necessitando de uma atenção maior durante o dia, sobrecarga que afeta principalmente as mulheres. Ainda, dados apontam a sobreposição do tempo de trabalho e não trabalho e a falta de interação com colegas. 

“As necessidades, que já eram diversas, aumentaram. Tivemos uma mudança de comportamento. O delivery cresceu muito, os gastos com supermercado aumentaram, os com mobilidade despencaram e foram compensados por gastos na saúde, como farmácia e terapia online”

explica Ricardo Salem, CEO da Flash Benefícios.

Pelo fato do modelo de trabalho remoto híbrido persistir após a pandemia, isso exigirá mudanças necessárias para as empresas e organizações que queiram manter a qualidade e produtividade no trabalho. Isso implicará em investimentos em infraestrutura digital, liberação de espaço para escritórios, transformação estrutural de cidades, serviços de alimentação, imóveis comerciais e varejo. Para a maioria das empresas, essa mudança exigirá a reinvenção de muitos processos e políticas.

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14 Principais tendências para mobilidade urbana e transporte público em 2021

O ano passado foi único e difícil para a grande maioria das pessoas e setores econômicos, e a mobilidade urbana foi um dos mais afetados. Pelo mundo todo, ruas ficaram vazias, empresas de transporte público reduziram drasticamente frotas, companhias de micromobilidade encerraram serviços e governos buscaram auxiliar financeiramente as operações de transporte urbano, impedindo sua interrupção. 

Após diversas análises e insights sobre as principais tendências em mobilidade urbana para a década, iniciada em 2020, nos perguntamos se as tendências para 2021 continuam as mesmas projetadas há pouco mais de um ano, ou se existem novos rumos ao setor. 

Analisando informações de empresários, agentes do setor e produtores de conteúdos relevantes sobre o tema, chegamos à conclusão de que algumas tendências projetadas no início da década se acentuaram e novos desafios ocupam lugar central no debate sobre mobilidade urbana no mundo. Especialmente no Brasil, problemas estruturais nos deixam com um senso de urgência por mudança. 

Este artigo não pretende ser um documento definitivo sobre o contexto atual, mas sim levantar questões e provocações que gestores, planejadores, operadores e pesquisadores precisarão se debruçar nos próximos meses, como:

  1. Teletrabalho e novas dinâmicas de mobilidade
  2. Novo marco regulatório
  3. Infraestrutura das cidades
  4. Setor público e privado de transporte
  5. Revisão de benefícios
  6. Tarifação de carros
  7. Regulação do transporte rodoviário
  8. Liberdade contratual e novas tecnologias
  9. Fretamento
  10. Reconhecimento facial
  11. Canais digitais de atendimentos
  12. Gestão orientada a dados
  13. Dança das cadeiras no transporte público
  14. O êxodo das Gestoras de Bilhetagem

Teletrabalho e novas dinâmicas de mobilidade

Ao final de 2020, apenas 61% do público pré-pandemia estava circulando no transporte público brasileiro. Mesmo as estimativas mais positivas reconhecem que talvez a demanda nunca volte aos níveis anteriores, pois a relação da sociedade com o trabalho tende a permanecer diferente, mesclando modelos entre presencial e digital. 

Ao que tudo indica, mesmo no fim desse período dramático, alguns profissionais tendem a ter a opção de ficar em casa por alguns dias da semana, ou seja, o rodízio que antes era de carros passou a ser de pessoas nos escritórios.

Esse novo marco no modelo de trabalho tende a diminuir o trânsito e também o número de usuários do transporte público de forma permanente. Com isso em mente, fica ainda mais urgente uma reformulação no modelo de financiamento do transporte público, hoje pago principalmente pela tarifa, para atrair novos usuários. Com menos gente, o sucateamento de sistemas públicos tende a se acentuar se nada for feito. 

Novo marco regulatório no transporte público

Mudar a forma como as empresas de transporte público são remuneradas e financiam as operações não passa, exclusivamente, por novos subsídios públicos. Apesar de poucas cidades no país contarem com apoio governamental na estrutura de financiamento, especialistas defendem mudanças mais profundas para recuperar o transporte público

Além de subsídios públicos, a forma como são remuneradas, tarifas aplicadas ao carro individual e características da licitação, como implementar uma diferenciação entre quem fornece ônibus e garagens e quem opera o transporte público, são estratégias defendidas num novo marco regulatório do setor. 

Há a necessidade de trazer mais dinamismo e competição aos sistemas de transporte e licitações inovadoras são uma estratégia, mesmo em concessões que já tenham começado, por meio de Aditivos Contratuais. É o que defende Rafael Calabria, pesquisador e coordenador do Programa de Mobilidade Urbana do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), em entrevista ao podcast Agora é simples. Na edição, Calabria também aborda os novos contratos de Bogotá e Santiago, que trazem para a América Latina essa perspectiva e aproximam o debate do Brasil. 

Ouça:

Além disso, novas licitações e o marco regulatório podem definir padrões de abertura de dados em mobilidade, garantindo a interoperabilidade entre sistemas. A infraestrutura para isso já existe, porém faltam políticas públicas para garantir a escalabilidade de projetos em mobilidade como serviço

Infraestrutura das cidades 

No começo da pandemia, cantamos a bola de que o Brasil poderia tirar proveito da quarentena para fechar ruas, abrir ciclovias temporárias – que se tornariam permanentes com mais investimentos num momento posterior – além de reformar calçadas, iluminação e todo o mobiliário urbano. 

Num primeiro momento, essas modificações serviriam para diminuir aglomerações nas ruas e dar mais possibilidades para as pessoas adotarem modos ativos de transporte. 

Infelizmente, as prefeituras pelo país estavam ocupadas demais cuidando de uma pandemia sem organização central, e o debate pouco avançou no país. Mas ainda há tempo. 

Com o teletrabalho, os horários flexíveis e a integração multimodal, o investimento no aparelho urbano é inevitável. As pessoas irão fazer deslocamentos mais assertivos e os diferentes meios de transporte precisarão de integrações físicas, além da tarifária.

Especialistas têm chamado isso de “Hub de Mobilidade”, espaços onde bicicletas, patinetes, ônibus, táxis, trem e metrô se encontram. 

A UITP, no paper “New mobility and urban space: How can cities adapt?” classifica os hubs como “Espaço urbano dedicado onde todas as opções de transporte estão disponíveis, de transporte público a bicicletas e modos compartilhados, incluindo serviços de entrega”

Por sua vez, Marlon Rúbio Longo, analisando os planos diretores da cidade de São Paulo nos diz que:

Em função dos diversos modais articulados, [os hubs de mobilidade] são pontos privilegiados de acessibilidade e conectividade em escala local e metropolitana, superando a definição técnica e funcional exclusiva de equipamentos de transporte e posicionando-se como fortes indutores de transformações urbanas.

Convergência entre meios privados e públicos de transporte

Até o momento, a entrada de novos operadores de transporte privados foi ruidosa nos mercados mundo afora. A briga entre Uber e taxistas evidenciou um relacionamento competitivo entre o transporte público tradicional e os modernos serviços sob demanda na década passada. 

Mesmo a micromobilidade é vista como concorrente, são os casos de bicicletas e patinetes. Não é incomum ver planos de ciclovias e ciclofaixas contemplarem apenas trechos entre bairro-terminal, sem dar a opção necessária de complementar todo um caminho, por exemplo bairro-centro, de bicicleta. 

Agora, mais do que nunca, a percepção generalizada é a de que operadores tradicionais devem agir em harmonia. Existe convergência de objetivos, que podem se materializar em integrações físicas e tarifárias. É o que já admite instituições como a UITP (Associação Internacional do Transporte Público). Não precisamos trabalhar apenas como concorrentes. 

Na imagem: diferentes provedores completam a mobilidade urbana. Divulgação: ONBOARD. 

O transporte público de massa tradicional não consegue atender hoje a todas as demandas, sendo custoso e ineficiente em áreas de baixa densidade populacional. Além disso, estações de trem e metrô por vezes estão a mais de 1km de distância, principalmente nas metrópoles do sul global, e isso torna ainda mais importante a complementação da micromobilidade na primeira e última milha

Teria, assim, um aspecto geográfico nesta política de convergência dos modais, buscando atender áreas que hoje tem acesso deficitário, como as periferias. Num país desigual como o Brasil, isso torna a iniciativa ainda mais importante. É comum regiões afastadas terem corte de ônibus durante finais de semana, dificuldade de acesso à lazer e cultura, além de estarem vulneráveis ao transporte irregular, motos e até milícias

“A principal falha do mercado, aqui, é que o transporte público, o táxi e outros serviços de mobilidade compartilhados estão simultaneamente no excesso de oferta no centro da cidade e na falta de oferta nos subúrbios. Eles competem onde está o dinheiro, em vez de colaborar para satisfazer todo o horizonte de demanda.”

Josep Laborda, estrategista de Mobilidade urbana 

Para incentivar a integração, a diminuição do carro privado, e com isso a redução de poluição e trânsito nas cidades, subsídios à micromobilidade podem ser adotados. Essa ideia começa a ganhar força na Europa, onde o transporte público já é amplamente subsidiado.  

No Brasil, onde em poucas cidades o poder público subsidia os sistemas e o governo federal se abstém do debate, a entrada de novos meios e operadores pode impulsionar a vinda do apoio público à mobilidade urbana. 

É o caso de subvencionar R$1 numa viagem de bicicleta de R$2, que tenha como ponto de começo ou fim um terminal de transporte público de massa. Esse último ponto é importante, pois este subsídio só deve ser aplicado quando a viagem possui integração em algum ponto com o transporte coletivo

De acordo com uma pesquisa da University of Sydney Business School, cerca de metade de todas as pessoas que vivem nas principais cidades australianas abandonariam seus carros particulares se pudessem viajar até cinco quilômetros de Uber ou táxi para um centro de transporte público por uma tarifa limitada de US $ 5.

Josep Laborda.

Um olhar mais econômico para o transporte público também nos leva à tendência seguinte, a revisão de benefícios. 

Benefícios no transporte público serão revistos progressivamente

No país, as gratuidades e benefícios de meia-entrada no transporte público são dadas pelo poder legislativo ou executivo local, no geral sem contrapartidas financeiras. Segundo estudos da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), as passagens podem ser reduzidas em até 20,9% se houver o financiamento das gratuidades por outras fontes específicas para o custeio dos benefícios. 

É possível reduzir o preço da passagem, pois esses descontos são repassados ao resto dos clientes por meio do subsídio cruzado, ou seja, quem é pagante tem embutido no preço da passagem as gratuidades cedidas pelo poder público. 

Sem dúvida, sendo um direito previsto na constituição brasileira, a mobilidade urbana precisa ser acessível e isso inclui sim benefícios aos mais vulneráveis. Por outro lado, aspectos socioeconômicos precisam ser levados em conta. 

Isso é nítido em gratuidades para estudantes, por exemplo, que abrangem todos e não somente aqueles de renda mais baixa. Incluem-se nesse benefício estudantes ricos e de classe média alta de escolas particulares. O mesmo acontece com idosos. 

Recentemente, a prefeitura e o governo do estado de São Paulo retiraram as gratuidades para idosos entre 60 e 64. A notícia gerou polêmica e com razão, pois não veio acompanhada de uma nova forma de subsídio por renda, ao invés de idade. 

Os benefícios precisam ser revistos, com um olhar atento às desigualdades no Brasil. Da mesma forma, novas propostas de gratuidades e descontos precisam obrigatoriamente ter fonte de recursos em projetos de lei, para não se tornarem responsabilidade única do usuário pagante. 

A tarifação dos carros não poderá ser ignorada

Tarifar o uso do carro não é mais tabu em muitas partes do mundo, mas no Brasil legisladores e prefeitos ainda são reticentes em adotar medidas para desestimular o uso de veículos particulares. 

É claro que já existe IPVA e outros impostos, mas no geral o uso das vias nas cidades não é tributado, sendo que é usado para fins privados e os custos de seu uso são socializados. Isso quer dizer que alguém com um carro divide o custo social de tê-lo (trânsito, barulho, poluição, acidentes, etc.) com quem não tem (quem precisa ficar parado no trânsito dentro de um ônibus, por exemplo). 

Londres, Cingapura e Nova Iorque já avançaram nesse tema, propondo tarifas de congestionamento. Os valores arrecadados nessa tributação servem para subsidiar o transporte público e novas opções de mobilidade, além de tirar incentivos que por anos levaram à compra de carros. 

O estacionamento rotativo (em alguns lugares Zona Azul) também tem sido aprimorado para evitar a evasão e aumentar os estacionamentos pagos. Hoje, o processo de catalogação, análise e abertura de novas vagas é feito manualmente, mas novas soluções começam a surgir para automatizar esse trabalho e garantir às prefeituras receitas acessórias, que podem contribuir para o transporte público e mobilidade urbana. 

É um giro nas políticas desenvolvimentistas do último século, que tiveram na posse do carro próprio um de seus pilares. 

O debate sobre a regulação do transporte rodoviário vai esquentar

No final do ano passado, um projeto de lei passou no Senado e está em tramitação na Câmara dos Deputados, propondo uma limitação no acesso às autorizações de linhas de ônibus rodoviário. O modelo atual, em vigor desde 2014, extinguiu a necessidade de licitações e passou a exigir apenas uma autorização para que empresas oferecessem novas linhas e itinerários. 

O projeto também estipula um patrimônio de R$2 milhões para empresas de transporte rodoviário atuarem e solicitarem autorizações. Essas medidas tendem a limitar a concorrência no setor. 

Por outro lado, a abertura do mercado para aplicativos de fretamento, como a Buser, tende a esquentar o setor. Embora esteja sofrendo derrotas em vários estados, em Minas Gerais o governo do estado autorizou o serviço da companhia por meio de decreto que libera a circulação de ônibus fretados via aplicativo e remove a necessidade de que as listas de passageiros sejam divulgadas para os órgãos de fiscalização com muita antecedência.

O decreto veio após um forte lobby da Buser no governo, prometendo R$100 milhões em investimentos no Estado. Deu certo, embora 40% desse valor, sejam em publicidade para a empresa e descontos para novos usuários, o que na prática limita e muito o potencial impacto na geração de empregos em MG. 

A convergência de menor concorrência no transporte rodoviário tradicional e de liberação de empresas de tecnologia pode levar a um sucateamento do setor. Assim como a Uber, empresas como a Buser são altamente dependentes de capital intensivo e têm dificuldades em se manter no longo prazo. Se a liberação for geral e a concorrência no setor regulado for menor, o passageiro final é quem sofrerá: menos linhas, menos horários e menos benefícios. 

Liberdade contratual e novas tecnologias no transporte público

Longe de cair no lugar comum de apenas falar sobre novos meios de pagamento, tecnologias no transporte público dizem respeito também a investimentos certeiros na transformação digital do setor. 

Por anos, o transporte público permaneceu o mesmo e algumas áreas, como a bilhetagem, pouco  ou nada inovaram desde seu lançamento. Num cenário de crise, se fazem necessárias tecnologias que possam ser atualizadas constantemente e hardwares completos que integrem diversos serviços. 

Já falamos disso aqui e aqui

As políticas de prestação de serviços hoje, muito orientada a reter operações de transporte com softwares fechados e hardwares com pouca inovação não faz sentido numa era SaaS (Software as a Service). 

Ao falarmos de pagamentos, haverá um delineamento acentuado dos vencedores. Enquanto o EMV, padrão comum aos cartões bancários, encontra dificuldades em se popularizar e têm seu avanço estagnado, o QR Code passa a entrar na vida das pessoas por meio do PIX e do grande trabalho de comunicação que tem sido feito. No transporte público e na mobilidade integrada, ao que tudo indica, teremos os códigos tridimensionais como vencedores. 

Fretamento é a bola da vez

A aplicação do distanciamento social como medida de segurança para evitar o contágio do COVID-19 implodiu o serviço de transporte público junto com seu modelo de negócios atual que depende da lotação. Por outro lado, o fretamento foi altamente beneficiado pela medida, uma vez que empresas, preocupadas com a saúde dos seus funcionários ou atendendo às exigências de saúde e tentando evitar a paralisação de suas operações/produção, passaram a contratar o dobro da capacidade de transporte em fretamento. 

Isso trouxe alívio para as empresas que operam tanto o transporte público quanto o fretamento e um aumento significativo de capital para as empresas que operam apenas o fretamento e conseguiram atender a essa demanda. 

A má notícia é que esse aumento de demanda não irá permanecer com o fim do distanciamento social. A boa notícia é que as empresas estão buscando formas de gerenciar melhor a mobilidade de seus funcionários, assim como as suas políticas de transporte. Isso se configura como uma grande oportunidade para empresas de fretamento que conseguirem modernizar suas operações para atender essa nova demanda das empresas podendo assim aumentar a sua participação de mercado e agregar valor ao serviço prestado. 

A Bilhetagem Digital tem um papel fundamental no fretamento do futuro. Controle de presença, reserva de assentos, previsão do ônibus, painel de gestão com relatórios customizáveis são só algumas das funcionalidades que o fretamento pode oferecer para as empresas através da Bilhetagem Digital.

Reconhecimento Facial dando as caras

Com a revisão progressiva dos benefícios no transporte público a verificação dos portadores de benefício se fará cada vez mais necessária, principalmente porque os se tornaram cada vez mais escassos. E é aí que o reconhecimento facial entra para apoiar as operações de transporte público. 

Sabemos que as tecnologias aplicadas no transporte público atualmente, que já não eram satisfatórias, se tornaram ainda menos eficientes com a chegada das máscaras que permanecerão em nossa rotina diária mesmo após a vacinação, seja na boa ou na má intenção.

Por isso é fundamental que os gestores contratem soluções de empresas que realmente dominem Inteligência Artificial e Machine Learning, pois só essas empresas terão condições de evoluir o sistema de reconhecimento facial melhorando a sua performance continuamente.  E ao contrário do que se imagina, isso acaba sendo muito mais barato, pois o desenvolvimento e manutenção dos algoritmos estão internalizados.

A grande novidade é que o reconhecimento não estará mais restrito ao momento de embarque do passageiros e passará a fazer parte do cadastro. Os principais para isso são as revisões para concessão de benefícios tarifários, maior conveniência para os clientes e automatização de processos internos a fim de aumentar a eficiência e reduzir os custos das operadoras.

Chame o gerente, ou melhor o chatbot

O que era um movimento tímido de algumas empresas vanguardistas que buscavam melhorar o seu atendimento e o relacionamento com seus clientes, passou a ser uma questão de necessidade e sobrevivência. Durante a pandemia os postos de atendimento são fechados constantemente, o número de atendentes foi reduzida e a demanda de atendimento quando não se manteve ela aumentou devido às dúvidas geradas pela diminuição da oferta de ônibus, alterações de horários e linhas e informações de onde carregar créditos uma vez que postos e estabelecimentos estão fechados.

As empresas que já haviam incorporado canais digitais e chatbots para automatização de atendimentos estão lidando melhor com o momento atual. Além de estarem conseguindo atender de forma efetiva, rápida e satisfatória a demanda de seus clientes, estão conseguindo reduzir seus custos fixos e se tornarem mais eficientes. Afinal, os bancos não estão fechando agências à toa.

A multicanalidade ainda não é uma realidade no transporte público devido às limitações da tecnologia central dos sistemas de transporte público, a bilhetagem. Se o transporte público não se mexer o cliente vai continuar achando uma opção melhor. Afinal, já é possível pedir um carro ou até mesmo comprar um carro pelo WhatsApp, mas para usar o transporte público o cliente precisa ir presencialmente em um lugar combinado, em um determinado horário, que inclusive coincide com o horário que ele tem que trabalhar só pra conseguir um cartão. E se ele tiver problema com esse cartão o caminho é o mesmo.

Se o caixa é o Rei, os dados são o seu Conselheiro

A redução do tamanho do transporte público em número de passageiros, a curto prazo, é um caminho sem volta. Portanto, uma profunda revisão das linhas e do tamanho da frota devem acontecer com cada vez mais frequência visando a sustentabilidade das empresas e suas operações. 

Novos desafios exigem novas soluções. Pesquisas de campos, por exemplo, são caras, levam muito tempo para serem produzidas e ficam desatualizadas muito rapidamente no contexto atual. As tecnologias permitem novas metodologias para esses antigos problemas e a contagem de passageiros é uma delas. A pesquisa que era feita de tempos em tempos agora pode ser feita em tempo real utilizando câmeras

A gestão orientada a dados e evidências com revisões operacionais constantes deixaram de ser um diferencial competitivo das empresas de transporte coletivos para se tornarem uma questão de sobrevivência.

A dança das cadeiras no transporte público

Se antes da pandemia muitas empresas já estavam passando por dificuldades financeiras, com algumas falências sendo noticiadas, agora esses casos se tornaram ainda mais comuns, assim como as greves e paralisações já são mais frequentes.

Tudo isso tem provocado uma série de movimentos no mercado, com algumas empresas assumindo a operação de outras, seja por compra, troca ou pela falência. Ao assumir uma nova operação muitas vezes a operadora de transporte acaba tendo poder de barganha com o poder concedente devido a urgência em manter o transporte da cidade funcionando. No entanto, muitas vezes isso está associado ao aumento da tarifa e como já sabemos o aumento da tarifa não é sinônimo para equilíbrio financeiro e acaba por intensificar o problema.

Podemos esperar para os próximos anos a consolidação de algumas empresas e grupos do setor que estão melhor preparados para aproveitar as oportunidades que surgirão durante essa quebradeira toda. Além disso, podemos esperar também um aumento/retorno do transporte clandestino colocando mais cadeiras nessa dança. 

O êxodo das Gestoras de Bilhetagem

Com o dinheiro cada vez mais curto, as operadoras de transporte público estão apertando os cintos para conter gastos. No entanto, quando a gestão da bilhetagem é terceirizada o controle de gastos está fora do alcance das operadoras que continuam tem um custo com o comissionamento da receita total do sistema pago a essas gestoras.

Por outro lado, as Gestoras de Bilhetagem também viram suas receitas diminuírem com a queda de passageiros e buscarão o reequilíbrio de seus contratos pelo aumento de seu comissionamento, mesmo caso do modelo de financiamento do transporte coletivo que o afundou na crise que se encontra hoje.  

Além disso, as Gestoras atuais sofrem, historicamente, com a dependência tecnológica de empresas fornecedoras de bilhetagem. A falta de inovação e os sistemas fechados dessas bilhetagens impõem limitações a essas Gestoras que por sua vez não conseguem ajudar as operadoras – suas clientes –  a saírem da crise. Sem inovar e sem resgatar os passageiros fica difícil chegar em um acordo de reequilíbrio contratual o que implicará em rescisões e internalização da bilhetagem por parte das operadoras.


Todas as tendências acima não são um fim em si mesmas e estão conectadas às demandas atuais da mobilidade brasileira. A ONBOARD, editora do Agora é simples, é vanguarda em algumas dessas tendências ao contribuir com a transformação digital do transporte público. 

Conheça as ações em www.onboardmobility.com

Essa é nossa visão sobre o assunto a partir de nossa atuação, pesquisas e relacionamento com o mercado. O que você achou? Amando ou odiando, achamos importante te ouvir e construir saberes em conjunto. Comente aí o que achou e se inscreva na newsletter para acompanhar os debates! 

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O home office veio para ficar?

A maioria das multinacionais que atuam no Brasil apostam no home office para o pós pandemia, no entanto, a aplicabilidade pode ser diferente nas regiões do país

O home office aumentou significativamente no Brasil durante pandemia. De acordo com dados do IBGE da 1ª quinzena de agosto de 2020, 32,3% das empresas adotaram o trabalho domiciliar (teletrabalho, trabalho remoto e trabalho à distância).

Várias empresas anunciaram que vão manter o trabalho remoto mesmo depois da pandemia. De acordo com pesquisa da consultoria Cushman & Wakefield, 74% das multinacionais que atuam no Brasil projetam adoção do home office no pós-pandemia.

De acordo com a consultoria, obtida pela Exame, a pesquisa foi realizada com 122 executivos de multinacionais que atuam no país. Como resultado, para 25,4% das pessoas entrevistadas, a experiência do trabalho remoto é totalmente positiva e, para 59%, há mais pontos positivos do que negativos.

Todavia, antes do isolamento social, 42,6% das empresas brasileiras nunca tinham adotado a prática. Além disso, cerca de 24% das companhias apenas consideravam o home office como uma possibilidade apenas em análise, nada concreto.

O que se projeta agora é um cenário definitivo de ao menos 30% na adoção do home office no País, em relação ao quadro pré-pandemia, segundo o professor André Miceli, coordenador do MBA em Marketing e Inteligência de Negócios Digitais da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

“Muitas empresas não testavam o home office ou, se testavam, ficavam com a sensação de que não funcionava. Mas é um modelo que foi posto à prova de uma forma que não havia sido antes”

– André Miceli para o Estadão.

No entanto, a proporção do teletrabalho nas regiões do Brasil não é igual. O Sudeste apresenta o maior índice atualmente, com 41,2% de adoção do home office, seguido pelo Nordeste (29,5%), Centro-Oeste (23,%), Sul (20,5%) e Norte (19,6%).

Mesmo assim, a mudança na modalidade de trabalho e consequente redução de pessoas circulando nas cidades não influenciará muito no trânsito e na mobilidade urbana. Isso se deve à correlação com a possibilidade de home office e a renda per capita dos estados brasileiros. 

De acordo com estudo publicado pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), economias de baixa renda apresentam parcela menor de trabalhos que podem ser realizados remotamente. Apenas 22,7% dos empregos no Brasil podem ser realizados inteiramente em casa.

No entanto, há variações significativas entre as diferentes Unidades da Federação (UFs) e os tipos de atividades ocupacionais. O Distrito Federal, por exemplo, apresenta o maior percentual de potencial para home office (31,6%), enquanto o Piauí apresenta o menor percentual (15,6%).

No que diz respeito as atividades ocupacionais, profissionais das ciências e intelectuais apresentam o maior potencial de teletrabalho (65%), seguido por Diretores e Gerentes (61%). Já para as funções como agropecuária, florestais, operação de instalações, máquinas e montadores, membros das Forças Armadas, policiais, bombeiros militares e outros, não apresentam potencial de aplicabilidade.

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