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Transformação digital: mais uma corrida que os carros estão largando na frente do transporte público

“Se o transporte público não se adequar, nem um serviço 100% gratuito irá salvá-lo”, diz Luiz Renato M. Mattos, CEO da ONBOARD

A transformação digital nas empresas tomou um ritmo acelerado durante a crise e especialistas já apontam que estamos vivendo a era da “Indústria 4.0”, ou “Indústria do futuro”. A previsão para essa nova era é a integração de tendências e tecnologias disruptivas, como inteligência artificial (IA), internet das coisas (IoT), Big Data, dados em nuvem e entre outras. No entanto, para aproveitar a tendência da melhor forma possível, é necessário que empresários e executivos evoluam suas formas de pensar para as novas dinâmicas do mundo moderno e percebam a rapidez com que as três novas revoluções – tecnológica, social e de informação – estão impactando nos comportamentos de consumo. 

Hoje, uma área que tende a ganhar muito com as inovações tecnológicas é a mobilidade urbana, a partir de um novo olhar para o planejamento do ir e vir das cidades. Isso complementa com o fato do Brasil possuir o maior mercado de TICs da América Latina, aumentando ainda mais a probabilidade de crescimento e sucesso. Todavia, sendo o transporte coletivo o principal meio para uma mobilidade positiva nas cidades, as montadoras de veículos particulares é quem estão largando na frente – fato que preocupa especialistas, pois, mesmo que 40% das pessoas não possua um carro (em decorrência do poder de compra), eles têm se tornado cada vez mais comuns nas vias a partir dos aplicativos de corrida e compartilhamento de viagens

Essa tendência já aponta para os novos padrões de consumo, consumidores com consciência ambiental e que buscam por informações rápidas para planejamento de viagens. Carlos Guedes, em entrevista ao Agora é simples, compartilha sua visão como empresário de ônibus e fala sobre os impactos da pandemia no setor de transporte público e alternativas para inovação e transformação digital necessárias nesse momento.

Outros especialistas como Eduardo Peixoto, CDO do Cesar, centro privado de inovação, aponta que “Em alguns anos pouco vai importar ao consumidor em qual carro ele se desloca. […] Vai conseguir gerar valor quem tiver proximidade com o cliente”. E a líder da área de carros do Google Brasil, Juliana Yamana, prevê que não importará mais o status de possuir um carro e sim como chegar do ponto A ao ponto B. 

Com isso, o artigo de hoje vem com a proposta de entender melhor como as montadoras estão se transformando digitalmente para não perder mercado e manter ativo o desejo pelo uso do carro, que é o principal concorrente do transporte coletivo. O artigo compreenderá como as empresas estão fazendo isso e como o setor de transporte público pode aproveitar o embalo.

Montadoras de veículos apostam na experiência do cliente para transformação digital

Os carros estão se tornando plataformas de serviço, suportados por software, sensores de internet das coisas (IoT), robôs com inteligência artificial e outras tecnologias digitais. Especialistas já indicam a tendência em carros mais conectados, compartilhados e eletrificados e, com isso, fabricantes entendem que a digitalização e automação dos processos de negócio são fundamentais para enfrentar a competição no novo cenário. Enquanto antes as empresas se preocupavam com montagem eficiente, hoje as atenções estão voltadas ao cliente.

Recentemente, a Volkswagen anunciou que está colocando os carros elétricos na nuvem, transformando “o carro em um software“, o qual poderá ser constantemente atualizado fazendo com que se torne uma central de serviços, permitindo o compartilhamento de dados e integração do software no veículo com a experiência digital do cliente. 

A FCA (Fiat Chrysler Automobiles), conglomerado industrial ítalo-americano que junta as marcas Fiat e Chrysler, foi uma das corporações que estava entre os fundadores da indústria automobilística europeia. A transformação digital na empresa está estruturada em cinco frentes:

  • Digital Manufacturing (manufatura digital);
  • New Digital Business (novo serviço digital)
  • Customer Engagement and Commercial (engajamento do cliente e comercial); 
  • Digital Backoffice (digitalização de processos internos); e 
  • Connected Services and Vehicles (serviços e veículos conectados). 

De acordo com André Souza, CIO da FCA, a revolução só será bem sucedida se estiver centralizada em melhorar a experiência do cliente. 

O carro está virando uma plataforma tecnológica conectada, cada vez mais autônoma e elétrica, associada a um cliente mais digital, informado e exigente, que busca experiências fluidas (dentro e fora do carro) e novos modelos de negócio associados à mobilidade.”

diz Souza ao Automotive Business. 

Do outro lado, enquanto a Ford encerra as atividades da fábrica em São Bernardo do Campo, a companhia aponta estar trabalhando para ampliar seu patrimônio digital ao melhorar processos e criar soluções para aprimorar a jornada do consumidor. Um dos exemplos é o FordPass, plataforma desenhada para oferecer comodidades aos clientes, como o agendamento de serviços na rede de concessionárias. Além disso, a empresa aposta no uso de realidade aumentada para fazer o diagnóstico dos problemas do carro e prestar assistência técnica remota ao veículo, além do uso de robôs para automatizar processos internos. 

A utilização de ferramentas virtuais para fazer a validação on-line de novos produtos em processos de desenvolvimento também é uma tendência. A tecnologia proposta pela Ford permite simular o ruído, vibração, durabilidade, consumo de combustível e muitos outros aspectos do uso do carro, reduzindo o tempo e o custo do processo. 

Já a transformação digital na Mercedes-Benz se baseia em uma revolução de cultura e de abordagem do mercado. Nos últimos anos, a empresa investiu na modernização das fábricas e em ações internas, construindo uma fundação para aplicar agora uma série de conceitos, como machine learning, analytics e big data. Além disso, apostou em sistemas de conectividade em caminhões com o sistema FleetBoard e na plataforma TruckPad, startup em que a montadora detém o controle minoritário que conecta transportadores autônomos com a demanda por transporte de carga.

Contudo, as montadoras entendem que a era digital tem transformado as formas de trabalho e isso traz a necessidade de investimentos na atualização de profissionais. Para enfrentar o novo cenário, a GM, por exemplo, reformulou em 2019 os treinamentos de liderança e está utilizando mais recursos digitais para envolver profissionais nos treinamentos. A montadora está se aproximando também das universidades para identificar talentos de alto potencial, que possam contribuir com a sua transformação.

“A transformação digital está atingindo todas as áreas, desde o desenvolvimento do produto, processos produtivos e até a forma de vender veículos, treinar e se comunicar com as pessoas.”

segundo Marcellus Puig, vice-presidente de recursos humanos da Volkswagen do Brasil e América do Sul, ao Automotive Business.

Ainda, a Renault do Brasil tem apostado no projeto K-Commerce, desenvolvido pela SAP. A inovação ataca na solução para vendas online personalizadas do carro Kwid para o público jovem, que integra 15 sistemas da montadora. A ferramenta oferece previsão de entrega, levando em conta a localização do cliente e o tempo de transporte para a concessionária.

Essa facilidade em comprar um carro torna o setor automobilístico muito mais atraente. Em meados de 2020, o Agora é simples abordou como hoje é mais fácil comprar um carro do que emitir um bilhete para andar de transporte público. Em termos de mobilidade, isso pesa muito, pois o transporte público é a coluna vertebral de todo projeto de mobilidade.

Como as montadoras têm superado os desafios da transformação digital?

Com os desafios da indústria aumentando a cada dia, há uma busca incessante por aumento de desempenho e flexibilidade, que se traduz em pressão por custo, constantes mudanças de produtos e variação na demanda. Além disso, empresas destacam os obstáculos da extensão e complexidade da cadeia produtiva, que inclui empresas com diferentes perfis e com potenciais particulares de se adaptar às novas demandas, além dos desafios comuns como questões de infraestrutura e tributação complexa e elevada.

Com isso, as corporações têm buscado parcerias com startups para impulsionar suas inovações. Dessa forma, a tendência são resultados além do esperado e margens de lucro maiores e duradouras em razão da dificuldade de cópia, tudo isso com baixo investimento e alta velocidade. Esse fenômeno, denominado Corporate Startups Engagement (CSE), engajamento corporativo de startups, em tradução livre, já é reconhecido como estratégia vencedora em muitas corporações americanas e europeias.

Assim, organizações inovadoras têm se empenhado nesse caminho e os mercados têm recebido essas parceiras positivamente, o que se materializa na valorização de suas ações. Plataformas como a 100 Open Startups, que atuam no matchmaking para inovação entre empresas, startups, comunidade científica e investidores, têm ganhado cada vez mais mercado. Em sua 5ª edição em 2020, com mais de 13 mil inscrições, as startups mais atraentes para o mercado corporativo foram destacadas e, na categoria de Mobilidade, a ONBOARD foi destaque, sendo a única com foco em transportes públicos no ranking.

Como o setor de transporte público pode se preparar?

O segredo para uma inovação bem sucedida não se resume apenas em investimentos financeiros. A pesquisa, análise e testes são as verdadeiras bases para aplicação de qualquer nova metodologia, e é o que aponta Luiz Renato M. Mattos, CEO e Cofundador da ONBOARD,  em entrevista

“O papel da era digital no transporte público é colocá-lo em pé de igualdade do ponto de vista de experiência, qualidade e conveniência com o que a sociedade espera hoje de qualquer produto ou serviço. Se o transporte público não se adequar a isso, nem um serviço 100% gratuito subsidiado completamente pelo governo irá salvá-lo”

segundo Mattos.

Além disso, de acordo com uma pesquisa realizada pelo Google, a informação digital é a etapa mais importante no fluxo para tomada de decisão. O objetivo desse novo sistema é conectar processos, obter dados e disparar informações sobre os transportes em tempo real, melhorando a experiência do cliente, principalmente com relação aos serviços públicos.

Segundo o Infobase, cerca de 75% dos cidadãos das grandes cidades brasileiras optam por planejar suas rotas diárias através de aplicativo, já havendo demanda pelo serviço digital, além da busca por novos meios de pagamento, facilidade no atendimento, segurança durante deslocamentos e outras tendências que ainda irão surgir. Ou seja, se o setor de transporte público continuar nesse ritmo, as perdas poderão ser maiores, cabendo às novas licitações uma nova abertura aos avanços tecnológicos e que possam ser implementadas novas ideias para melhoria do setor, não havendo barreiras nos contratos como acontece hoje em dia.

A ONBOARD tem atuado ativamente na transformação digital do setor de transporte público e auxiliando empresas com tecnologias e inovações de ponta para manter a competitividade do setor. Assim, em parceria com o Consórcio Ótimo em Belo Horizonte, o Diretor de Tecnologia e Modernidade, Carlos Guedes comenta sua experiência com a empresa.

http://agoraesimples.com.br/wp-content/uploads/2021/03/audio_CarlosGuedes.mp3
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Referências

Estadão – Mobilidade. A hora e a vez do veículo elétrico no Brasil. Disponível em: <https://mobilidade.estadao.com.br/mobilidade-para-que/a-hora-e-a-vez-do-veiculo-eletrico-no-brasil/>. Acesso em: 19 de março de 2021.

Índice de Mobilidade Urbana – Deloitte 2020. Disponível em: <https://www2.deloitte.com/us/en/insights/focus/future-of-mobility/deloitte-urban-mobility-index-for-cities.html>. Acesso em: 22 de março de 2021.

Infobase. A transformação digital na mobilidade urbana. Disponível em: <https://infobase.com.br/infografico-transformacao-digital-na-mobilidade-urbana/>. Acesso em: 18 de março de 2021.

Transformação digital. Revista Automotive Business. Disponível em: <http://www.automotivebusiness.com.br/revistasabpdf/RevistaEd56.pdf>. Acesso em: 23 de março de 2021.

O futuro da mobilidade urbana está na integração. Valor. Disponível em: <https://valor.globo.com/patrocinado/deloitte/impacting-the-future/noticia/2019/11/11/o-futuro-da-mobilidade-urbana-esta-na-integracao.ghtml>. Acesso em: 24 de março de 2021.

Riscos e Oportunidades para as micro e pequenas empresas brasileiras diante de inovações disruptivas: Uma visão a partir do Estudo Indústria 2027. Disponível em: <https://static.portaldaindustria.com.br/media/filer_public/1c/45/1c4559d3-4ee2-4977-963e-e8113950393b/id_232324_riscos_e_oportunidades_web.pdf>. Acesso em: 19 de março de 2021.

O rodízio agora é de pessoas: o futuro do trabalho é um modelo híbrido de casa e escritório

A tendência de home office se demonstra cada vez mais difundida e especialistas apontam que o modelo veio para ficar, no entanto, alguns cuidados devem ser considerados para que empregados e empregadores não sejam prejudicados

Foto: Deliris/Shutterstock.

O home office ganhou forças durante a quarentena, e na mesma velocidade o trabalho remoto alavancou. Mesmo sendo modelos bem parecidos, há uma pequena característica que os distingue e, segundo especialistas, existem grandes chances de permanecerem no pós pandemia.

O trabalho remoto em si se caracteriza como toda prestação de serviços feita à distância. Ou seja, embora exista o escritório físico, as atividades se concentram fora, seja na mesma cidade, em outro estado ou país, um coworking e até trabalhar de casa. Enquanto o home office, podendo também se caracterizar como trabalho remoto, é um modelo no qual profissionais trabalham exclusivamente em casa. 

De acordo com Tiago Santos, CEO da Husky, fintech para pagamentos internacionais no Brasil, “Todo home office é trabalho remoto, mas definitivamente nem todo trabalho remoto é home office”.

O trabalho remoto no Brasil e no mundo

Em agosto de 2020, o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) divulgou uma nota técnica apontando que a adesão ao trabalho remoto foi maior no setor público do que no privado. De acordo com os dados analisados no mês de junho de 2020, cerca de 24% dos trabalhadores do setor público aderiram ao novo modelo, para apenas 8% no setor privado, observando aumento das metas de produtividade e aceleração do ritmo de trabalho. 

A tendência de trabalhar em casa se demonstra cada vez mais difundida e especialistas apontam que o modelo veio para ficar. No entanto, vale ressaltar que a aplicabilidade varia dependendo da área de atuação. A análise do McKinsey Global Institute conclui que o potencial para trabalho remoto se concentra entre trabalhadores altamente qualificados em diversos setores, ocupações e locais.

De acordo com o levantamento, mais de 20% das pessoas empregadas nos Estados Unidos poderiam se manter remotamente de três a cinco dias por semana com a mesma eficiência do trabalho em um escritório. Caso o cenário se mantivesse, o resultado seria um aumento de três a quatro vezes mais pessoas trabalhando em casa do que antes da pandemia, o que poderia impactar a economia e a mobilidade urbana principalmente.

No entanto, o estudo aponta que o trabalho remoto pode acentuar as desigualdades sociais, pois mais da metade dos empregos apresentam pouca ou nenhuma oportunidade de atuar neste modelo. Ou seja, empregos que requerem interação com outras pessoas, uso de máquinas ou equipamentos fixos, realização de entregas e entre outros empregos que possuem baixa remuneração e são mais vulneráveis ​​a tendências de automação e digitalização.

Além disso, o Instituto assumiu que algumas atividades são muito mais efetivas se realizadas presencialmente. Dessa forma, para analisar essas diferenças, criaram uma métrica que considera o tempo gasto em diferentes atividades dentro das ocupações revelando que, setores com maior potencial de trabalho remoto são caracterizados por uma elevada proporção de trabalhadores com ensino superior completo.

Por fim, o estudo ressalta que o potencial varia entre os países, tanto no setor de ocupação, quanto na combinação de atividades remotas e presenciais, em decorrência de sua economia. Essa diferença é explícita quando comparamos dois países como Alemanha, onde 27% das pessoas empregadas podem trabalhar remotamente entre três a cinco dias por semana sem afetar a produtividade, enquanto na Índia esse percentual cai para 5%.

Gráfico referente a produtividade relacionada por número de dias de trabalho remoto sem perda de produtividade (a análise incluiu apenas atividades que puderem ser realizadas remotamente sem perder a eficácia). Fonte: McKinsey Global Institute.

No Brasil, a diferença no potencial do trabalho remoto apresentou diferença entre o setor público e o setor privado. De acordo com nota do Ipea,  todos os setores ficaram abaixo do potencial. No entanto, ao considerar a escolaridade, o instituto observou um crescimento além do esperado para pessoas com Ensino Superior completo ou pós-graduação.

Mudanças necessárias

A mudança na modalidade de trabalho pode indicar para as empresas a necessidade de menos espaço para escritórios, e várias já planejam reduzir despesas imobiliárias. No entanto, será necessário ajustar as práticas de trabalho para que haja ganhos potenciais de produtividade no novo modelo.

Um grupo de pesquisadores do Grupo de Estudo Trabalho e Sociedade (GETS), da Universidade Federal do Paraná (UFPR), e pesquisadores da Rede de Estudos e Monitoramento Interdisciplinar da Reforma Trabalhista (REMIR), apontou gastos excedentes e não disponibilização de equipamentos necessários para o trabalho remoto principalmente aos servidores do setor público. Além disso, a maior parte relatou dificuldades em realizar o trabalho fora do escritório e consideraram que a qualidade do mesmo é melhor quando a atividade é presencial.

De acordo com o Ministério da Economia, o Governo Federal economizou com o trabalho remoto, entre abril e agosto de 2020, cerca de R$ 1 bilhão, incluindo o pagamento de auxílios adicionais e despesas com diárias, passagens e locomoção, serviços de água, esgoto, energia elétrica, cópias e reprodução de documentos. Esses custos foram repassados diretamente ao trabalhador, afetando, no setor público, cerca de 56% e, no setor privado, 43%, além de que a preocupação em disponibilizar equipamentos à pessoa empregada foi maior no setor privado do que no público, segundo o levantamento realizado entre GETS e REMIR.

No entanto, mesmo que sobre aspectos legais, o empregador não é obrigado a custear essas despesas relacionadas à água, internet, telefone e energia, estes devem ser previamente acordados e formalizados em contrato. Além do mais, de acordo a base de dados das Varas de Trabalho, os casos de trabalhadores reclamando das condições do home office subiram de 46 entre março e agosto de 2019 para 170 no mesmo período de 2020. Apenas no mês de junho de 2020 foram abertos 46 processos dessa natureza. 

Atualmente, o Brasil ocupa o 5º lugar no ranking de países que apresentam mais dificuldades de adaptação à nova modalidade, de acordo com pesquisa divulgada por pesquisadores do Massachusetts Institute of Technology (MIT). Dentre as principais razões encontram-se: internet de baixa qualidade, cuidado com moradores menores de idade e a falta de dados sobre os profissionais que possuem experiência no trabalho remoto.

O estudo do MIT apontou que 67% da população possui acesso a uma internet com velocidade média de 24 Mbps, enquanto a média mundial é de 45,48 Mbps. Além disso, 47% das famílias brasileiras têm um morador com menos de 15 anos de idade, necessitando de uma atenção maior durante o dia, sobrecarga que afeta principalmente as mulheres. Ainda, dados apontam a sobreposição do tempo de trabalho e não trabalho e a falta de interação com colegas. 

“As necessidades, que já eram diversas, aumentaram. Tivemos uma mudança de comportamento. O delivery cresceu muito, os gastos com supermercado aumentaram, os com mobilidade despencaram e foram compensados por gastos na saúde, como farmácia e terapia online”

explica Ricardo Salem, CEO da Flash Benefícios.

Pelo fato do modelo de trabalho remoto híbrido persistir após a pandemia, isso exigirá mudanças necessárias para as empresas e organizações que queiram manter a qualidade e produtividade no trabalho. Isso implicará em investimentos em infraestrutura digital, liberação de espaço para escritórios, transformação estrutural de cidades, serviços de alimentação, imóveis comerciais e varejo. Para a maioria das empresas, essa mudança exigirá a reinvenção de muitos processos e políticas.

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“Indústria de multas” não paga as contas dos acidentes de trânsito

Os gastos de um ano de acidentes no trânsito equivalem a 14 anos de auxílio emergencial para os transportes públicos

Fontes: Agência Brasil, Correio Braziliense, Ed Machado e Marcelo Camargo.

A segurança no trânsito diz respeito às medidas tomadas para reduzir o risco de lesões e morte. As regras servem para, além de manter o trânsito organizado, manter as vias com respeito mútuo entre motoristas e pedestres. No entanto, o desrespeito às regras e as imprudências nas ruas e estradas tem deixado sequelas graves no mundo todo.

De acordo com a OPAS (Organização Pan-Americana da Saúde), 90% das mortes no trânsito ocorrem em países de baixa e média renda, sendo que 49% envolvem pedestres, ciclistas e motociclistas. O motivo principal é a “falha humana” na direção, cerca de 30% são provocados por infração das leis de trânsito, segundo estudo do Ministério dos Transportes, Portos e Aviação.

Em 2017, a Folha de São Paulo ressaltou que o trânsito no Brasil mata 47 mil pessoas por ano e deixa 400 mil com alguma sequela, mesmo número de vítimas por armas de fogo (Ipea, 2019). Além disso, mais de 60% dos leitos hospitalares do Sistema Único de Saúde (SUS) são ocupados por vítimas de acidente de trânsito. Com isso, o Brasil aparece em 5º lugar entre os países recordistas em mortes no trânsito no Relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS).

Assim, a fim de criar um ambiente mais seguro, acessível e sustentável para os sistemas de transporte, bem como para pedestres e ciclistas, as autoridades governamentais são responsáveis por elaborar legislações que promovam essa segurança no trânsito. No entanto, os projetos de lei relacionados ao tema apresentados e aprovados nos últimos anos apenas demonstram um descaso com a sociedade.

Segundo os projetos redigidos pelo presidente da República Jair Bolsonaro, a ideia é flexibilizar as leis de trânsito. Em entrevista ao SBT, o presidente apresentou como justificativa o argumento de devolver ao povo brasileiro “o prazer em dirigir”.

Na mesma direção, seguiu o“Acelera São Paulo”, mote de João Doria (PSDB), atual governador de São Paulo. Mesmo após os resultados positivos da redução de velocidade na capital durante a gestão anterior, a política caminhou ao contrário. O governador aumentou a velocidade máxima, o que resultou em mais de 30 mil vítimas em 2019, segundo o Atlas da Violência (Ipea, 2019).

Bicicletada contra violência no trânsito em São Paulo. Foto: Cris Faga (FOLHAPRESS).

As principais medidas dos projetos estão relacionadas ao aumento no número de pontos necessários para perder a carteira, prorrogação do prazo de renovação da CNH, diminuição da quantidade de radares nas estradas, isenção de caminhoneiros para o exame toxicológico e retirada de multas para quem transita com criança sem cadeirinha. Fatores que impactam diretamente a segurança no trânsito das cidades.

Os pontos e a renovação da CNH

Segundo o RENAINF, condutores brasileiros cometem inúmeras infrações de trânsito todos os dias. Dentre elas, as mais frequentes são: excesso de velocidade, avançar o sinal vermelho, não usar o cinto de segurança, estacionar na calçada e segurar ou manusear o celular.

No entanto, um em cada três motoristas possuem pontos na CNH. Ou seja, a taxa de punição da “indústria da multa” seria de 0,3% no Brasil. Hoje, o limite de pontos para a CNH ser suspensa é de 20, o que foi até recomendado pela ONU. 

Todavia, a partir de abril de 2021, a lei sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro aumenta o limite para 40 pontos. A mudança, segundo o Ministério da Infraestrutura, se baseia em experiências internacionais, porém, o que se mostra é o inverso. Países como Itália, em 2003, e Alemanha, em 2014, mudaram sistemas para um modelo de pontos mais restritivo.

Atualmente, o congresso paraguaio discute a implementação de um sistema de 20 pontos a fim de punir de forma mais rigorosa também. Na maior parte da Austrália, é 12 pontos. Na Dinamarca, o limite é 3, e na maior parte do Canadá, 15.

A mudança prevista no Projeto de Lei atingirá uma porcentagem muito pequena da população brasileira. De acordo com o Detran, em São Paulo, apenas 6% dos 26 milhões de condutores habilitados respondem processo de suspensão do direito de dirigir ou cassação de CNH em decorrência da extrapolação do limite de pontos.

Radar nas rodovias brasileiras e o mito da “indústria de multas”

Em seu twitter, Bolsonaro alegou que iria bloquear a criação de novos radares e desativar parte dos existentes. Segundo o presidente, o motivo é combater a indústria de multas e o “enriquecimento de poucos”. 

No entanto, de acordo com o levantamento da Folha de São Paulo, os sistemas de detecção de alta velocidade possibilitaram a queda de 21,7% no número de mortes nas rodovias federais entre 2006 e 2018, além de redução de 15% no índice de acidentes.

Além disso, o dinheiro obtido com as infrações de trânsito é destinado integralmente para os cofres públicos, para ser investido em sinalização, engenharia de tráfego, policiamento, fiscalização e educação de trânsito. Porém, mesmo que haja casos de desvio de dinheiro, o valor arrecadado com as infrações é muito inferior aos custos que acidentes de trânsito geram aos cofres públicos.

De acordo com o Senado, em 2017, as infrações como dirigir embriagado e acima da velocidade permitida renderam cerca de R$9 bilhões aos cofres públicos e, de acordo com a AutoInforme, os acidentes de trânsito geraram um custo de R$56 bilhões aos cofres públicos no mesmo ano, uma conta que não fecha. Se houvesse uma indústria da multa, ela teria que cobrar sete vezes mais para pagar a conta dos acidentes.

Número de mortes por acidentes de trânsito no Brasil é equivalente a 200 Brumadinhos 

A Defesa Civil de Minas Gerais contabilizou 228 mortes em decorrência do rompimento da barragem de rejeitos da mineradora Vale em Brumadinho/MG, enquanto o número de mortes no trânsito supera os 45 mil, onde cerca de 60% envolvem profissionais da estrada, ou seja, caminhoneiros.

Um teste que detecta o uso de drogas até 90 dias antes da coleta foi aplicado pela primeira vez no Brasil em 2015 e revelou que 1 em cada 3 caminhoneiros brasileiros usavam drogas. Os exames mostraram que 30% deles estavam sob o efeito de drogas como cocaína, crack ou rebites, e 10% tinham misturado mais de uma droga.

No entanto, após ser instaurada a lei de obrigatoriedade do exame para caminhoneiros, foi barrada em 12 Estados do país após questionamentos de entidades ligadas ao trânsito e associações médicas. Estudos apontaram diversas inconsistências que impulsionaram a taxação do exame como ineficiente.

Porém a retirada do exame não culmina na solução dos problemas. Embora sejam de fato pouco eficientes, as autoridades poderiam focar esforços em melhorá-los, ao invés de eliminá-los. Por decisão da Câmara, o exame permanece obrigatório, o qual deve ser renovado a cada dois anos e meio.

A segurança para crianças no trânsito

Desde 2011, o uso de dispositivos de contenção (cadeirinha) para crianças de até 7,5 anos é obrigatório, com pena de multa caso seja desrespeitado. De lá para cá, o número de mortes de crianças entre 0 a 9 anos caíram 12,5%

O texto de Bolsonaro previa a substituição da multa por uma advertência por escrito aos condutores que não transportassem uma criança adequadamente.

No entanto, acidentes de trânsito são a principal causa de morte acidental de crianças e adolescentes de até 14 anos no Brasil, segundo a ONG Criança Segura. Ao menos três crianças morrem por dia por causa do trânsito, sendo a principal causa os acidentes de carro em que a criança é passageira. 

A ideia foi rejeitada pela Câmara, que definiu como infração gravíssima o ato de não transportar crianças menores de 10 anos de idade ou que meçam menos de 1,45 m fora de cadeirinhas.

O que dizem especialistas sobre as mudanças propostas

Especialistas em segurança criticam as decisões de Bolsonaro. O professor Mario Felippi Filho avalia que, mesmo com as multas, às infrações de trânsito continuam acontecendo, ou seja, ao retirá-las, o impacto pode ser inverso ao esperado, fazendo com que as infrações aumentem ainda mais. 

Para o professor, a grande solução para as infrações, acidentes e mortes no trânsito seria a formação de motoristas mais conscientes, apenas aplicar as multas não resolveria o problema.

Se estamos retirando uma infração que é comprovada pela OMS e por atores internacionais, como medida levada a sério no mundo, [o governo] está contribuindo para promover mais mortalidade de jovens e crianças

Pedro de Paula, da Iniciativa Bloomberg para Segurança Global no Trânsito. 

Gildo Martins de Andrade Filho, Diretor de Trânsito e Transportes da Prefeitura de Jaraguá do Sul/SC, avalia que a proposta de ampliar a validade da CNH traz riscos à segurança da população. O espaçamento de dez anos torna a situação mais grave.

“Alguém acredita que um condutor, descobrindo uma moléstia, irá procurar o Detran para que seja diminuído o prazo de validade da CNH?” , questiona Gildo.

Em relação a suspensão de multas para condução de crianças sem cadeirinha, a ONG Criança Segura Brasil, em parceria com a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e a Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), lançaram um manifesto afirmando que essa medida representa riscos à integridade das crianças. 

“Essa situação merece o manifesto público contra essa proposta contida no Projeto de Lei (PL) que pode implicar no aumento de hospitalizações e de mortes e de sequelas de milhares de crianças no Brasil.”

segundo nota das organizações.

Quanto à sugestão para eliminar o exame toxicológico, o professor Mario Felippi Filho, e o diretor de Trânsito Gildo Andrade enxergam a proposta como um retrocesso para a segurança no trânsito.

Diante de inúmeros levantamentos que comprovam a ineficácia da flexibilização das leis de trânsito para promoção da segurança nas ruas, a conclusão é que, se de fato existe uma “indústria da multa”, ela precisa ser mais eficiente. Pois, até hoje, mesmo havendo punições, a taxa de acidentes em todo país continua alta.

Referências

Agência Brasil. Brasil reduz mortes no trânsito, mas está longe da meta para 2020. Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2018-09/brasil-reduz-mortes-no-transito-mas-esta-longe-da-meta-para-2020>. Acesso em: 12 de fev. 2021.

IPEA. Instituto de Pesquisa em Economia Aplicada. Atlas da Violência 2019: número de mortos por armas de fogo cresce 6,8% e atinge patamar inédito. Disponível em: <https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/noticia/24/atlas-da-violencia-2019-numero-de-mortos-por-armas-de-fogo-cresce-68-e-atinge-patamar-inedito>. Acesso em: 12 de fev. 2021.

Greg News. A indústria de multas. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=dcCOAcoUewM&feature=youtu.be>. Acesso em: 12 de fev. 2021.

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Por que o transporte público gratuito também precisa de bilhetagem?

Uma visão panorâmica da bilhetagem no transporte público e suas vantagens em um sistema gratuito

A bilhetagem é um sistema utilizado em diversos setores que demandam controle de acesso de pessoas, como os de entretenimento, industrial ou empresarial. Com o avanço da tecnologia, a bilhetagem passou a se caracterizar como um sistema automático, o que permitiu uma maior eficiência em inúmeros processos e serviços. 

Todo sistema de bilhetagem é composto por pelo menos um software e um hardware. O primeiro geralmente fornece um banco de dados e pode auxiliar na gestão das informações, enquanto o segundo representa o equipamento pelo qual haverá a validação da tecnologia imposta para controle, seja um bilhete, ticket, cartão, biometria ou análogo.

No transporte público, a bilhetagem corresponde a um sistema de emissão, venda e validação de bilhetes. A partir de uma pesquisa realizada pela ANTP (Associação Nacional de Transporte Público), as tecnologias utilizadas para validação em transporte público têm se desenvolvido cada vez mais e o uso de smartcards contactless, ou seja, sem contato, tem crescido durante os anos.

Várias cidades brasileiras já possuem ou estão estudando a implantação de sistemas de bilhetagem. Em sua grande maioria, há uma parceria entre o setor público e privado, onde empresários compram os equipamentos e a concepção e implantação do sistema são realizadas em conjunto, permitindo que operadores e Estado tenham acesso aos dados, podendo usá-los como política de transparência, o que geralmente não ocorre na prática.

Há diversos ganhos com a implementação do sistema, desde o controle de arrecadação até redução de custos com a dispensa de cobradores, por exemplo. Todavia, quando abordamos a possibilidade da maioria dos municípios brasileiros oferecerem transporte público gratuito à sociedade, esses argumentos não condizem com o propósito da gratuidade e fica a dúvida sobre a real importância do sistema.

A bilhetagem pode proporcionar uma eficiência enorme em todos os setores empresariais. Para isso, é importante que o sistema contemple todas as necessidades das pessoas que utilizam o serviço, seja cliente, órgão gestor, operador, empregado ou proprietário de empresa. Para isso, analisamos as principais oportunidades que o sistema pode oferecer e vamos tratar delas aqui.

Controle do serviço prestado

Com a implementação de um sistema de bilhetagem integrado é possível recolher informações para a fiscalização da empresa operadora ou do órgão gestor, dados sobre número de passageiros transportados por ônibus, linha e faixa horária, número de veículos em operação, tempo de viagem, entre outros. Informações fundamentais para qualidade e sustentabilidade de uma operação como esta, evitando lotações e o uso ineficiente dos recursos. 

A partir dessas informações, o planejamento do sistema de transporte se torna mais eficaz, trabalhando com as ferramentas adequadas para não haver ônibus lotados ou vazios em funcionamento.

Maior eficiência

A automação dos processos produtivos traz inúmeras modificações, principalmente sobre a melhora da produtividade. Com um sistema de bilhetagem é possível otimizar o gerenciamento com a rapidez de informações acerca dos hábitos de clientes, como rota e horário. Dessa forma, a coleta de dados para projeção da oferta e demanda, por exemplo, passa a ser automatizada, evitando custos exacerbados dessa pesquisa.

Além disso, o sistema de bilhetagem pode assumir a função de outros dispositivos embarcados, como por exemplo AVL, UCP e outras funcionalidades. Neste caso, a integração e a usabilidade aumentam a produtividade, pois permite o cruzamento de dados necessários para eficácia do planejamento e operação do transporte público coletivo.

Fonte: ONBOARD.

Planejamento de demanda

A obtenção de dados sobre a quantidade de passageiros por linha, local e faixa horária possibilita o planejamento pleno da demanda. Essas informações são importantes inclusive para indicar as sazonalidades horárias, diárias, semanais, mensais e locais de cada veículo.

Ao mesmo tempo, possibilita o planejamento de alocação de frota e mão-de-obra de forma racional e produtiva, permite conhecer a origem e o destino das viagens, entrada de usuários por ponto de parada, trecho de maior carregamento, velocidade dos veículos em cada ponto e vários outros dados importantes para a realização de um planejamento operacional eficiente. 

Contagem de passageiros automática em transporte público coletivo. Arquivo disponibilizado pela ONBOARD.

Integração multimodal

A integração intra e entre os diversos modos de transporte é uma preocupação de vários municípios. Nas últimas décadas, a solução para um sistema integrado era a construção de terminais com transferência livre, o que apresentava alto custo e, em sua grande maioria, era inviabilizado.

Com a Bilhetagem Digital é possível oferecer uma integração com baixo custo de implantação, pois é possível instalá-la em qualquer ponto, sem a necessidade de terminais e grandes estruturas. Além disso, influencia o comportamento dos usuários através da possibilidade de maximizar a utilização da infraestrutura de transporte coletivo.

Monitoramento do desempenho da oferta

A coleta de dados não garante o efetivo gerenciamento. No entanto, a partir do banco de dados gerado é possível avaliar toda qualidade de serviços prestados. O estabelecimento de um padrão de desempenho pode ser definido para a operação, no que se refere a segurança, conforto, vida útil de veículos, vistorias e etc, cruzando dados para melhoria do sistema. Isso permite ajustes na operação para melhor atender aos passageiros e clientes finais.

Possibilidades de nicho

A bilhetagem pode auxiliar no entendimento de diversos públicos e seus deslocamentos a fim de estruturar uma operação orientada aos passageiros. Pois, dentro de um mesmo sistema, há pessoas que desejam fazer deslocamentos curtos, longos, pessoas que utilizam o serviço esporadicamente e outras frequentemente, que utilizam em horários de pico e outros não, usuários que têm que fazer baldeação ou viagem simples, pessoas que pagam o serviço adiantado e outras que pagam na hora do consumo, entre inúmeros casos. Assim, com um sistema de bilhetagem aplicado corretamente, é possível disponibilizar um serviço que atenda públicos distintos homogeneamente.

Atualmente, a bilhetagem eletrônica não consegue entregar um serviço que atenda satisfatoriamente os pontos levantados, além de ser um serviço extremamente caro e gerar uma série de atritos durante sua utilização. 

Para a obtenção de melhorias, é necessário que os sistemas possam ter interface amigável, integrada e segura, além do planejamento estar alinhado com os objetivos e expectativas de todas as pessoas que utilizam o transporte, seja poder público, privado ou usuário. Assim, a Bilhetagem Digital é a melhor alternativa, pois se torna a grande responsável pela devolução da competitividade do serviço e para solucionar os desafios atuais do setor.

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Viabilidade e inconsistências da gratuidade no transporte público: um estudo de caso em Paulínia/SP

O transporte público gratuito é sonho de muitos e viável para a maioria das cidades brasileiras, mas por que não é usualmente aplicável? Conheça o caso de Paulínia, interior de São Paulo

Foto: Câmara Municipal de Paulínia.

O transporte público gratuito está entre as soluções mais interessantes para cidades. A tarifa zero no transporte apresenta potencial para melhorar o trânsito, o bem-estar e a qualidade de vida não só de quem usa as redes, mas de toda a população, além do transporte ser mais eficiente, ecológico e econômico. 

Hoje, o transporte coletivo no país se mantém com R$ 59 bilhões ao ano, sendo que 89,8% vem de tarifas pagas pelos passageiros, 10,2% de incentivos públicos, enquanto as receitas não tarifárias (como publicidade) correspondem a R$ 375 mil, menos que 1% do valor total (Inesc, 2019). 

Um estudo divulgado em outubro de 2019 pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) revelou que a oferta de transporte gratuito ou com tarifas reduzidas é viável na maior parte das cidades brasileiras. Isso se daria através de aumentos na arrecadação de impostos como IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) e IPVA (Propriedade de Veículos Automotores), o que implicaria em parte da população pagar mais impostos, principalmente os que possuem maior renda e/ou que morasse em regiões valorizadas pela oferta de ônibus e metrô e/ou proprietários de automóveis.

Ainda assim, mesmo sem aplicação dos cenários propostos pelo estudo, a União destina recursos plurianuais para programas de mobilidade urbana que priorizam o transporte público em detrimento do privado. No entanto, em uma análise entre 2008 e 2019, apenas 27,2% dos recursos pagos pela União foram efetivamente gastos por estados e municípios. Ou seja, o dinheiro estava à disposição, porém não houve elaboração de planos suficientes para o uso.

Período do plano plurianualRecurso pago pela União* (R$)Percentual utilizado pelos municípios
2008 – 20113.021.022.431,820,09%
2012 – 201514.003.916.104,1810%
2016 – 20192.913.553.664,9740%
* Atualizado pelo IPCA. Fonte: Siga Brasil e Inesc (2019).

Hoje, no Brasil, 15 municípios já atuam com transporte gratuito, sendo que a maioria corresponde a cidades pequenas no interior que necessitam de poucos veículos para atender a população. No entanto, existem pontos que devem ser considerados para a aplicação do sistema no país e, para isso, vamos abordar neste artigo o caso da cidade de Paulínia/SP.

Tarifa zero no transporte em Paulínia/SP

Paulínia compreende quase 107 mil habitantes (IBGE, 2018) e apresenta um crescimento de 4,82% anual.  A cidade foi a primeira a adotar a gratuidade no transporte público municipal através da Lei nº 1922 aprovada em 1995. A lei ainda isentava o pagamento do ISS (Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza) a empresa que efetuasse o transporte coletivo urbano na cidade.

No entanto, em 1997, a lei foi revogada e o sistema começou a funcionar em modo de concessão. Assim, a remuneração da Concessionária passou a ser proveniente da cobrança de tarifas pagas diretamente por usuários do transporte, possibilitando gratuidades apenas a estudantes, desempregados, deficientes físicos e idosos acima de 60 anos, além de 30% de desconto no Passe Comum Social.

Porém, em 1999, o município suspendeu a gratuidade para desempregados e o desconto do Passe Comum Social.

Seguindo para 2013, depois dos protestos que tomaram as ruas de todo o País no mês de junho, o prefeito Edson Moura Jr (PMDB) afirmou em sua cerimônia de diplomação que a tarifa de ônibus na cidade de Paulínia passaria a ser integralmente subsidiada pelo município novamente.

Na época, o valor da passagem de ônibus custava R$ 2,60, sendo que R$ 1,60 era subsidiado pela prefeitura e o valor repassado para a população era de apenas R$ 1, além de ser gratuito aos domingos e feriados e para pessoas com renda de até dois salários mínimos. Com a nova proposta, o valor estimado para custear o transporte seria de R$ 29 milhões ao ano.

“A cidade é muito rica, arrecada por mês R$ 80 milhões, não tem razão para não subsidiar integralmente a passagem“, disse a assessoria da administração da Prefeitura por meio de nota na época.

De acordo com levantamento da Associação Transparência Municipal de 2013, Paulínia se encontrava, pela primeira vez, entre os municípios bilionários do país, cidades cuja receita orçamentária ultrapassava 1 bilhão de reais em 2013. Segundo os dados, o município apresentava como Receita Orçamentária R$ 1.081.594.200.

No entanto, o projeto foi reprovado. As justificativas dos votos contrários se referiam à falta de um estudo de impacto no transporte público da cidade caso a tarifa fosse zerada, além do projeto não apresentar propostas caso a empresa tivesse que aumentar a frota em determinadas regiões. 

Já em 2018, a gratuidade aos domingos e feriados foi suspensa, sendo cobrado R$1 como nos dias comuns. Segundo a prefeitura, a medida foi adotada para reduzir os prejuízos causados por atos de vandalismo no ônibus. “Os relatos [de vandalismo] foram feitos por um grande número de passageiros, cobradores, motoristas e da própria concessionária do serviço, que há anos enfrenta o problema”, informava a prefeitura em nota.

Essa mudança afetou consideravelmente a demanda de ônibus em domingos e feriados, o que fez com que a Prefeitura reduzisse a oferta. A decisão teve como base um levantamento da empresa Viação Passaredo, que apontou uma diminuição no número de usuários do serviço desde que a tarifa de R$ 1 passou a ser cobrada. 

Em maio de 2019, o valor da tarifa teve reajuste de 22,81% que seria repassado aos usuários, mas por conta da determinação do prefeito Antonio Miguel Ferrari, o Loira, hoje, ex-prefeito, o município manteve a passagem a R$ 1. Caso ocorresse o aumento para os usuários, o reajuste seria de 65%, segundo nota da prefeitura.

Por fim, em dezembro de 2019, houve troca de empresa operadora de transporte público urbano e rural da cidade. O novo contrato com  a Terra Auto Viação previa uma redução de custos na ordem de R$ 1,9 milhão nos cofres públicos. Atualmente, a concessionária opera com 52 coletivos no município, mantendo outros cinco em reserva, totalizando 57. Em média, 750 mil pessoas por mês utilizam o transporte público em Paulínia (Portal da Transparência de Paulínia/SP, 2018). 

Inconsistências da gratuidade no transporte público urbano

Embora a solução da Tarifa zero seja passível de ser aplicada e contribua para uma maior aderência de clientes no transporte, é uma decisão que precisa ser tomada com cautela. O documento “Debates: Projeto Tarifa Zero”, produzido pelo PT de São Paulo em 1990, traz diversos relatos e questionamentos referentes ao programa, como a de Carlos Zarattini, hoje deputado federal: 

“Abolir a cobrança é um caminho acertado? Outro assunto pouco discutido em nosso meio é a abolição da relação mercantil que se materializa na tarifa. Será esse um caminho que educa as massas ou as deseduca? […] parece equivocado afirmar que a educação e a saúde pública têm tarifa zero, não sofrem vandalismo. Qualquer um que conhece as escolas e hospitais percebe o alto grau de degradação e abandono. Não será isso uma forma de vandalismo dos próprios funcionários, abandonados pelos governantes?”

Zarattini traz pontos que não são abordados nos estudos de viabilidade da tarifa zero, mas que influenciam na análise econômica pós inserção do programa. Foi comprovado cientificamente que as pessoas não costumam valorizar o que é grátis. O caso de Paulínia é um bom exemplo, onde houve relatos de vandalismo no transporte nos dias de gratuidade.

Outro exemplo ocorreu na pequena cidade de Templin (cerca de 15 mil habitantes) na Alemanha. A gratuidade no transporte foi introduzida em 1997 e o que observou foi um aumento de passageiros de 1200% em 3 anos, sendo a maioria crianças e jovens, isso levou a um problema crescente de vandalismo (CATS et al., 2017).

A problemática na oferta do transporte público gratuito também envolve o uso exacerbado do serviço de modo a superar sua real função na sociedade. Embora existam fortes evidências de que seu uso está atrelado à classe social, uma vez que os ricos usam muito menos do que os pobres, estudos demonstram que oferecer um transporte gratuito é fornecer um serviço não somente aos usuários que mais precisam, mas a todos cidadãos, incluindo a população mais rica e o público motorizado/que possui automóveis.

Em um experimento realizado em Chapel Hill, na Carolina do Norte/EUA, com uma população por volta de 60 mil habitantes. A política de gratuidade no transporte público foi implementada em 2002 depois de realizar uma análise que mostrou que as receitas tarifárias (passageiros pagantes) eram relativamente baixas – cerca de 8% dos custos operacionais. Assim, após a implementação do transporte gratuito, o número de passageiros aumentou 43% durante o período de 9 meses (VOLINSKI, 2012).

O mesmo aconteceu em Copenhage, Dinamarca, onde pesquisadores forneciam um cartão de viagens grátis para proprietários de carros, revelou que, enquanto a promoção esteve vigente, houve um aumento significativo do deslocamento em transporte público, no entanto, a demanda caiu quando o plano expirou.

Assim, ao inserir a política de gratuidade ao transporte público, conclui-se que a demanda cresce consideravelmente em um curto espaço de tempo, o que, sem um planejamento correto, pode acarretar na queda da qualidade de serviço e superlotação, o que, neste momento, deve ser evitado.

Considerações finais

Embora este estudo de caso se baseie em uma variedade de fontes citadas e confiáveis, deve ser considerado como um primeiro passo em direção a um mapeamento e estudo abrangente de longo prazo de todos os casos de Tarifa Zero. Além da necessidade de analisar social e economicamente cada município brasileiro, entendendo suas próprias características e condições.

No entanto, pesquisadores da área apontam que para agir no modo de priorização do transporte urbano e desincentivo ao uso do carro, políticas relacionadas a taxas de congestionamento, estacionamento rotativo, preços de combustível e outros, podem resultar em uma mudança maior do que os ganhos pela redução das tarifas de transporte público.

Mesmo assim, deve-se considerar que subsídios ao transporte sejam aplicados de forma adequada, ou seja, promovendo maior qualidade e redistribuição, facilitando o acesso para a população que mais utiliza e necessita do transporte público, além de contribuir para uma mobilidade sustentável e não perder caráter atrativo e competitivo.

REFERÊNCIAS

CARVALHO, C.H.R. Financiamento extratarifário da operação dos serviços de transporte público urbano no Brasil. Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), 2019.

CATS, O.; SUSILO, Y.O.; REIMAL, T. The prospects of fare-free public transport: evidence from Tallinn. Transportation, v. 44, n. 5, p. 1083-1104, 2017.

DIRETÓRIO MUNICIPAL DO PARTIDO DOS TRABALHADORES DE SÃO PAULO. Tribuna de Debates: Debate sobre o projeto Tarifa Zero. São Paulo: Diretório Municipal PT/SP, nov. 1990.

DOMINGUES, Letícia Birchal. Deliberação, conflito e movimentos sociais: um estudo de caso das práticas de organização e tomada de decisão do Tarifa Zero BH. Agenda Política, v. 6, n. 1, p. 130-157, 2018.

FIX, M.; RIBEIRO, G.E.; PRADO, A.D. Mobilidade urbana e direito à cidade: uma entrevista com Lúcio Gregori sobre transporte coletivo e Tarifa Zero. Rev. Bras. Estud. Urbanos Reg., v.17, n.3, p.175-191. Recife, 2015.

KĘBŁOWSKI, Wojciech. Why (not) abolish fares? Exploring the global geography of fare-free public transport. Transportation, p. 1-29, 2019. 

Portal da Transparência de Paulínia/SP. Documento de Audiência Pública, 2018. Disponível em: <http://www.paulinia.sp.gov.br/downloads/transp/>. Acesso em: 07 de janeiro de 2021.

SCHIAFFINO, D.P.L; TOLEDO, J.I.F.; RIBEIRO, R.G. Tarifa Zero uma reflexão sobre a proposta. ANTP. 2015. Disponível em<http://files-server.antp.org.br/_5dotSystem/download/dcmDocument/2015/06/15/C088AE18-A9D3-4CCD-9A56-F54E04438370.pdf>. Acesso em: 11 de janeiro de 2021.

STORCHMANN, K. Externalities by automobiles and fare-free transit in Germany—A paradigm shift?. Journal of Public Transportation, v. 6, n. 4, p. 5, 2003.

VOLINSKI, J. Implementation and outcomes of fare-free transit systems. Transit Cooperative Research Program. TCRP Synthesis, p. 101, 2012.

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ONBOARD se manifesta sobre o Edital de São José dos Campos

Um documento público com críticas, sugestões e questionamentos a respeito da Minuta do Edital de concorrência pública para “Concessão da Gestão Financeira do Sistema de Transporte Público Coletivo do Município e Serviços Associados”

A Prefeitura de São José dos Campos, por meio da Secretaria de Mobilidade Urbana, disponibilizou publicamente as minutas dos editais referentes aos sistemas de tecnologia e controle financeiro do novo sistema de transporte público do município, os quais podem ser acessados aqui. Com isso, a ONBOARD, empresa que está transformando digitalmente o transporte público no Brasil, revisou “Edital Plataforma 1“, o qual apresenta publicamente suas considerações em relação ao documento.

“Buscamos atuar de forma colaborativa e transparente, visando a construção de editais mais competitivos e verdadeiramente inovadores, além de garantir a qualidade necessária a estes documentos.”

Luiz Renato M. Mattos, CEO da ONBOARD.

O Agora é simples, editado pela ONBOARD, têm como missão contribuir para informação relevante sobre essas áreas no país, por meio de notícias, artigos de opinião e pesquisas. Assim, diante de leitores, gestores e profissionais do setor de transportes e mobilidade urbana, compartilhamos publicamente a manifestação abaixo.

MANIFESTAÇÕES REFERENTES AO EDITAL DA PLATAFORMA 1 DO PROCEDIMENTO DE MANIFESTAÇÃO DE INTERESSE 

A ONBOARD

A ONBOARD é uma empresa de dados e tecnologia que tem como missão a transformação digital de sistema de transportes coletivo de passageiros com o objetivo de resgatar a sua competitividade no mercado. A ONBOARD recebeu investimentos da Toyota Mobility Foundation e do Ford Fund Lab. Recentemente teve a sua solução eleita como a melhor e mais inovadora solução para sistema de transporte coletivo de passageiros pela NTU – Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos em 2019 e se consagrou no 100 Open Startups como uma das 10 soluções de mobilidade mais atrativas para o mercado corporativo, sendo a única solução de transportes públicos no Top 10 da competição internacional.

CONSIDERAÇÕES GERAIS

Observou-se uma falta de harmonização no que diz respeito aos parâmetros de desempenho dos itens que devem compor a solução apresentada. Ou seja, há itens em que os parâmetros estão bastante detalhados, enquanto há outros em que não há detalhamento suficiente. Isso pode implicar em prejuízos ao processo de avaliação das propostas concorrentes, uma vez que se torna possível o livre estabelecimento dos critérios de desempenho que, por sua vez, podem influenciar nos custos gerais da proposta e nas características técnicas e operacionais da solução apresentada.

Sugere-se que questões relativas à operação diária do sistema devem ser separadas das operações de planejamento e controle de desempenho geral do sistema. Considerando que a guarda dos dados de usuários do sistema afeta o desempenho da operação de bilhetagem eletrônica e oferece riscos à empresa detentora da concessão, entende-se que o nível de serviço passa a ser dependente da disponibilidade e da comunicação com a plataforma de operação. 

Parte-se do princípio de que dados cadastrais de usuários transitando por entes diferentes do sistema implica em aumento dos riscos de exposição e vazamento de dados dos usuários, e de que dados anonimizados atendem às necessidades de planejamento inerentes à Plataforma 2. Desta forma, entende-se que os dados pessoais diretos dos usuários atendem às necessidades de bilhetagem, pois se referem aos direitos de uso do sistema e suas comprovações, bem como aos comportamentos de uso inerentes aos benefícios atribuídos pelo ente concedente. 

Entende-se que a pontuação da equipe de projeto tem o potencial de incentivar a participação de profissionais com experiência na área do edital. Para tanto, sugere-se bonificar com mais pontos o currículo que, devidamente comprovado, demonstre que o profissional tem experiência no desenvolvimento de projetos ligados ao transporte público.

Ao atribuir 37,5% da pontuação potencial no item “pontuação da empresa” (item 8.3.4) à necessidade de apresentação de certificações em normas de qualidade, entende-se que este item traz em si uma distorção que representa um desincentivo à participação de micro e pequenas empresas desenvolvedoras de softwares e sistemas, ainda que consorciadas. É sabido que a obtenção destas certificações implica num alto investimento financeiro, que não pode ser suportado pelas empresas de pequeno e médio porte. Considerando que o Estado tem por uma de suas prerrogativas fundamentais o estímulo à livre iniciativa, e o apoio às micro e pequenas empresas é um elemento de promoção do desenvolvimento econômico e tecnológico do país, torna-se um contrassenso a exigência de elementos que sejam restritivos a esta parcela da comunidade empresarial. Desta forma, sugere-se a supressão do método de avaliação por meio de certificações, ou a isenção das micro e pequenas empresas do critério, com atribuição de nota máxima para este critério, uma vez que este critério não é acessível às micro e pequenas empresas. A falta de métodos de avaliação objetivos e que respeitem os princípios de isonomia inviabilizam a substituição por outros critérios.

Observou-se que não há no edital nenhum desenho esquemático da distribuição dos equipamentos embarcados nos veículos, nem de como serão as interfaces de comunicação entre os equipamentos embarcados e sua comunicação com o sistema central. 

Sugere-se atenção ao fato de que o edital também não apresenta como será avaliado e comprovado o atendimento dos requisitos técnicos por ele estabelecidos, dando a entender que isto será feito por autodeclaração dos proponentes. As empresas de bilhetagem eletrônica possuem um vasto histórico no país de não-cumprimento ou não-atendimento às exigências de editais que as selecionaram/contrataram. A praxe da urgência no processo de contratação de sistemas de bilhetagem, somada à falta de capacidade técnica para averiguação e comprovação do atendimento aos requisitos dos editais, beneficia a manutenção do status quo, uma vez que o critério de escolha passa a ser o de projetos já executados, desconsiderando se os requisitos desses projetos foram atendidos ou não. Considerando os padrões atuais, uma vez implementado um sistema de bilhetagem é praticamente impossível a sua substituição devido aos custos e transtornos do processo, além da falta de autonomia por questões de governança de dados e tecnologia. Esses fatos contribuem para a manutenção e preservação dos contratos de bilhetagem que não atendem os requisitos do edital mesmo após sua contratação. Portanto, no caso deste edital em questão, a necessidade de comprovação se faz ainda mais necessária por se tratar de um conceito de bilhetagem novo, do qual nenhuma empresa de bilhetagem no país possui experiência e os casos deste conceito aplicados ao redor do mundo ainda são extremamente raros.

CONSIDERAÇÕES ESPECÍFICAS

Anexo I
Item “Dispositivos embarcados nos veículos”, página 49 e seguintes
Validadores:

Não foram especificados os pontos a seguir:

  • Faixa de tensão de operação (09V, 12V, 24V, etc.);
  • Tipos de slots para conexão com outros dispositivos e suas respectivas quantidades (Ethernet, RS232, USB, etc.);
  • Quantidade de slots para chip SAM;
  • Tipo do chip SAM;
  • Os índices de proteção de partícula, impacto e vibração em padrão internacional;
  • Necessidade ou não de tela e quando houver definir o seu tamanho mínimo;
  • Tipos de sinalização (sinal sonoro, luminoso, etc);
  • Faixa de temperatura de operação;
  • Tipo de processador;
  • Necessidade de memória RAM;
  • Entrada para memória externa (cartão SD).

Na parte que se refere a especificação dos tipos de processamento de pagamentos, o edital aponta os cartões de crédito e débito como um padrão, quando na verdade são produtos. Esses produtos podem ser de tarja magnética, chip ou aproximação. O edital não especifica quais destas tecnologias devem ser contempladas. O padrão adotado pela indústria de cartões bancários para pagamentos em sistemas de transporte público é o EMV contactless, contemplado na especificação dos dispositivos EMV (ISO/IEC 14.443 A/B)

Ainda sobre o processamento dos pagamentos, a especificação exige compatibilidade apenas com cartões microprocessados e não-microprocessados do tipo MIFARE, que é um padrão proprietário, desconsiderando os padrões abertos internacionais como CIPURSE e CALYPSO. Além disso, o edital deixa extremamente ampla sua especificação quando exige a compatibilidade com quaisquer outras tecnologias de pagamento que venham surgir. O problema disso está no fato de que os equipamentos de processamento de pagamento, que no caso são os validadores, precisam ter compatibilidade com essas tecnologias, o que é difícil de prever. Para citar alguns exemplos de tecnologias de pagamento estão o bluetooth, a frequência ultrassônica e o laser a partir dos avanços da fotônica. Os exemplos citados foram listados em ordem de maturidade mercadológica para aplicação de pagamentos e servem para exemplificar o desafio de compreender de forma ampla as tecnologias para este fim.  

Sobre o padrão de conectividade, o edital exige padrão de conexão mínima 4G. A forma como o requisito está especificado abre margem para uma interpretação errônea que pode levar a desconsideração de gerações de internet móvel que ainda representam a maior cobertura de internet no país. Os próprios aparelhos celulares, durante seu uso, transitam entre as diferentes gerações de internet móvel de acordo com a disponibilidade, uma vez que a geração mais atual não está sempre disponível. Portanto, nossa recomendação é que a especificação seja da seguinte forma: “Conexão GPRS/EDGE/3G/4G”.

Na especificação da conexão com dispositivos adicionais para estender as funcionalidades de controle, não é especificado a quantidade de portas que cada tipo deve contemplar. Entre os dispositivos adicionais, o leitor biométrico é citado como exemplo, no entanto, não especifica o tipo de leitor, abrindo a possibilidade de utilização de leitores de digitais que não são recomendados por serem um vetor de doenças e pela dificuldade na leitura das digitais em um ambiente tão hostil e popular como o transporte público.

Na parte que especifica a capacidade de armazenamento, a utilização dos termos “de forma segura”deixa a especificação vaga. A recomendação é que se defina o tipo de criptografia assim como a sua complexidade, como por exemplo, AES256, SHA256, TKIP, etc. Quanto à recuperação, não é mencionada por quais meios seria feita a captura dos dados. Se seria necessário algum software para de recuperação através da conexão com o dispositivo, ou se seria feita apenas através de um cartão SD. Nesse caso não é definido se o dispositivo teria um cartão SD ou se a memória seria soldada na placa com por exemplo um eMMC. Um sistema que possua tanto a memória soldada na placa quanto um cartão SD é o ideal. Além disso, para acesso aos dados que estariam soldados na placa, o ideal é que isso seja feito através de conexão segura utilizando protocolos abertos de rede, como SSH ou FTP.

A presença de um cartão SD, em conjunto com a memória interna (ROM) é encorajada, neste caso, porque existe uma facilidade muito maior de escala quando estender a memória do dispositivo necessita apenas da troca de um cartão.

Para a parte de segurança, em sistemas modernos, existe a criptografia de todo o sistema presente no dispositivo, que garante que dados sensíveis não serão acessíveis por quem não tiver acesso às chaves criptográficas.

Um desses padrões são as partições LVM, que permitem acesso apenas a pessoas com a chave criptográfica e é rápido o suficiente para que não haja nenhum gargalo para a operação. LVM são partições de discos físicos ou lógicos de uso aberto, ou seja, não precisa de licença.

AVL (GPS + Computador De Bordo)

O edital não deixa claro a possibilidade do AVL e do Validador serem um único equipamento, algo que já é possível com os validadores atuais. Nossa recomendação é que o edital apontasse a possibilidade de unificação dos equipamentos visando a redução de custos com sistemas embarcados e a manutenção de diversos dispositivos. De qualquer forma, assim como na especificação dos validadores, não foram especificados requisitos técnicos como os já apontados nos validadores.

A ISO 14.638: 2014 apontada no edital como referente ao Global Positioning Systems na verdade refere-se a especificação do Geometrical Product Specifications, não atendendo aos propósitos desejados neste edital, como pode ser  ser observado no link a seguir: https://www.iso.org/committee/54924.html.

Não existe uma norma ou um padrão ISO que especifique o GPS, pois trata-se de uma tecnologia proprietária que varia muito entre fornecedores. Obviamente, no entanto, existe uma especificação base, mas que não se caracteriza como uma ISO.  A ISO fornece um padrão, por exemplo, como no caso do Bluetooth, que é a ISO 13485:2012, ou Wi-Fi, ISO 14001, ou mesmo NFC, ISO 14443, com inúmeras variações. Uma sugestão de especificação técnica possível para o GPS seria a seguinte:  “Sistema de posicionamento definido por constelações (GPS, GLONASS, GALILEO, Beidou e SBAS) de satélites que permitem determinar o posicionamento e localização de qualquer objeto no globo terrestre”.

Tanto a especificação da comunicação sem fio quanto da possibilidade de acoplamento de outros sensores se enquadram nas mesmas críticas feitas às especificações correspondentes no tópico Validadores.

De forma geral, a definição do AVL é bastante antiga. Considerar apenas o envio de dados por tempo, desconsiderando grades, pontos notáveis, garagens, terminais e pontos de ônibus deixa a especificação na contramão das melhores e mais recentes práticas do mercado.

Sensores de Porta

Não foi especificado qual tecnologia será responsável pela contagem de passageiros e nem como ela irá operar, muito menos a performance mínima desejável. A especificação não define onde os dados podem e/ou devem ser armazenados e nem como e quando serão transmitidos.

Existem diferentes abordagens para atender a demanda de registro das entradas e saídas de passageiros pelas portas do coletivo. Dentre as possibilidades estão a utilização de câmeras stereo, câmeras RGB-D, câmeras térmicas, e câmeras RGB. Também existe a possibilidade de fazer o registro dos embarques e desembarques utilizando sensores que detectam obstáculos, como sensores Lidar, sensores ultrassônicos, etc. 

Visto que cada tipo de câmera ou sensor terá uma faixa de custo diferente, assim como diferentes acurácias, como visto em trabalhos na literatura, é importante que isso esteja bem definido no edital, pois existem soluções que podem custar menos que outras, mas oferecer uma acurácia menor.

Câmeras

Em linhas gerais, a especificação mais apropriada seria de um circuito fechado ou interno de televisão, também conhecido como CFTV, que diferentemente das câmeras, são capazes de armazenar e transmitir os vídeos. É através de um circuito integrado que é possível associar as câmeras aos veículos.

Em nosso entendimento, a exigência de armazenamento definida neste tópico é irreal, uma vez que não é possível, num HD comum, armazenar 30 dias * 12 horas de transmissão em alta resolução. Levando em conta uma estimativa econômica de dados, 12 horas de vídeo corresponde a 100 GB, supondo jornadas dos ônibus de 12 horas. Levando isso para 30 dias, seriam em torno de 03 TB (30*100GB), por câmera instalada dentro do veículo, que deveriam ser armazenados. Isso é inviável tanto do ponto de vista de armazenamento, uma vez que não é nada trivial ter 03 TB disponíveis. Além do que transmitir este volume de dados, mesmo que por Wi-Fi, imaginando um cenário em que vários ônibus teriam que fazer esta transmissão, necessitaria de mais do que dias de ônibus parados para que a transmissão fosse completada.

Neste caso, a orientação a produtos específicos, em vez de princípios gerais que possam nortear a construção de alternativas tecnológicas otimizadas de acordo com as inovações do mercado e a própria evolução do aparato tecnológico dificultam uma abordagem inovadora, econômica e viável para a questão.

A especificação da integração com outros sistemas se enquadra nas mesmas críticas feitas à especificação correspondente no tópico Validadores e AVL.

Pelo descrito no edital foram consideradas apenas câmeras para monitoramento do salão dos veículos, não sendo consideradas câmeras para o monitoramento de fadiga e comportamentos de condução perigosa dos motoristas e para monitoramento externos ao veículo como colisões, por exemplo.

Além disso, acreditamos que duas câmeras não sejam suficientes para cobrir toda a área do salão de um ônibus do tipo Padron e principalmente de um articulado.

Câmeras Integradas aos Validadores

Assim como os outros equipamentos especificados neste edital, não há especificações de características físicas e funcionais deste equipamento. A especificação das conexões destas câmeras depende dos tipos de conexão disponíveis nos Validadores. 

Além disso, o software de captura e análise das imagens para o reconhecimento facial não foi especificado. Na mesma linha, não são definidos o padrão das imagens, a quantidade de imagens ou frames por segundo e nem como deve ser feita a gravação e transmissão das imagens.

O edital não deixa claro se o armazenamento das imagens deve ser feito localmente ou em um servidor.  Além disso, não é especificado se o armazenamento de 30 dias deve ser de todas as imagens capturadas ou somente das  imagens que apresentarem alguma inconsistência entre o portador do benefício e quem o usufruiu.

Ao deixar as configurações de qualidade das imagens geradas e a frequência de obtenção das mesmas em aberto, sem estabelecer seus requisitos mínimos, o edital abre brechas que podem distorcer o processo concorrencial assim como não definem um nível de serviço desejado para a solução.

Roteador Wi-Fi

O edital não deixa claro se o roteador Wi-Fi deve ser um equipamento específico ou se ele pode ser parte integrante de um dos outros equipamentos embarcados também especificados. Além disso, não são estabelecidas as características físicas e algumas funcionais, principalmente se este se tratar de um equipamento específico.

O edital traz a seguinte especificação: “Hotspot Wi-Fi 2.4 GHz e/ou 5 GHz sob o padrão IEEE 802.11 A/B/G/N/AC, ou equivalente”. O que não está claro é se o roteador pode operar somente na frequência de 2.4GHz, ou somente 5GHz, ou ambos.  E ao mencionar “sob o padrão IEEE 802.11 A/B/G/N/AC” não fica explícito se é necessário atingir algum padrão de velocidade do protocolo atendendo a algum requisito mínimo de velocidade do protocolo. 

 

Tabela 1: Referência das gerações do padrão Wi-Fi segundo norma IEEE.

 

Outro ponto relevante é sobre a conta de 60 (usuários) x 512 kbps (de velocidade), resultando em torno de 30 mbps de velocidade na rede móvel. Considerando alguns dados de utilização da rede LTE em capitais brasileiras, a média de acesso está bem abaixo disso, conforme fontes do OpenSignal.

Gráfico 1: Relação das velocidades na utilização da rede móvel por demanda nas cidades brasileiras.

Gráfico 2: Relação das velocidades mais baixas devido a horários de pico, na utilização da rede móvel nas cidades brasileiras.

Além disso, o edital falha ao não deixar claro como será comprovada a capacidade de 60 usuários conectados simultaneamente a uma velocidade para downstream de no mínimo 512 Kbps.

Para concluir este tópico, o edital ainda exige o armazenamento dos logs de utilização durante as viagens, com capacidade mínima suficiente para 30 dias de registro. No entanto, o edital não define se esses logs se referem, podendo ser consumo de dados, GPS, temperatura, número de conexões, entre outros. Além disso, a especificação não define se o armazenamento dos logs propostos, deve ser local (no próprio equipamento), na nuvem ou em ambos.

Serviço Wi-Fi

Verificamos que o valor destinado ao serviço de dados, é de R$110.121,00 por ano para 513 equipamentos, logo foi considerada uma mensalidade de R$17,88 por chip de dados. O que de acordo com os dados de empresas parceiras que atuam no fornecimento de conectividade embarcada para sistemas de transporte coletivos, podemos afirmar que é um valor fora da realidade. Um plano de 40GB de dados da operadora Claro, tem um valor de R$79,90 mensal, e atualmente esse é o menor plano de dados ofertado pela operadora.. Portanto o único chip de dados que poderia corresponder ao valor estabelecido no edital, seria de chips M2M (machine to machine), mas que possuem uma quantidade de banda muito limitada, sendo utilizado para poucas transações de dados, como máquina de cartão de crédito/débito. Por isso acreditamos que os valores precisam ser revistos.

Um outro ponto que o edital não esclarece é em relação a restrição de conteúdos nessa rede Wi-Fi. Conteúdos de vídeo, por exemplo, consomem mais dados e geralmente são restringidos em redes Wi-Fi de internet móvel. Quem será o responsável pela definição dos limites de acesso ao serviço?

O edital ainda prevê que o serviço de Wi-Fi irá proporcionar uma linha de receita com projeções mais otimistas do que os resultados efetivos obtidos por empresas que operam o serviço. De acordo com a experiência de nossos parceiros, os anunciantes não estão dispostos a investir em uma mídia que não tem aprovação e comprovação do mercado. A instabilidade e indisponibilidade da conexão Wi-fi devido às condições operacionais do transporte público acabam afastando anunciantes que não querem associar sua marca a serviços com esse nível de qualidade.

Casos como o da Google ilustram bem este desafio. Em fevereiro de 2020 a empresa anunciou o encerramento do seu projeto Google Station que oferecia Wi-Fi gratuito em espaços públicos. Em 2019 o projeto chegou ao Brasil por meio de um convênio com a Prefeitura Municipal de São Paulo para oferecer o Wi-Fi Livre SP. Mesmo atingindo milhões de usuários em nove países, o projeto se mostrou insustentável levando ao seu encerramento.

A informação sobre o encerramento do projeto podem ser conferidas no blog oficial da Google através do link a seguir: https://brasil.googleblog.com/2020/02/uma-atualizacao-sobre-o-google-station.html

Outro dado que corrobora este desafio é um estudo realizado pelo Inesc – Instituto de Estudos Socioeconômicos em 2019 que aponta que as receitas não tarifárias (como publicidade) de todo sistema de transporte coletivo do Brasil correspondem a R$ 375 mil. Ou seja, a expectativa de arrecadação com dos serviços de Wi-Fi Propaganda e Premium são quase quatro vezes e meia o valor que setor de transporte coletivo arrecadou com receitas acessórias. 

Não está claro no edital o que acontecerá caso essas expectativas de receita não se concretizem.

Sistema de Controle da Bilhetagem

Um ponto crítico na especificação do Sistema de Controle de Bilhetagem que na verdade também envolve outros os editais é o que diz respeito à atribuição à Plataforma 2 do que o edital chamou de “Tarifas e Gratuidades”, que dentre as suas principais funcionalidades estão Cadastro de Usuários, Cadastro de Tarifas, Cadastro de Gratuidades e Homologação de meios de pagamento. Visto que as informações presentes nesses sistemas influenciam nos modelos de cobrança, tarifação e integração com outros sistemas e modais, como pedido nesta especificação, além de possuírem uma interdependência muito grande de outros módulos da bilhetagem, toda sua atribuição deveria ser feita a Plataforma 1.

Quanto a ISO/IEC 24014-1:2015(E) intitulada de Public transport – Interoperable fare management system, nós não a conhecíamos e não tivemos tempo hábil para analisá-la, o que não nos coloca na posição de avaliar a sua viabilidade ou mesmo de criticá-la. 

Em sua especificação o edital menciona que o Sistema de Controle de Bilhetagem deve cumprir a norma internacional PCI-DSS Payment Card Industry Data Security Standard, ou equivalente, o que não é necessário.

Existem dois tipos de certificação PCI. São elas a PCI-PTS (PIN Transaction Security) e a PCI-DSS (Data Security Standard).

A certificação PCI-PTS (PIN Transaction Security) aplica-se para PINPADS. Para terminais que não são pinpad, a certificação é chamada SRED. Em ambos os casos, para que seja certificado PCI-PTS / SRED é necessário ter dispositivo anti-tamper no “invólucro” do produto. Para aplicações em Transporte Público, a experiência do mercado provou que com a trepidação inerente dos veículos esse tamper é disparado com certa frequência. 

Já a certificação PCI-DSS (Data Security Standard), é uma certificação para a solução de Hardware + Software + backend com o objetivo de garantir sigilo de dados do cliente. Essa certificação não é do hardware, e sim da Solução completa, e não exige que o Hardware utilizado seja certificado PCI PTS, como por exemplo em soluções propostas com a utilização de LEITOR NFC que não tem pinpad. Em sua documentação, a certificação PCI se configura como uma recomendação e não uma obrigatoriedade.

Há outras maneiras de certificar que os dados dos clientes estão protegidos, como por exemplo o uso de uma chave forte (por exemplo TDES com DUKPT), que pertença a um Processador (Adquirente), garantindo assim que o criptograma gerado no momento da transação só poderá ser aberto pelo HSM do Adquirente, em ambiente protegido e certificado PCI. Dessa forma, todos os componentes entre a leitora e o HSM são considerados fora do escopo do PCI, pois estão trafegando encriptados. Ou seja, exigir que o Sistema de Bilhetagem seja PCI é o mesmo que exigir que a TIM, a Claro ou a Vivo sejam certificadas PCI-DSS, pois trafegarem dados de pagamento em suas redes, ainda que estejam encriptados. Para concluir, quem deve possuir a certificação PCI-DSS é o proprietário da chave criptografia dos dados, ou seja, quem processa os pagamentos (adquirente), pois todos os agentes que estão entre o leitor e o HSM que sabe ler a chave estão fora do escopo da certificação.

O edital não apresenta os requisitos mínimos de segurança para os métodos de pagamentos, tais como smart cards e QR Codes. Sistemas de bilhetagem atuais como o da SPTrans em São Paulo e o da Transurc em Campinas, para citar alguns, apresentam fraudes e brechas de segurança conhecidas, mas que as empresas fornecedoras de bilhetagem ainda não foram capazes de resolver. 

A especificação para o Sistema de Controle de Bilhetagem ainda estabelece que o modelo aplicado deve permitir o desenvolvimento de novas funcionalidades e produtos conforme necessário, independentemente das características e funcionalidades já existentes, entretanto, a especificação não define quem será o responsável pelo desenvolvimento dessas novas funcionalidades e produtos e nem de que forma isso deve ser garantido, como por exemplo uma arquitetura baseada em microsserviços com APIs públicas que são asseguradas por chaves de autenticação.

O edital também estabelece que o Sistema de Controle de Bilhetagem deve reconhecer e prevenir ataques de fraude internos ou externos, mas não estabelece um requisito mínimo de prevenção a ataques como de Proxy, DDOS, Força Bruta, etc.

Sistema de Clearing

Em sua especificação, espera-se que o sistema de Clearinghouse suporte a intermediação de novos métodos de pagamento a serem incorporados de forma evolutiva ao decorrer do contrato. Como o edital faz menção ao PIX para viabilizar o recebimento de pagamentos dos usuários de transporte coletivo, mas a especificação não deixa clara se a aceitação do PIX deve ser apenas para creditar a conta dos usuários (ABT) ou como mecanismo de pagamento dos embarques nos validadores. 

Caso a segunda opção seja um objetivo deste edital, recomendamos a sua reconsideração, uma vez que a transação PIX depende de conectividade com a internet e pode levar de 04 (quatro) a 10 (dez) segundos para ser efetivada, um cenário que não condiz com a realidade operacional do transporte público.

DW – Data Warehouse e Datalake

O edital não apresenta definições sobre segurança no Data Center quanto ao processamento, armazenamento e replicação dos dados, por exemplo. Além de que as estimativas de volumetrias e frequências apresentadas não são suficientes para estimar os custos envolvidos para então elaboração de uma proposta.

Proteção de Dados 

Apesar de fazer menção a LGPD – Lei Geral de Proteção de Dados, exigindo sua compatibilidade com a Legislação, o edital não é claro na definição das responsabilidades uma vez que os dados sensíveis estão sob a responsabilidade da Plataforma 2. O edital não menciona como será feita a transferência desses dados e nem como eles estarão estruturados, organizados e armazenados. 

Não identificamos no edital da Plataforma 1, nenhuma citação ao Marco Civil da Internet e suas consequências. O Marco Civil da Internet vai falar sobre crimes cibernéticos, diferentemente da LGPD que basicamente se refere a dados pessoais. Ao não definir as regras para restrição de conteúdos no serviço de Wi-Fi, o edital coloca em risco a provedora da Plataforma 1 caso um IP (Internet Protocol), por exemplo, seja utilizado em algum crime cibernético. Se o rastreamento deste crime não chegar ao usuário final, a provedora do acesso a provedora da Plataforma 1, poderá ser responsabilizada. Portanto, a definição das regras de restrição de acessos, assim como a autonomia para o trabalho de manutenção diário desta lista de restrições, deve estar delimitado no edital. 

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Isso é obrigatório.
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Economia compartilhada e o mito da retórica Uber: parte 3/3

Em série especial de 3 textos abordamos a história inicial da Uber e suas similares no Brasil, as consequências desse modelo e os caminhos que rondam o setor

Vimos até agora a estratégia de penetração no mercado de Uber, Lyft, 99 e suas similares, chamadas de Operadoras de Tecnologia de Transporte Credenciadas (OTTCs) em legislação da cidade de São Paulo. 

Na parte I nos aprofundamos em suas estratégias retóricas e como utilizam disso para surfar na ausência de marco regulatório. Na parte II chegamos as consequências negativas do modelo de negócios de carros compartilhados por app e os avanços que cidades fizeram na governança urbana. 

Agora, na parte III, abordaremos os desafios que se impõem ao modelo da Uber, as concorrências que despertam e finalizamos com o papel do transporte público nessa questão. 

Veja também: 

O futuro com carros sem motorista

Não é irreal dizer agora em 2020 que carros autônomos, destes que se dirigem sozinhos, estarão disponíveis à compra em pouco tempo. Carros semi-autônomos da fabricante americana Tesla já estão no mercado há anos e os principais impedimentos hoje são marcos regulatórios e opinião pública negativa. 

Isso interfere diretamente nos planos da Uber e semelhantes de diminuir seus custos operacionais com motoristas, antes que novas resoluções sejam passadas mundo afora as obrigando a arcar com encargos trabalhistas. Talvez não haja tempo o bastante. 

Enquanto não há tempo para algumas, outras nadam nesse novo mar. É o caso própria Tesla, que recentemente anunciou que colocará milhares de carros autônomos na rua ainda este ano. A empresa tem utilizado visão computacional e sensores há anos em seus carros elétricos e agora promete uma solução de direção autônoma onde basta apenas uma atualização para que modelos não-autônomos recebam a novidade. 

O plano da empresa é mais ousado do que o de qualquer outra, pois a Tesla já possui sensores em carros comuns na rua, diferentemente de competidoras que têm apenas uma centena de testes rodando, como a Uber e a Waymo. 

A quantidade de informações em bancos de dados é diretamente ligada à qualidade de qualquer Inteligência Artificial, necessária para os carros autônomos. 

Além disso, os clientes da Tesla já estão acostumados com um carro que é aberto por aplicativo e totalmente digital, contribuindo para a adoção inicial e diminuição da barreira negativa. 

Outro ponto importante nos carros autônomos da Tesla é que eles apostam em serviços, onde não possuímos o carro e só o solicitamos. E nesse momento podemos ainda escolher dirigir e só acionar o modo autônomo se estivermos confortáveis. Ou seja, a barreira de entrada causada pela percepção negativa das pessoas em um carro que se dirige sozinho é menor, pois elas estão aptas a dirigir. 

O carro só anda sem motorista quando quisermos ou entre um chamado e outro, conseguindo o que a Uber e afins mais querem mas ainda estão muito longe de alcançar: não ter motoristas para pagar. 

Nesse cenário, a Tesla se torna uma grande concorrente à Uber, fazendo frente aos seus serviços e tornando ainda mais inviável o modelo de negócios atual dos carros compartilhados por app. 

Imagine que você poderá comprar um carro autônomo – cerca de $38 mil dólares na versão básica – e usá-lo como robotáxi nas horas vagas, fazendo cerca de $30 mil dólares ao ano. Em pouco mais de 12 meses o investimento inicial se paga. 

É claro que essas são previsões otimistas. No Brasil, em particular, ainda não temos estrutura para carros elétricos, o que atrasará a adoção desses modelos. Além disso, um carro que se paga “sozinho” logo seria bom demais pra ser verdade, enchendo nossas cidades desses veículos e diminuindo drasticamente o preço das viagens, tornando mais difícil lucrar assim. 

Outro fator é que não existe qualquer marco regulatório para carros autônomos no Brasil, embora a experiência com o “problema Uber”tenha tornada mais dinâmica a estrutura de gestão das cidades e do uso viário. 

Ter comitês e protocolos voltados à inovação impede experimentos catastróficos, como a morte de uma pedestre em testes do carro autônomo da Uber no Arizona (EUA), mas não limita a inovação, uma vez que possui estrutura para ao menos avaliar novas soluções. É o caso do Conselho Municipal de Uso Viário (CMVU) na capital paulista. 

De toda forma, modelos de carros compartilhados por app correm sério risco no curto prazo. Já não lucram, pagam mal seus motoristas e têm pela frente que lidar com a voracidade de uma empresa muito à frente, como a Tesla. 

Para onde a economia compartilhada pode seguir…

Ao longo dos três textos dessa série especial sobre o modelo de negócios da Uber e suas similares falamos algumas vezes sobre economia compartilhada e como essas empresas se apropriaram do termo para dar vazão à necessidade de se diferenciar. 

Entretanto, economia compartilhada não é algo que nasceu ontem. Mesmo o transporte público pode ser considerado uma forma de economia do compartilhamento, uma vez que todos os usuários dividem os custos do sistema. Ainda por cima, motoristas e profissionais sempre tiveram todos os seus benefícios e direitos cobertos pelas leis vigentes. 

O que está em desuso é um serviço que não atende às necessidades específicas de cada indivíduo, algo que o transporte coletivo urbano não consegue pois é um dos setores mais regulados do país e que está à beira da falência por regulações ruins – além da falta delas em outros setores. 

A transformação digital de qualquer indústria é complexa. Já a transformação digital de um dos setores mais tradicionais do país, o de transportes, apresenta desafios maiores ainda, levando em consideração legislação, tecnologia, o estigma de corrupção, etc. 

Nesse caso, não precisamos de menos regulação, mas de normas melhores, que incentivem a inovação e regulam setores que causam externalidades negativas, como é o caso das empresas de tecnologia no setor de transportes.

Nesse mundo ideal, não precisaremos nos preocupar novamente com soluções que se dizem mágicas, pois o transporte público já será altamente eficiente. 

No caso da Uber e suas similares, previsões de mercado enxergam um caminho turbulento à frente. Para continuar burlando legislações que as obriguem a pagar dignamente seus motoristas, especialistas preveem uma virada ao segmento de franquias, onde franqueados podem usar a tecnologia de conexão entre motorista-passageiro. 

Nesse caso, a Uber não teria mais relação com o motorista, somente com o cliente final e o dono da franquia e chefe dos motoristas. Entretanto, esse modelo não exime totalmente a empresa de tecnologia de seus deveres e, em determinadas visões, pode colocá-la como co-responsável pelos trabalhadores. 

Um exemplo disso é o setor da moda, um dos setores mais lucrativos do mundo, que utiliza mão de obra terceirizada em suas costuras, se dando o direito assim de ignorar violações de direitos trabalhistas. Quando expostas nessas situações, grandes marcas apenas rompem contratos e fazem notas de repúdio, ignorando que na verdade estavam terceirizando trabalho escravo num problema estrutural. 

O ponto aqui é que o mundo está mais esperto para manobras como essas. 

A década da virada

Todo especialista em mobilidade urbana está falando como a década de 2020 será importante para o setor. Inovações introduzidas – com permissão ou não – na última década estão alcançando amadurecimento. 

Novas soluções estão a caminho e marcos regulatórios são promulgados cada vez mais rápido. Embora ainda excessivamente focadas em “regulação”, cidades estão mais cientes da mega estrutura do espaço urbano e da necessidade de operar diversos fatores para continuar melhorando a vida urbana e não entregar a vida em cidade às empresas de tecnologia. 

Estas últimas, por sua vez, estão cada vez mais em descrédito e desconfiança no Ocidente, nos mais diferentes setores, sobretudo pela falta de transparência em suas mega operações de dados. 

Dessa forma, será cada vez mais difícil usar a tática “peça perdão, mas não peça permissão”. O que é bom para a sociedade. Só precisamos ter mais clareza de que regulações servem também para estimular a inovação, e não só atrasá-la. 

A inovação, por sua vez, precisa estar atenta às demandas da sociedade, e não ser construída a 4 paredes pela elite tecnológica. Afinal, de boas intenções o cemitério de patinetes está cheio.

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Isso é obrigatório.
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Economia compartilhada e o mito da retórica Uber: parte ⅔

Em série especial de 3 textos abordamos a história inicial da Uber e suas similares no Brasil, as consequências desse modelo e os caminhos que rondam o setor

Após a chegada da Uber e do êxtase que tomou conta do mercado atingimos um período de amadurecimento onde as consequências desse modelo geram mudanças significativas na sociedade. Podemos agora articular conhecimento teórico sobre esse assunto. 

As Operadoras de Tecnologia de Transporte Credenciadas (OTTCs), como Uber, 99/Didi e Lyft, foram pioneiras numa relação de trabalho pautada por demanda, à princípio com a retórica de “nossos motoristas podem fazer o que quiser no tempo livre e trabalhar quando, onde e como quiserem”

Porém, o que podemos comprovar é que a grande maioria dos motoristas disponíveis nessas plataformas têm nelas seu único meio de subsistência. 

Veja também: 

Trabalho ou empreendedorismo? 

Um estudo da Universidade de Berkeley, na Califórnia, aponta que em Seattle 55% dos motoristas de aplicativos de carros compartilhados trabalham em período integral e 83% compraram seu carro com o intuito de trabalhar no segmento. 

No Brasil, em especial, a uberização” do trabalho, definida por longas jornadas, baixos pagamentos, inexistência de benefícios e algoritmos obscuros, foi intensa, uma vez que a taxa de desemprego está acima dos 10% desde 2016. 

Esse alto índice de desocupação contribui todos os dias para a catalização de milhares de pessoas que viram na condução de veículos uma oportunidade de renda em meio à crise e persistência do desemprego. 

Esse movimento vai contra toda a retórica inicial da OTTCs de “liberdade”para seus motoristas, pois eles são cada vez mais funcionários em tempo integral à serviço da empresa. Algumas perguntas chave para entender essa questão podem ser: 

  1. O trabalhador é livre para desempenhar sua função sem o controle ou a direção da companhia? 
  2. As tarefas desempenhadas pelo trabalhador estão fora do principal negócio da empresa?
  3. O trabalhador está ligado a uma empresa ou atividade da mesma natureza da tarefa desempenhada?

Com algoritmos comandando toda a dinâmica de trabalho e o negócio principal das OTTCs ser mobilidade, embora tentem negar, fica evidente que existe um vínculo entre motoristas e empresas.

Segundo o site Vagas.com a renda média mensal de um Uber é R$1800, mas nada consta sobre a jornada de trabalho, que pode ultrapassar em muito as 40 horas semanais num emprego formal CLT. 

Sem contar os custos de manutenção do carro, seguros e as viagens não remuneradas entre clientes ou na ida e volta pra casa. Sabe quando você pede ao motorista para andar mais um quarteirão? O algoritmo não é transparente a ponto de dizer que isso não é cobrado. Agora imagina isso acontecendo várias vezes ao mês, o prejuízo ao motorista se torna significativo. 

Dados como esses apontam para uma crescente precarização do trabalho. Bem distante das promessas iniciais. Mas a dissociação de discurso e realidade não é um erro, é uma estratégia. 

Para captar bilhões em investimentos e atrair tanta atenção da mídia foi necessário criar uma retórica de “inovação” e “disrupção”quando claramente essas empresas estavam infringindo legislações e mantendo milhares de motoristas como informais, mesmo que muitos tenham todas as características para serem considerados funcionários.

A resistência em considerar como funcionários se dá pela elevação dos custos com a contração formal. Se hoje a Uber registra prejuízos todos os anos, em um cenário onde paga adequadamente seus motoristas a falência é evidente, pois só em 2019 a conta fechou no vermelho por $8.5 bilhões de dólares.

Ao abrir capital na bolsa de Nova Iorque, a companhia afirmou num extenso relatório que geraria lucro dentro de alguns anos, muito em relação à expectativa de uso de carros autônomos e redução de custos com seus motoristas. 

Ou seja, mesmo já pagando pouquíssimo aos motoristas, esse modelo de negócios ainda depende de uma potencial, mas não certa, possibilidade de carros autônomos dominarem nossas ruas. 

Embora já existam diversas iniciativas em fases avançadas, ainda não sabemos como irão se comportar nas ruas das cidades – e se serão bem aceitas por poder público e sociedade – o que pode retardar ou evitar sua adoção e prejudicar os planos da Uber. 

A empresa, inclusive, é responsável pela morte de uma pedestre em testes com seu próprio software de Inteligência Artificial para carros autônomos. 

Por fim, recentemente o estado americano da Califórnia reconheceu, por meio da Justiça, vínculo empregatício entre Uber, Lyft e seus motoristas. Ambas as companhias ameaçam agora sair do estado, mesmo este sendo um dos mais populosos e importantes de todo o mundo. 

Questões como essas demonstram o desafio que o modelo de negócios das empresas OTTCs possuem e que tendem a ficar mais nítidos, a partir do momento em que o modelo de negócios está baseado na exploração de trabalhadores subutilizados. 

E ainda nem falamos dos impactos na vida urbana… 

Mais trânsito nas cidades

Se as OTTCs surgiram confiantes de que as pessoas teriam menos necessidade e vontade de ter um carro, colaborando assim para menos trânsito nas cidades, o que se comprova hoje é o exato oposto. 

Aplicativos de carro compartilhado pioram o trânsito nas cidades, como revelam inúmeras pesquisas nacionais e internacionais. Alguns fatores são apontados para isso: 

  • Muitos carros ficam rodando vazios até encontrar passageiros;
  • Há um número expressivo de motoristas disponíveis nessas plataformas hoje; 
  • Viagens de carro sob demanda se popularizaram entre classes mais baixas, em situações em que o transporte público era usado antes;
  • Incentivos ao uso do carro próprio continuam em toda a sociedade. 

As próprias companhias já admitem o cenário, depois de tantas pesquisas que confirmam o cenário. Estudo encomendado por Uber e Lyft nos Estados Unidos chegou a número impressionantes: em São Francisco, por exemplo, viagens de carro por app já são 13,4% do congestionamento. E metade do tempo os carros estão vazios entre uma viagem e outra. 

Os avanços 

Se podemos concluir com algo positivo em relação ao que vimos no capítulo I e II deste tema é o avanço na governança urbana no lugar da regulação dos transportes. 

Novos modais e serviços são entendidos numa estrutura mais ampla no espaço finito que é o viário, num amadurecimento de uma discussão que inicialmente estava numa dicotomia entre regulação ou não. 

À exemplo do que aconteceu em São Paulo, cidades estão mais preparadas para pensar a multimodalidade e os aspectos negativos que diferentes modais podem causar no espaço urbano. 

Com políticas pública em governança urbana ao invés de apenas regulação pode-se não só diminuir prejuízos às cidades como também otimizar a mobilidade ativa, os meios públicos e a integração harmônica e vantajosa da mobilidade urbana, do espaço urbano e da vida em cidades. 

Entretanto, apenas um passo foi dado, enquanto os avanços tecnológicos seguem em curso e impõem novos desafios à vida urbana. É o que abordaremos na parte III desta série de artigos. 

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Economia compartilhada e o mito da retórica Uber: parte ⅓

Em série especial de 3 textos abordamos a história inicial da Uber e suas similares no Brasil, as consequências desse modelo e os caminhos que rondam o setor

O ano de 2020 é decisivo para uma das companhias mais polêmicas da atualidade: a Uber, junto a suas similares em modelo de negócio, como Lyft, 99/Didi e Cabify.

O motivo? O fim do entusiasmo de mídia, investidores e sociedade com o que foi associado a “economia compartilhada”, e o início de uma era de questionamentos sobre um modelo de negócio que precarizou o trabalho, retirou passageiros do transporte público e aumentou o trânsito nas cidades

Este artigo compõe uma série de 3 textos que visam analisar a situação de mercado atual para essas empresas em aspectos mais amplos do que apenas a mobilidade urbana. 

Nesta edição analisamos a estratégia de penetração dessas empresas, também denominadas Operadoras de Tecnologia de Transporte Credenciadas (OTTCs) em legislação vigente em São Paulo, termo utilizado aqui como guarda-chuva das marcas citadas acima. 

No segundo texto objetivamos argumentar sobre as consequências desse modelo de negócio  na vida urbana. Por fim, no último artigo arriscamos uma previsão do destino que essas empresas poderão tomar na década que se inicia, vista por especialistas como um momento de amadurecimento de iniciativas dos anos 2010. 

A promessa “liberdade, economia e inovação” 

Desde seu lançamento em 2009 a Uber não se declara uma empresa de transportes, mas sim de tecnologia que conecta pessoas com carro e pessoas sem carro querendo fazer viagens. Dessa forma, tenta se contrapor aos taxistas, inimigos número 1 desde a estreia, ao enfatizar suas diferenças. 

Com essa retórica a Uber se vendeu – e continua se vendendo – como uma ferramenta de desintermediação, tão revolucionária que seus motoristas não poderiam se encaixar numa dinâmica de empregador-trabalhador convencional

Por esse argumento, conseguiu por muito tempo “imunidade”, enquanto ninguém conseguia enquadrar as OTTCs em nenhuma regulação. As OTTCs ficaram à margem de qualquer regulamentação e nadaram de braçada fazendo o que bem entendiam.

Somado a isso, essas empresas buscaram se posicionar como criadoras de empregos e de um novo modelo de trabalho onde as pessoas “são livres”para trabalhar quando puderem/quiserem, ficando disponíveis a conquistar seus sonhos e viver sua vida entre jornadas como motoristas. Embora, como veremos no próximo texto, não tenha sido exatamente assim na vida real. 

Com milhões de motoristas à disposição e nenhuma regulação séria nas mãos, Uber, 99, Lyft e outras puderam baratear viagens de carro como nunca, aumentando passageiros em todas as classes econômicas, incluindo aquelas que não costumavam usar táxis antes.

Para os mais ricos, apps de carros compartilhados são mais limpos, eficientes e rápidos do que táxis; para os mais pobres, podem representar uma viagem que não poderia ser feita por transporte público antes. 

Tudo isso levou aos dados absurdos que essas empresas possuem hoje: milhões de viagens por dia, milhões de passageiros e motoristas num ecossistema que lota nossas cidades de carros todos os dias. 

Além, é claro, da mudança drástica que provocou na vida de taxistas tradicionais e na perda de clientes do transporte público, que viu 25% de seus passageiros sumirem nos últimos 7 anos, muito em decorrência das facilidades e preços baixos de viagens por carro oferecidas pelos OTTCs.

Todo esse gigantismo em números fez os olhos de investidores de capital de risco brilharem, levando às OTTCs bilhões de dólares em investimento, com a promessa de lucro em questão de anos, à exemplo da Amazon, que perdeu dinheiro por muito tempo até começar uma curva de lucratividade exponencial. 

O problema é que talvez isso nunca aconteça com esse modelo de negócios em carros compartilhados. O fator humano, tão renegado por essas empresas, é a “pedra no sapato” para a viabilidade financeira. Vamos aos fatos. 

Os problemas “legislação, burocracia e mentiras” 

A Política Nacional para a Mobilidade Urbana, aprovada em 2012, foi um grande avanço da agenda pública de mobilidade no país e estabeleceu algumas categorias de transportes, incluindo o que popularmente chamamos de transporte público, táxis, fretados, etc. 

Os táxis foram categorizados em “transporte público individual” por seu perfil de serviço público: estão na rua, podem ser acessados por qualquer um que possa pagar e precisam de alvarás e outras exigências para operar. 

Quando desembarcou no Brasil em 2014, na cidade de São Paulo, o lobby da Uber logo se voltou a negar suas semelhanças com o termo “transporte público individual”, buscando um espaço nas fendas regulatórias. 

Um relatório de Zanatta, De Paula e Kira (2015) mostrou que, no Brasil, os taxistas alegavam que os motoristas da Uber ofereciam “transporte público individual” e, portanto, precisavam cumprir os procedimentos de licenciamento existentes e se enquadrar nas regulações aplicadas aos táxis em São Paulo. Por outro lado, representantes da Uber no Brasil alegaram que seu serviço pertencia a um novo tipo de transporte, “transporte motorizado privado” em vez de “transporte público individual”- citam e relatam Pedro C. B de Paula e Rafael A. F. Zanatta no artigo “O problema Uber em São Paulo: desafios à governança urbana experimental”.

O comportamento foi parecido em todos os outros países do mundo e necessário para fazer dar certo seu modelo de negócios. Com viagens a baixíssimo custo em relação ao que era oferecido até então, as empresas OTTCs só podem faturar se tiverem poucos encargos, o que exclui a possibilidade de ser “patroa” de seus motoristas ou arcar com os tributos que taxistas comuns possuem. 

A estratégia das OTTCs é a de pedir perdão e não permissão, aproveitando brechas em leis ou simplesmente as quebrando, como afirma o professor Ben Edelman no encontro “Desregulamentação, competição justa e Estado de Direito”da Harvard Business School. Para ele, empresas de tecnologia estão criando culturas de “ignorar a lei”, quando não gostam delas, partindo para uma estratégia “agressiva e ilegal”. 

Não pedir permissão deu certo à Uber. Em pouco tempo, a discussão binária do “é legal ou ilegal?”ou “é táxi ou não é táxi?”foi tomada por questões mais complexas, uma vez que houve um entendimento geral de que esse modelo de viagens veio para ficar. 

O início da regulação 

Durante 2014-2015 o debate público foi tomado pela questão da chamada “economia compartilhada” e das inovações que as tecnologias ofereciam à forma como serviços são prestados. 

Segundo Gansky (2010), citado no “Boletim de Inovação e Sustentabilidade” da PUC-SP, “economia compartilhada, ou mesh, é um sistema socioeconômico construído em torno do compartilhamento de recursos humanos e físicos, o qual inclui a criação, produção, distribuição, comércio e consumo compartilhado de bens e serviços por pessoas e organizações”.

Já Botsman e Rogers (2011) conceituam a economia compartilhada, ou consumo colaborativo, “como um conjunto de práticas comerciais que possibilitam o acesso a bens e serviços, sem que haja, necessariamente, a aquisição de um produto ou troca monetária entre as partes envolvidas. Estas práticas são constituídas por transações como o compartilhamento, empréstimo, aluguel, doação, trocas e escambo”.

O termo se tornou imperativo no discurso das OTTCs, que apareciam cada vez mais: 99táxis virou apenas 99 e se entregou ao modelo da Uber por pressão da nova concorrência, a espanhola Cabify chegou ao país e apps de nicho, como o Lady Driver, começaram a surgir. 

Diante da retórica afinada e do impacto em nossas cidades, a regulação desses meios se tornou determinante. Rio de Janeiro e São Paulo lideraram no país grupos de discussões e tomadas de decisão, com a segunda sendo referência em inovação e liderança. 

Na capital paulista a ideia de que transporte mediado por aplicativos é uma categoria diferente das dos táxis venceu, entretanto, as OTTCs receberam obrigações. Entre os tópicos estão a regularização dos veículos até a compra de créditos por quilômetro rodado, contrapartida pelo uso do sistema viário. 

Nesse modelo, as empresas compram créditos a serem usados por seus motoristas e o uso do crédito flutuaria a depender do horário da viagem, pontos de início e término ou tipo de carro utilizado. Houve uma preocupação em desincentivar a permanência no centro da cidade para atendimento também em regiões mais afastadas. 

Sobre o sistema de créditos, no artigo Pedro C. B de Paula e Rafael A. F. Zanatta comentam: 

“Em vez de um sistema puramente de comando e controle, a Prefeitura decidiu modificar o comportamento das empresas de tecnologia (“operadoras”) com incentivos de mercado. No modo em que foi projetado, o operador deve comprar créditos por quilômetros para permitir que os motoristas parceiros estejam na estrada. Se eles só permanecerem no centro da cidade durante os horários de pico, o crédito será usado mais rapidamente (o preço a ser no centro da cidade seria mais caro, por assim dizer). Se forem às periferias e aos arredores da cidade, o crédito durará mais (o preço seria menor).”

Foi uma grande inovação que São Paulo só estava preparada pela criação, anos antes, da SP Negócios e do Mobilab, laboratório de mobilidade urbana ligado à Secretaria de Transportes, responsável por formular políticas públicas e inovações tecnológicas. 

A experiência de pensar a dinâmica desse novo serviço na cidade também teve como resultado a criação do Comitê Municipal de Uso Viário (CMUV), órgão de governança urbana, preparado para trabalhar em questões que vão além da mobilidade urbana e da simples regulação. 

Entretanto, embora de início as principais questões tenham sido atendidas por meio desta regulação, a expansão dos serviços de Uber e afins foi colocando novos desafios às cidades, aos governos e às próprias empresas. 

Além disso, a experiência de regulação, atrelada à criação de comissões que analisam a mobilidade e o uso do espaço viário – em São Paulo a CMUV -, foi fundamental para o questionamento crítico com o amadurecimento dessas soluções. 

É o que podemos considerar o início do fim, ou a queda do êxtase causado pela chegada desses serviços, um momento onde a regulação não pode ser um entrave à inovação, mas também não pode ser feita a qualquer custo.

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Isso é obrigatório.
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Nota de R$200 mostra barreiras dos pagamentos digitais e impõe desafios ao transporte público

Serviços essenciais, como transporte público, são vias que favorecem a digitalização financeira, mas concentração das estratégias ainda está nas classes que já não usam tanto o dinheiro em espécie

Você verá neste artigo 

  • Os motivos do lançamento na nova cédula de R$200
  • Possíveis impactos da nova cédula, em especial no transporte público
  • A desigualdade no acesso aos meios digitais no Brasil
  • Como a China promoveu a digitalização financeira da sua população
  • O que temos a aprender com o gigante Asiático 
  • Como o transporte público é uma peça chave na transformação digital do país
  • Oportunidades com o lançamento do PIX pelo Banco Central 

O dinheiro em espécie em posse dos brasileiros está aumentando durante a pandemia, o que levou o Banco Central a anunciar a nova nota de R$200, uma estratégia para diminuir custos com a circulação maior de cédulas. 

Segundo a instituição, está ocorrendo um entesouramento do dinheiro, e os principais motivos são a insegurança nos bancos em setores da sociedade – o medo da inflação e a lembrança do confisco da poupança incentiva a retirada dos bancos; a menor circulação do dinheiro no comércio e os saques do auxílio emergencial, que em sua maioria não voltaram ao sistema bancário. 

O movimento vai na contramão do que estava acontecendo até então: a diminuição de pagamentos feitos por dinheiro em espécie. Mas, ao mesmo tempo, o anúncio dá luz a um problema pouco abordado nas rodinhas de tecnologia e inovação mais esclarecidas: o acesso da população mais pobre aos pagamentos digitais, além dos problemas decorrentes do estímulo ao uso do dinheiro em espécie. 

Primeiros impactos na economia

Especialistas em economia e investimentos ouvidos pelo Estadão divergem em relação aos impactos diretos na economia brasileira do lançamento de uma nova cédula. Parte afirma que a nova nota pode desencorajar ainda mais os investimentos, estimulando a poupança em casa mesmo. 

“A insegurança momentânea também faz com que algumas pessoas não invistam. Então, olhando para um todo, existe uma relação de que as pessoas guardam mais ‘dinheiro vivo’ em momento de crise e a nota alta vai aumentar essa prática”, afirma Caio Mastrodomenico, CEO da Vallus Capital.

Outra parte dos especialistas afirmam que o impacto nos investimentos não será tão sentido, pois esse setor é bastante digitalizado hoje. 

Porém, concordam que problemas já recorrentes tendem a se tornar mais claros, como é o caso do troco. Alguns setores já sofrem em suas transações com dinheiro, especial aqueles pouco digitalizados, como o transporte público. 

Luiz Renato, CEO da ONBOARD, especialista neste setor no país, conta ao Agora é Simples que “Práticas como a tentativa de embarque utilizando notas de R$ 50,00 e R$ 100,00 são conhecidas e chegam a garantir viagens gratuitas pela falta de troco. Imagina esse cenário com a nota de R$ 200,00”. 

Nessas situações, a nova nota pode contribuir para a já combalida economia das empresas de transporte, impondo novos desafios, treinamentos e estratégias. 

No ponto de estratégias, todavia, é importante nos aprofundarmos no contexto nacional e no papel atual exercido pelo transporte público em relação aos meios de pagamentos.

A desigualdade digital no Brasil

O último aspecto que corroborou com a decisão de incluir uma nova nota na moeda brasileira é a grande parcela das pessoas beneficiárias do auxílio emergencial que, em sua maioria, preferiram retirar a quantia da sua conta, ao invés de realizar seus pagamentos de forma digital. 

É óbvio que isso não pode ser explicado apenas em termos de preferência. Grande parte da população ainda não possui acesso aos meios digitais, ou se possui, não são impactados por uma educação financeira digital – nem ao menos qualquer educação financeira. 

Pesquisa do Instituto Data ANF, da Agência de Notícias da Favela, revela que 45% das pessoas pagam suas compras com dinheiro físico – número maior do que a média nacional de 29% – mesmo sendo notório que o risco de contaminação pelas notas seja maior, conforme afirmação da Organização Mundial da Saúde. 

Todo brasileiro já ouviu dos mais velhos quando criança que o dinheiro contém muitos germes. Não é diferente com o novo vírus. 

Com a pandemia, a aposta dos setores de pagamentos era de um aumento exponencial do digital, o que de fato ocorreu. O PicPay, uma das maiores carteiras digitais do país, ampliou em seis vezes novos cadastros mensais durante a quarentena. 

A Caixa Econômica Federal, a seu modo, lançou o app Caixa Tem para pagamentos do auxílio emergencial. Essa experiência, porém, foi frustrante para a grande maioria das pessoas, que não conseguia acessar o app, tampouco fazer pagamentos por ele. O app se tornou chacota na internet pela tentativa de mal sucedida de transformação digital. 

Nem mesmo “dando” dinheiro o app foi bem avaliado, uma vez que gerou filas, intermináveis mensagens de erro e críticas vindas de todo o Brasil.
Horário de funcionamento não faz sentido no digital

Sem um serviço funcional, a oportunidade de incluir financeira e digitalmente pela primeira vez grande parte da população mais vulnerabilizada do país não obteve grande sucesso, ocasionando a retirada dos valores de forma presencial em agências bancárias, o que contribuiu para a maior circulação de notas de papel e o lançamento da nova cédula de R$200. 

Sendo assim, as estratégias para incluir pessoas das classes C, D e E no setor digital, num dos países com a menor inclusão financeira do mundo, precisam contemplar a experiência de uso de milhões de brasileiros que estão pela primeira vez acessando seu dinheiro pelo celular. 

Transformação digital inclusiva 

A China é um exemplo de inserção tecnológica e um dos países que mais fazem transações pelo celular. Há pouco tempo, porém, grande parte da população pagava por suas compras em dinheiro vivo. O que fez mudar esse cenário? 

Um incentivo forte ao celular, utilizando uma tecnologia de baixíssimo custo, a dos QR Codes. Para as pessoas usarem um QR Code só é preciso um celular com câmera, item básico em qualquer aparelho hoje. Por parte dos lojistas, apenas uma impressão do código, que fica disponível aos consumidores. 

Código QR é um código de barras bidimensional que pode ser facilmente escaneado.

Desse modo, ocorre uma diminuição de custos grande com os PO’s (as maquininhas de cartão), e uma abrangência aos cidadãos. 

Muito diferente, por exemplo, do pagamento por NFC disponibilizado por empresas como Samsung e Apple, que são caros ao consumidor final e só estão disponíveis em equipamentos premium. 

Sobre isso, o artigo Why QR code payment develop well in Chinade Pu Zhang, da Universidade de Birmingham na Inglaterra, afirma que esses métodos são focados num público que já paga suas compras por meio do cartão de crédito ou débito, e que do ponto de vista do consumidor: 

“Os hábitos dos usuários precisam ser alterados para usar tecnologias como pagamento por código QR ou Apple pay em locais onde os cartões de crédito estão disponíveis, mas o aprimoramento da experiência do usuário é pequeno. Por outro lado, em lugares onde as pessoas não podem usar cartão de crédito, o uso do Apple Pay é quase impossível [por que não se não aceita cartão, dificilmente aceitará algo ainda mais moderno como NFC].”

Ou seja, traduzindo para o contexto brasileiro, com todo o cuidado que uma mudança geográfica dessa merece, podemos entender que existe hoje enfoque de pagamentos digitais para pessoas que já tem seus hábitos de pagamento bastante aprimorados por meio dos cartões. 

Por outro lado, as parcelas da população que ainda se relacionam com cédulas sujas cheias de Covid-19 estão afastadas dos pagamentos digitais, justamente essas que teriam uma experiência bastante diferente da atual, realmente disruptiva. 

Serviços públicos na popularização do online

Na China, a mudança que representou a popularização dos pagamentos por QR Code e da quase eliminação do dinheiro foi uma mudança cultural profunda no país asiático. A maior parte das pessoas não utilizava cartão, então os QR Codes foram sua primeira grande experiência com novos métodos de pagamento digitais

Algo muito próximo do Brasil, onde os pagamentos em espécie ainda são comuns na nossa rotina diária. 

Sendo assim, o grande benefício dos pagamentos digitais: maior segurança, facilidade, menores taxas, etc. é fundamental na qualidade de vida de um público que não está presente nas estratégias de penetração de mercado da maioria dos bancos, carteiras digitais e demais instituições financeiras. 

Pessoas que possuem um celular simples e ainda pagam em espécie terão sua experiência com o dinheiro radicalmente transformada, muito mais do que quem há anos já se relaciona com cartões de débito e crédito. 

Na China, para continuar com o exemplo, o Alipay se popularizou por aprimorar serviços públicos, incluindo o pagamento de multas de trânsito, transporte público, registros online em hospitais, etc. 

Ou seja, não é só sobre comprar coisas, mas também sobre ser mais eficiente e rápido em ações do dia dia. 

No Brasil, alguns aplicativos de carteira digital se atentarem a isso. Durante a pandemia, os pagamentos do Governo do Estado de São Paulo do auxílio merenda das famílias com alunos em escolas públicas foi feito por app. 

Foi uma excelente iniciativa para digitalização financeira da sociedade, pois representa para milhões de pessoas sua primeira conta digital e, outras tantas, a primeira conta. 

Em termos de mercado, também foi um passo importante para conquistar usuários. Os principais apps que se posicionam como carteiras digitais estão em corrida para ter a maior base de usuários possível quando for lançado o PIX do Banco Central. 

O novo sistema de pagamentos instantâneos tende a tornar obsoletos TED, DOC e os cartões bancários. Transações financeiras digitais seguirão um padrão único, e os esquemas fechados dominantes do mercado hoje serão menos atrativos. 

O PIX transforma o mercado pois descentraliza a cadeia de pagamentos, derruba as taxas e induz a competitividade. Tudo isso com o consumidor no foco do desenvolvimento.

O novo esquema é atrativo não somente para bancos e instituições financeiras. Todo setor com alto fluxo de pessoas e circulação de dinheiro pode desenvolver soluções próprias e surfar em novos modelos de negócios. 

Nesse ponto, juntamos os desafios que o transporte público enfrentará com a nova cédula de R$200, como abordado acima, com as oportunidades do PIX. 

Transportes públicos e digitalização financeira 

Cerca de 29% da população brasileira é desbancarizada e 59% destes são mulheres, algo em torno de 45 milhões de pessoas, segundo o Instituto Locomotiva. 

À exemplo da China, serviços essenciais a essa população são uma estratégia de alcance. É o caso do transporte público, que tem entre seus clientes mais de 50% mulheres de classes C, D e E, justamente as menos bancarizadas. 

O setor de transportes no Brasil ainda possui muita circulação de dinheiro, tem seus próprios esquemas de bilhetagem e base de clientes, com uma diversidade de pessoas enorme. 

O grande problema é que os sistemas fechados de bilhetagem só permitem o uso do saldo dos cartões no próprio transporte público, o que limita as possibilidades. O transporte público atinge parcelas enormes da população, mas da forma que se estrutura hoje não pode servir de meio para pagamentos de auxílios emergenciais, por exemplo. 

O Mapa de Insights é baseado em pesquisa quantitativa exploratória realizada em 2 cidades no sul e sudeste com 188 clientes do transporte público. No estudo buscava-se compreender as percepções dos usuários sobre os métodos de pagamento disponíveis para o transporte público: dinheiro e cartão. O Mapa foi organizado de forma a evidenciar as vantagens e desvantagens de cada um, e é possível notar que essas características se fundem: o que é vantagem em um, é desvantagem em outro. No círculo laranja, estão pontos que um pagamento digital poderia atender, seja na criação de valor positivo nas vantagens ou diminuição de barreira nas desvantagens.

Em meio à crise que abala o setor, um serviço de tamanha importância como esse poderia gerar as receitas necessárias para continuação dos serviços. O modelo de Account Based Ticketing (ABT), ainda não adotado no país, serve justamente para que o saldo de créditos do transporte fique armazenado em nuvem e não na mídia física, o cartão. 

Com a adoção ampla desse esquema poderíamos incluir financeira e digitalmente grande parte da população por meio de um serviço já usado, conhecido e carente de inovação. Esse serviço poderia ocorrer por meio de uma carteira digital dos transportes, ou mesmo um cartão que não fosse dos modelos MIFARE Classic (inseguros para qualquer fim). Infelizmente, desta vez, o transporte público perdeu o timing

Esse setor, tão acostumado com os ossos, poderia finalmente desfrutar de fatias do filé que é o setor de pagamentos no Brasil, mas ainda está numa paralisação em relação às possibilidades de inovação, mesmo tendo relacionamento e sendo responsável pela locomoção de trabalhadoras, estudantes e cidadãos no geral. 

Diferentemente da China, muitos serviços públicos, incluindo o transporte, ainda continuam presenciais e burocráticos. Basta nos atentarmos à dificuldade que é fazer um cartão de transporte, por exemplo. 

Há um longo caminho pela frente

O transporte público no Brasil tem um grande desafio com a nova cédula de R$200 para que ela não seja um problema nas operações do dia dia. 

Por outro lado, possui uma grande oportunidade com o lançamento do PIX, pois o novo sistema de pagamentos põe um novo jogo à mesa. 

Diversos entrantes se preparam para oferecer suas carteiras digitais, mas como vimos acima, a facilitação dos meios digitais não se resume só ao pagamento, mas também à captura de recursos, ao atendimento, solução de problemas e solicitações e demais serviços burocráticos, principalmente aqueles feitos pela grande maioria brasileira: transportes, justiça eleitoral, saúde, trabalho, etc. 

O lançamento da cédula de R$200 vai na contramão da digitalização financeira e também expõe o abismo social e digital no Brasil, que ainda torna mais fácil o manuseio do dinheiro do que o uso de canais digitais. 

Ou seja, andamos um passo com o PIX e os pagamentos de auxílios em carteiras digitais, mas damos dois passos para trás com sistemas que não funcionam e o lançamento de novas cédulas. 

Ironicamente, desta vez, o transporte público perdeu este ônibus. Nosso papel como difusora de conteúdo e conhecimento sempre será o de informar o mercado com nossas análises mais precisas.

Tudo isso para que na próxima volta, esse segmento em que tanto acreditamos seja a liderança. O que nós não podemos fazer, é segurar a viagem. 

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Isso é obrigatório.
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