Miguel Pricinote, gestor executivo da Viação Reunidas, aborda a crise e as críticas do transporte público e o que é preciso para que haja uma transformação positiva no sistema
Além da atual crise pela qual o Transporte Público Coletivo passa devido a pandemia do coronavírus, os sistemas vêm sofrendo com o modelo atual de financiamento feito majoritariamente pela tarifa calculada de forma política e por um planejamento central que não reflete a real necessidade dos usuários.
Sendo assim, o COVID encontrou um cenário perfeito para destruição total: i) sucateamento dos serviços devido o desequilíbrio econômico fruto de congelamentos compulsórios das tarifas; ii) falta de competitividade do setor frente aos demais modais de deslocamento (bicicleta, automóvel próprio, transporte “pirata”, aplicativos como o UBER, etc.); iii) falta de autonomia dos agentes privados para usarem estratégias inovadoras (ex.: MaaS, ABT, IoT…) para oferecer um serviço mais adequado ao cliente final; e iv) uso político do serviço de transporte coletivo, nas três esferas do poder: executivo, legislativo e judiciário.
No entanto, ao invés da sociedade lutar contra o cerne do problema – que é a maior intervenção do estado no serviço de transporte público -, fica somente criticando os empresários com a falsa alegação que o sistema é cartelizado pelos entes privados.
Isto acontece pois culturalmente aprendemos que monopólios e cartéis são falhas de mercado provocado pelo “grande capital” e que o Estado tem a obrigação de agir e regular o serviço para proteger o mais fraco que no caso são os usuários do serviço.
Entretanto, os serviços com grande intervenção estatal tendem a serem ineficientes. Pois sem estarem sujeitos ao monitoramento e ao crivo do mercado, tais sistemas sempre serão levados pelo Estado a tomar decisões economicamente insensatas. Pior ainda: serão capturadas por interesses “políticos”.
Para o transporte coletivo, esse raciocínio não é diferente. Todas situações adversas do sistema advêm do fato de ser controlado pelo Estado. Mais ainda: advém do fato de todo este controle ficar nas mãos de tecnocratas ou de políticos de passagem e que todas as empresas e todos os usuários são obrigados a aceitar as regras impostas com pouco ou nenhum poder de negociação.
Deste modelo intervencionista surgem três consequências: aumento constante da tarifa, endividamento dos operadores, baixa qualidade do serviço prestado.
O fato do cálculo da tarifa a partir da premissa de igualar o preço ao custo marginal é absurda. Pense nos assentos vazios que você vê nos ônibus, em eventos esportivos, em aviões e trens. Pergunte a si próprio qual é o custo marginal de permitir ou aceitar mais um cliente em tais casos. Obviamente, é zero ou próximo de zero.
O efeito do preço ter de ser igual ao custo marginal nestes casos seria simplesmente o de impedir a existência do sistema em questão — a menos, é claro, que o governo a estatizasse ou que pelo menos a subsidiasse pela produção do serviço (a exemplo de um “fretamento” enquanto cobra um preço igual ou menor ao custo marginal dos usuários).
Para os defensores de legislações reguladoras, o conceito de concorrência advém de um mundo de sonhos platônicos, no qual a concorrência gera condições — principalmente a existência de um enorme número de operadores individualmente insignificantes que ofertam bens homogêneos e idênticos — que fazem com que empreendedores, em busca do lucro, voluntariamente igualem seus preços ao custo marginal.
Mas como melhorar o sistema? Como dar ao transporte coletivo as condições necessárias para inovações e evoluções constantes? Como fazer do “novo normal” um marco na transformação do transporte público?
Em todas as esferas da atividade humana, uma inovação é um desafio, não apenas para aqueles que gostam de seguir rotinas, é um desafio ainda maior para aqueles que no passado foram inovadores. Toda inovação enfrenta, em seu começo principalmente, uma obstinada oposição. Tais obstáculos podem ser superados em uma sociedade em que haja liberdade. Mas eles são intransponíveis em um sistema intervencionista.
A essência da transformação de um serviço é a oportunidade de divergir e se distanciar das maneiras tradicionais de se pensar e de se fazer as coisas – situação altamente proibitivas em mercados com rígidas regras reguladoras. O planejamento feito por uma autoridade central, controladora e inflexível, impossibilita todo e qualquer planejamento feito pelos seus verdadeiros agentes: operador e usuário.
Por isso, você que luta pela qualidade do sistema de transporte coletivo, por favor, pelo bem do sistema, pare de pedir maior intervenção estatal. É necessário lutar para que o serviço possa ser cada mais flexível e aderente às necessidades das pessoas.
Infelizmente este modelo mais flexível do serviço de transporte possui muitos críticos que odeiam as palavras: produtividade, otimização, inteligência de mercado etc. Só que, ao atacar a inovação e exigir que o governo atue contra os operadores, eles estão apenas reduzindo os benefícios que acabariam sendo ofertados à sociedade.
Mas eles não ligam. Eles são motivados pela ideologia do conflito de classes, querem dar uma lição nos empresários preferindo estatizar uma empresa. Com isso, acabam por sofrer com um serviço pior a permitir que o operador invista em troca de maiores resultados, o que se beneficiaria de serviço de melhor qualidade.
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